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AS ESTATÍSTICAS PÚBLICAS SOBRE CARREIRAS EDUCACIONAIS NA ÁREA DE CIÊNCIA

Por:   •  9/11/2019  •  Abstract  •  2.222 Palavras (9 Páginas)  •  150 Visualizações

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        A expressão “dados oficiais” tem o poder de se fazer crer um reflexo fidedigno da realidade, tanto que as estatísticas produzidas pelos órgãos públicos de pesquisa são utilizadas como principal meio de regulação da ação estatal (1). Para Alain Desrosières, “Dentro do quadro de legitimidade gozada pelas instituições de estado, as estatísticas ocupam um lugar particular: aquele de referência comum, duplamente garantida pelo estado e pela ciência e tecnologia, a sutil combinação da qual se constituiu a originalidade e a particular credibilidade das estatísticas oficiais” (2). A trajetória percorrida pelas estatísticas públicas até que pudesse gozar de tal nível de credibilidade, por mais interessante que seja, foge da temática deste trabalho. O que interessa neste momento é que, uma vez transformada em ferramenta legítima de regulação social, as estatísticas passaram a atrair o interesse dos sociólogos, não apenas como instrumento para seus estudos, mas sim como objeto de pesquisa. Dentre as várias linhas de problematização aberta por estes sociólogos, algumas serão destacadas neste capítulo pois os conceitos, categorias e ideias por elas produzidos ajudarão a desvendar, no decorrer desta pesquisa, os meios através dos quais a política e seus principais agentes podem interferir nas decisões mais determinantes do processo estatístico.

        A primeira linha de problematização que interessa a este trabalho situa-se naquilo que Nelson Senra chama de esfera da oferta ou produção estatística, esfera conduzida, em tese, por “pesquisadores capazes em instituições idôneas, configura a dimensão técnico-científica das estatísticas, quando se empenhará, o mais possível, para que os resultados sejam gerados no plano da demonstração (locus do racional), querendo-se intensamente a mais absoluta e completa independência técnico-científica, o que só é possível em parte e jamais no todo” (10). As estatísticas públicas devem ser entendidas como um objeto-fronteira, haja vista que elas se encontram na intercessão entre o universo científico, administrativo e político. Desta forma, o ideal é conceber a estatística como um espaço político-cognitivo que está sob constante influência de demandas e problemas políticos aos quais ela deve imprimir uma tradução técnica, gestando assim novas formas de gestão e resolução de ditas questões (3). Além do mais, Simon Schwartzman nos lembra que há ainda grupos externos com interesses ligados aos “produtos” estatísticos quando diz que “Os seus produtos – números relativos a população, renda, produto nacional, urbanização, emprego, natalidade, e muitos outros – são publicados na imprensa, utilizados para apoiar políticas governamentais e avaliar os seus resultados, e podem criar ou limitar direitos e benefícios legais e financeiras para grupos, instituições e pessoas específicas. Essa pluralidade de papéis, contextos e perspectivas associadas às estatísticas públicas está na própria origem deste campo” (4).

        Como pode-se depreender do parágrafo acima, a capacidade que atores de fora da comunidade científica têm para influenciar questões pertinentes à estatística pode ser melhor compreendida pela análise do processo histórico ao qual o campo estatístico e as instituições estatísticas foram submetidas, de sua criação até os dias atuais. Existem estudos realizados no Brasil a respeito das estatísticas criminais que aplicam esta metodologia de forma a demonstrar como agendas políticas impactaram o desenvolvimento dos órgãos responsáveis pelos indicadores criminais (5). Este trabalho objetiva, entre outras coisas, fazer o mesmo com o Censo Demográfico do IBGE, pesquisando e explicitando quais foram os momentos chave nos quais atores políticos influíram na determinação do questionário censitário.

        De qualquer maneira, seria um erro pensar que apenas atores advindos do campo político podem interferir no campo estatístico com base em critérios não científicos. A crença na objetividade da ciência é fortemente arraigada no ideário contemporâneo, mas supor que os cientistas agem de forma estritamente objetiva é um equívoco que não pode ser cometido quando se propõe a estudar a sociologia das estatísticas. “Mesmo cercada de regras e critérios técnicos, a escolha do objeto de estudo e das formas utilizadas para descrever um objeto carregam elementos subjetivos para a        cadeia de produção de dados estatísticos” (6).

        Este fenômeno evidencia-se na questão da categorização estatística. O estatístico, de certa forma, não é livre para criar as classificações necessárias para o devido cumprimento da prática estatística, sendo elas, na verdade, retiradas da prática individual, social e administrativa (7). A forma como essas concepções pré-construídas influencia o trabalho estatístico foi muito bem aplicado a questão de gênero pela professora Zuleica de Oliveira: “a “realidade social” que é objeto da observação estatística, é uma realidade moldada pelas normas e pelas representações sociais. “A realidade social” que é objeto da observação estatística é filtrada por intermédio de uma matriz cultural que fornece os critérios para a classificação dos “fatos sociais” e, por conseguinte, para a produção das informações estatísticas. Esta matriz que serve de referência para a produção das informações estatísticas é, por sua vez, influenciada pelo sistema de ideias que reflete e reforça uma visão de mundo, assentada em valores dominantes masculinos. A linguagem estatística é ao mesmo tempo mediadora e produto do discurso social” (8).

        Isso nos leva à segunda linha de problematização da qual esta pesquisa se servirá, a esfera da demanda estatística. Apesar de o caráter objetivado das estatísticas públicas já ter sido demonstrado por diversos autores, a demanda social por estatísticas é cada vez maior. “Multiplicam-se os campos de análise [das estatísticas]; cada vez mais as estatísticas “revelam” os mundos, mais e mais se expandem seus campos semânticos, bem como, cada vez mais, elas se inserem num campo de produção e reprodução cultural de signos e imagens que norteiam a realidade, influenciando, rotineiramente, através da regulação e/ ou da disciplina, a vida de milhões de pessoas” (9). Esse aumento da demanda por estatísticas, fenômeno muito típico da modernidade, se deve, possivelmente, ao fato de que a arte de governar não é mais monopólio do Estado e, portanto, outros grupos de interesse passam a desejar dados que lhes ajudem a pensar e embasar suas demandas políticas. Esse aumento expressivo da demanda pode ser constatado “em diferentes ocasiões como, por exemplo, durante as discussões públicas que antecederam a elaboração dos questionários do Censo 2000 quando, por exemplo, grupos de representantes dos homossexuais sugeriram a inclusão de perguntas sobre a opção sexual dos entrevistados. Já nas discussões que precederam o Censo 2010, entre outras reivindicações, representantes das pessoas portadoras de deficiência pediram para que as

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