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Espírito Militar - Um Antropólogo na Caserna

Por:   •  29/11/2016  •  Resenha  •  2.010 Palavras (9 Páginas)  •  1.617 Visualizações

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Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Sociais

Departamento de Antropologia

135321 – Antropologia Política

Professora: Andréa de Souza Lobo

Estudante: Débora Pontes da Silva 11/0114264

Resenha sobre: O Espírito Militar - Um Antropólogo na Caserna/ CASTRO, Celso. - 2.ed. Revista - Rio de Janeiro – Jorge Zahar Ed., 2004.

        A tese de doutorado de Celso Castro, referente ao seu trabalho de campo realizado em 1987/1988 na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) situada no Rio de Janeiro- RJ tem uma leitura fácil e atraente, bem detalhada e tampouco cansativa. Em seu prefácio da segunda edição, Castro fala um pouco do retorno que ele obteve após escrever esse livro: pouquíssimos, ou talvez só um entrevistado foi ao lançamento, porém vários o procuraram para elogiar, afirmando que ele descreveu muito bem a academia militar, além de um deles ter dito que após ler seu livro ele decidiu não chamar ninguém de "paisano", que é como os civis são pejorativamente chamados pelos militares em geral. Algumas autoridades ficaram preocupadas com as gírias e palavrões retratadas nos depoimentos, por conta da reputação de militares, além de que aparentemente só se importavam em saber se o antropólogo era amigo ou inimigo deles; mas, segundo o escritor, houve um grande nível de aceitação por parte dos cadetes e ex-cadetes que leram. Creio que isso se deu por dois motivos: Castro não tocou no assunto Ditadura ou "Revolução" Militar em momento algum, exceto em uma frase curta para falar da mudança de prestígio dos militares mais antigos para os daquela época do trabalho de campo; e outro motivo seria que o espírito militar já estivesse tão arraigado nesses que conseguiram ler sobre trotes, humilhações, preconceitos (étnico-sociais), dentre tantas outras coisas que de certa forma mostram condutas não aprovadas por civis, numa época mais humanitária como essa, e eles não se sentirem criticados, mas sim, talvez, elogiados.

        No Capítulo 1 - Militares e Paisanos, Celso Castro explana o universo de quem acabou de entrar, porque entrou e a mudança de mentalidade decorrente durante os quatro anos de Academia, mostrando uma militarização dos cadetes, ou melhor, dos "bichos" no primeiro ano na escola. Castro relata os trotes e, mesmo sendo humilhantes e desumanos em algumas situações, os cadetes vêem como algo necessário por inúmeras explicações diferentes: como uma tradição, um rito de passagem, uma prática pedagógica (no sentido de ensinar o lugar de cada um e o respeito à hierarquia), aproximação entre os cadetes e bichos, dentre outros. Interessante é que nas regras da Academia trotes são proibidos, mas  os oficiais fazem vista-grossa, fingem não saber que acontece; o que chama atenção de Castro para Becker: “Regras nem sempre são impostas.”, mostrando um possível cumprimento somente com aquilo que convém. É importante ressaltar que o argumento de sua tese é provar que uma instituição como essa é capaz de construir um espírito que até mesmo um “paisano”, que nunca possuiu em toda a sua vida até chegar a essa etapa, possa desenvolvê-lo e, que, depois de se tornar militar, esse espírito ainda possa permanecer por longos anos ou por toda a sua vida; permitindo aos militares a vivência em “um mundo quase que auto-suficiente” (frase do Capítulo 4 – Os Cadetes e o Mundo de Fora) com vilas, colégios e eventos militares, ainda com a incorporação desse espírito por suas famílias em geral.

        É também no primeiro capítulo que Celso Castro faz uma comparação da Aman com as instuições totais de Goffman, afirmando que a Aman não condiz com uma institução total por não ser uma “estufa para moldar pessoas”, porém é uma contradição ou pelo menos uma linha muito tênue nessa definição, pois a construção de um espírito como o militar, no final das contas, tem sim a intenção de moldar pessoas, como foi relatado novamente no capítulo 4 que um oficial afirmou que “o importante é investir na mudança de mentalidade” e Castro o indagou porquê, porém o oficial nunca respondeu. Outros motivos para Castro não considerar a Aman uma instituição total são o fato de os alunos não estarem lá compulsoriamente e a exitência de uma vitória cultural; que, na verdade podem ser identificadas em alguns dos 5 tipos de instituição total classificados por Goffman, como instituições religiosas e hierárquicas. Sem contar que podemos identificar o sentimento de solidariedade compartilhada que se desenvolve no segundo ano, quando os novos cadetes se rearranjam indo para as Armas (Capítulo 2 – Os Espíritos das Armas).

        A escolha por Arma é feita a partir de quem tem as maiores notas, o que reforça a competitividade entre os cadetes, não somente quando são bichos, mas principalmente após seu ingresso à respectiva Arma. É sobre isso que o segundo capítulo trata. Celso Castro cita Simmel em um momento muito oportuno: “Os indivíduos têm necessidade de oporem para permanecerem unidos.”, pois de acordo com os relatos de alguns entrevistados, depois da ida para diferentes armas alguns ex-bichos deixam de ser amigos por conta da rivalidade entre Infantaria e Artilharia, por exemplo. E isso acontece para que cada arma se encontre em sua identidade, muitas vezes até imposta e o grupo encontre sentido no que faz em um “constante esforço para concordar numa visão de como é a estrutura social relevante” (Mary Douglas). Nesse caso, Castro ressalta que se a situação fosse exército contra a marinha, por exemplo, cadetes de armas diferentes se uniriam pelo que têm em comum, que seria o exército; fazendo referência às fronteiras fluidas e móveis de Radcliffe-Brown.

        Quanto às sete armas, Celso Castro as define muito bem. A Infantaria é considerada “a mais militar”, pois seus cadetes são rústicos, líderes e mais dados à ação do que ao estudo. Quando definidos pelos de outras armas, são chamados de burros. Aos cadetes da Cavalaria são reconhecidos como bagunceiros, cachaceiros, sujos, flexíveis e ágeis. São conhecidos por darem intimidade não só àqueles que entraram no mesmo ano, mas do segundo, do terceiro e quarto, sem se importarem com a hierarquia (o que pra os da infantaria seria “promiscuidade”). Os cadetes da Artilharia são o oposto da Infantaria: muito estudiosos, meticulosos, organizados, e “irritantemente calmos”, até mesmo no passo de marcha; por isso as duas armas possuem fortes rixas a ponto de certos cadetes serem presos e punidos por atos contra a arma rival. A Engenharia é chamada de “os infantes que pensam”, pois são dados à ação, mas também ao estudo, além de terem tarefas civis (como construções em locais perigosos como selvas ou comunidades muito pobres e isoladas) em épocas sem guerra. Por conta desse outro serviço tem a imagem de mais humanitários e são elogiados pelos elementos de outras armas. Porém sofrem um sutil preconceito étnico-racial, pois os que mais se atraem por trabalhar nela são os advindos do Norte que querem ter mais contato com sua terra ao final da Academia, e por isso são chamados de “os sem beleza”.

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