O TERRITÓRIO, IDENTIDADE, PODER E MEMÓRIA: UMA ANÁLISE INTERDISCIPLINAR DO DESLOCAMENTO POPULACIONAL EM ITUETA-MG
Por: LeticiaBastos • 4/4/2018 • Artigo • 6.641 Palavras (27 Páginas) • 255 Visualizações
TERRITÓRIO, IDENTIDADE, PODER E MEMÓRIA: UMA ANÁLISE INTERDISCIPLINAR DO DESLOCAMENTO POPULACIONAL EM ITUETA-MG
Cibele Maria Diniz Figueirêdo Gazzinelli¹
Letícia da Silva Bastos¹
Patrícia Fátima Mendes Guedes¹
RESUMO
O presente artigo foi construído com base em relatos colhidos de moradores da cidade de Itueta por mestrandos do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território da UNIVALE – Governador Valadares/MG, durante um trabalho de campo incluído no cronograma da disciplina Estudos Territoriais. O objetivo deste trabalho foi discutir os conceitos de território, identidade e poder a partir dos relatos dos moradores de Itueta sobre o processo de mudança da “velha” para a “nova” cidade. Procurou-se abordar os conceitos de forma interdisciplinar, privilegiando os estudos sobre o território, os aspectos psicológicos que surgiram nos relatos e a Análise do Discurso, como instrumento de análise dos relatos dos moradores. Trata-se de estudo observacional com abordagem qualitativa. O material de estudo foi colhido de forma livre durante a visita em Itueta e em entrevista com moradores da cidade. Verificou-se no estudo que a mudança para a “nova” Itueta é vivenciada de forma negativa pela maioria dos moradores, o território simbólico e a noção de pertencimento são marcados no discurso dos ituetenses. Ficou evidente a necessidade de se criar um espaço em que as pessoas possam contar e recontar suas histórias e daí terem a possibilidade de resolver questões que os impedem de vislumbrar o futuro.
Palavras-chave: Território – identidade – pertencimento.
1- INTRODUÇÃO
O município de Itueta, localizado na porção leste do estado de Minas Gerais, no início do século passado, após a Grande Guerra de 1914, passou por uma colonização marcada pela instalação de italianos e alemães às margens do Rio Doce. Esse processo, aliado à implantação da Estrada de Ferro Vitória Minas, atraiu população para essa região que tinha sua economia baseada na agropecuária e na extração de madeira. O município, emancipado em1948, é dividido pelas águas do Rio Doce e apresenta grande número de cachoeiras, característica esta que dá significado à palavra Itueta. Em meados do mesmo
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¹ Mestras pelo Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território da UNIVALE – Governador Valadares/MG.
século, o intenso desmatamento e a escassez da madeira gerou desemprego e evasão populacional em grande escala, tendo grande parte dessas pessoas emigrado para os Estados Unidos.
Nos anos de 1990, o município de Itueta-MG tem sua história marcada pela chegada do Consórcio da Usina de Aimorés (CEMIG e Vale do Rio Doce) que anunciou a construção de uma barragem que inundaria a sede da cidade, sendo necessária a transferência da mesma para outra localidade.
Os moradores se organizaram em forma de associação para que pudessem estabelecer diálogo entre as partes e, por conseguinte, alcançar resultados que tornariam o processo de “deslocamento” menos traumático. Entretanto, parte da negociação não foi cumprida e apesar de alguns ganhos estruturais, são nítidas a perda de referências identitárias e as dificuldades de convívio social na Nova Itueta. Isso se justifica pelo fato de que “não é possível construir um conhecimento das realidades sociais isento das determinações materiais, históricas e geográficas das pessoas que o produzem” (ROSENDAHL; CORRÊA, 2001, p. 48).
Em 2004 e 2005, a “velha” cidade foi destruída enquanto uma “nova” estava sendo edificada a alguns quilômetros de distância, transformando a vida de sua população. Haesbaert Costa (2005), ao abordar o conceito de território, trata da materialidade, da emoção e da dimensão simbólica que se faz presente no sentimento de pertencimento a um “lugar” por meio da representação, que confere à territorialidade uma dimensão identitária. Para o autor, o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente ‘em casa’.
Ao se mudarem para a “Nova Itueta”, o sentimento de pertencimento dos moradores à antiga sede trouxe consequências individuais e coletivas, os sentimentos de perda, tristeza, desânimo, falta de esperança, perpassam seus relatos. Dessa forma, apesar da maior parte dos moradores de Itueta não desejar essa realocação, o processo de “destruição” da cidade antiga para construção de uma cidade planejada aconteceu, modificando os rumos da história daquele povo, já que a nova sede não apresentava semelhança estrutural com o local onde residiram durante toda a vida.
Este trabalho teve como ponto de partida uma visita à velha e à nova cidade de Itueta, no Estado de Minas Gerais, realizada no dia 11 de junho de 2010. A visita foi uma das atividades incluídas no cronograma da disciplina Estudos Territoriais do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território da UNIVALE – Governador Valadares/MG. Participaram desta atividade o professor da referida disciplina, uma professora do curso e dezessete mestrandos.
O material utilizado para a pesquisa foram os relatos de moradores de Itueta, selecionados por um antigo morador, tido como uma referência para a população da cidade. Os relatos foram colhidos de forma livre durante a visitação e em uma entrevista com cinco mulheres e cinco homens, moradores de Itueta que vivenciaram todo o processo de mudança da “velha” para a “nova” cidade.
Essas pessoas foram escolhidas pelo morador acima citado, considerando o papel que desempenhavam na comunidade, seja do ponto de vista econômico, social ou político. A entrevista foi realizada no Centro Cultural da “nova” Itueta e as perguntas foram direcionadas aos moradores pelos mestrandos de acordo com o foco de interesse da disciplina, que foi a abordagem do território e os conceitos a ele relacionados.
Dentro de uma perspectiva qualitativa, utilizou-se a metodologia da História Oral para levantamento da maior parte dos dados. Silveira (2007, p. 5) afirma que a narrativa oral “são narrativas de identidade na medida em que o entrevistado não apenas mostra como ele vê a si mesmo e o mundo, mas, também, como ele é visto por outro sujeito ou por uma coletividade”. Assim, o principal objetivo foi construir um conhecimento a partir de narrativas orais, que são narrativas de memória que descrevem as representações dos sujeitos que viveram a história.
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