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JOHN RAWLS: ÉTICA, INSTITUIÇÕES, DIREITOS E DEVERES

Por:   •  15/10/2018  •  Resenha  •  8.035 Palavras (33 Páginas)  •  1.239 Visualizações

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JOHN RAWLS: ÉTICA, INSTITUIÇÕES, DIREITOS E DEVERES

24.1 Justiça como equidade

As reflexões que se propõem a respeito de John Rawls (1921-2002) estão basicamente lastreadas em seu marcante escrito intitulado Uma teoria da justiça (A theory of justice, Harvard University Press, 1971). Este escrito, na verdade, representa a condensação de inúmeros artigos que movimentaram a opinião deste marcante professor titular da Harvard University, Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos, em seu sacerdócio intelectual dentro da teoria do Direito;na verdade, trata-se de uma obra que é o resultado de inúmeras pesquisas, publicadas como artigos autônomos e anteriores, desenvolvidas pelo autor, que foram reunidas num único livro que trata sistematicamente do tema da justiça¹.Esse texto, portanto, engloba discussões contidas em Justice as fairness (1958), Distributive justice (1967), Distributive justice: somme addenda (1968), Constitucional liberty (1963,) Civil obedience (1966), The sense of justice (1963). É necessário dizer que a tradução portuguesa de 1990, com versão de 1993, é aquela que serve de base para essa leitura, e isso porque nela já se incluem correções de ideias, aperfeiçoamentos de críticas dirigidas à edição original e diálogos de Rawls principalmente com H. L. A. Hart. Certamente, este é seu mais importante escrito, mas não o único de destaque, considerando-se a importância alcançada pelo polêmico texto de 1999, The law of people.

Seus propósitos são claros, absolutamente claros, na medida em que se ferramenta para discutir e desbancar o intuicionismo e o utilitarismo.² Ao mesmo tempo que estabelece essa frente de combate, não adere a qualquer postulado perfeccionista, segundo o qual a sociedade dever-se-ia guiar pelo que é melhor para o homem. E, ainda que haja fortes traços de economicidade em suas proposições teóricas, o que se há de dizer é que também qualquer sistema econômico está baseado em uma ideia de justiça.³ Isso porque, devemos dizer desde já, não há justiça sem moral, política ou economia, para Rawls. ⁴

A análise do referido texto inicia-se com duas ponderações necessárias. A primeira, segundo a qual a noção de equidade (fairness) está a reger todo o espectro de reflexões introduzido por Rawls em torno da questão da justiça. Sua teoria da justiça é uma teoria da justiça como equidade, e o conceito de equidade aqui possui suas peculiaridades.5 A equidade dá-se quando do momento inicial em que se definem as premissas com as quais se construirão as estruturas institucionais da sociedade.6 A segunda, de acordo com a qual John Rawls concebe sua teoria7 com uma matriz bem determinada, a do contratualismo (Locke, Rousseau, Kant).8 E, não sendo ele o único neocontratualista contemporâneo,9 é mister que fiquem nuançadas suas características teóricas mais marcantes por meio dessa pesquisa. É dela que se abeira para reformular seus cânones; é nela que busca inspiração para a grade dos conceitos que explora com desenvoltura e propriedade, em meio ao contratualismo contemporâneo.10

Nessa medida, pensar a justiça com John Rawls é pensar em refletir acerca do justo e do injusto das instituições.11 Qual seria a melhor forma de administrar a justiça de todos senão por meio das instituições sociais? Não se quer tratar do fenômeno na esfera da ética de cada indivíduo, da ação humana individualmente tomada, das concepções plúrimas que se possam produzir sobre a justiça,12 o que não deixa de ser considerado relevante; quer-se, pelo contrário, disseminar a ideia de que a justiça das instituições é que beneficia ou prejudica a comunidade que a elas se encontra vinculada. Uma sociedade organizada é definida exatamente em função da organização de suas instituições, sabendo-se que estas podem ou não realizar os anseios de justiça do povo ao qual se dirigem.13

Nesse sentido, a justiça figura como a virtude primeira de todas as instituições sociais, ou seja, aquilo que a verdade é para a ciência, deve a justiça ser para as instituições sociais. Isso significa dizer que uma sociedade bem organizada possui a máxima aderência de suas partes contratantes não por outro critério senão pela justiça que se encontra traduzida nas estruturas institucionais da sociedade. A ciência que se distancia da verdade passa a cavar seu próprio destino: o desaparecimento. As instituições sociais, da mesma forma, devem almejar, mas não só, devem realizar a justiça por meio de sua quadratura institucional.

As instituições são fundamentalmente o que internamente, em seu sistema estrutural, preveem como regras, que podem ser justas ou injustas.14 Quando se discute a questão da justiça das instituições, deve-se dizer que não é porque uma regra isolada ou um conjunto de regras isoladas sejam injustas que a instituição pode ser qualificada de injusta.15

Tocar nesse aspecto é tocar na questão de como os direitos e os deveres são distribuídos em sociedade, pois as instituições têm por meta exatamente isso. Alguns possuem mais direitos e outros estão sobrecarregados de deveres? Alguns se favorecem das estruturas sociais para garantirem seu bem-estar pessoal? Todos têm igual acesso a benefícios socialmente reconhecidos e coletivamente garantidos? Essas são, de fato, as questões com as quais pretende John Rawls lidar por meio de sua teoria.16 Em poucas palavras, trata-se de estudar como a justiça se faz nas estruturas básicas de uma sociedade, e propor um modelo que explique e que mostre como isso se realiza, ainda que de modo deontológico.

As questões da distribuição e da participação na distribuição encontram particular importância nesse contexto.17 Tudo isso, portanto, conduz o leitor ao universo da justiça social e seus meandros.18 Existe a necessidade de dizer que é num sistema único de cooperação que se pode inserir a preocupação com a questão da justiça social.19

É com atenção a esse espectro de pesquisa do tema que Rawls faz de seu neocontratualismo uma proposta de re-início na avaliação do tema da justiça. Como definir a justiça nas estruturas sócio-institucionais ignorando o pacto inicial da sociedade? Fundamentalmente, seu conceito de justiça resgata a noção de contratualismo do século XVII. Assim, como hipótese de estudo, parte-se para a análise da posição original das partes no momento de realização do pacto social, para, com base nisso, traçarem-se as linhas com as quais se organiza a tecitura da justiça.

É com base no acordo inicial que se pode discutir a situação das partes que aderem ao pacto. Encontram-se elas inteiramente absorvidas pelo Estado? Devem elas possuir direitos anteriores ao pacto? Esses direitos serão preservados? Assim, os princípios diretores do conceito de justiça na teoria de Rawls virão dados pela noção de que presidem a sociedade no momento de sua formação.20
Grife-se, ainda, que o contrato não é um mentalismo insólito de Rawls. O que há é que a posição original é capaz de facultar a simulação das condições ideais de igualdade para que, nesse momento, se possam escolher os princípios diretores da sociedade. Desde o momento do pacto, definidas as premissas de operação da sociedade, bastaria que o maquinismo social entrasse em funcionamento e executasse as regras que foram pactuadas. Seria, então, a priori da história formada a concepção de justiça que haveria de impregnar a construção e a atuação das instituições.

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