Eva Perón e o discurso para as mulheres trabalhadoras na construção do peronismo na Argentina
Por: gimarchetti • 1/12/2017 • Trabalho acadêmico • 2.901 Palavras (12 Páginas) • 414 Visualizações
Eva Perón e o discurso para as mulheres trabalhadoras na construção do peronismo na Argentina.
Introdução
Mais do que a primeira-dama do governo de seu marido, Juan Domingo Perón, Eva Perón, também conhecida como Evita, foi uma líder política ativa, figura pública e peça-chave na disseminação do peronismo na Argentina. Este trabalho busca analisar a importância dessa figura histórica para a política argentina do período, através da leitura de seus discursos, principalmente daqueles voltados para as mulheres trabalhadoras da época, e qual a relevância desses discursos e da imagem construída de Eva para a propagação das ideias do peronismo. Partimos, então, de uma contextualização do período pré-peronista, a partir da movimentação política na Argentina da década de 1930 até 1943, quando Perón surge com força no governo e na vida pública do país.
Os anos de 1930 na Argentina: a “década infame”.
A crise econômica mundial de 1929 traz consequências importantes também para a América Latina. A Argentina vinha de um grande crescimento econômico desde o fim do século XIX até a Primeira Guerra Mundial, no início do século XX, que trouxe uma crise que abalou o sistema no mundo todo e afetou, principalmente, os países da América Latina, além de ter tirado a hegemonia econômica do Ocidente das mãos da Grã-Bretanha, colocando os EUA em um patamar de potência mundial e não mais regional[1].
A Argentina era o principal exportador de produtos alimentícios e tinha seu desempenho econômico muito ligado ao aspecto externo, com importação de mão-de-obra e produção primária voltada principalmente para exportação[2]. Com a crise mundial, isso se tornou um problema, já que a reconstrução da Europa no pós-guerra impactou diretamente esse tipo de atividade econômica e a partir disso tornou-se necessário buscar novas alternativas para aquecer a economia do país.
Os problemas econômicos logo se refletem em problemas sociais. A insatisfação toma conta da população que se vê descontente com o atual governo no país, nesse momento nas mãos da UCR – União Cívica Radical, através da figura do presidente Hipólito Yrigoyen. A elite argentina, então, se aproveita da situação de instabilidade para voltar ao poder[3]. Os conservadores viram na fragilidade econômica, somada à insatisfação popular, uma oportunidade para destituir os radicais, que há algum tempo já não lhes agradava. Daí veio o Golpe de Estado, em 6 de setembro de 1930[4].
José Félix Uriburu foi o general à frente do Golpe, que naquele momento “representava um setor da elite que procurava avançar para um marco de orientação fascista-corporativista e nacionalista” (HAINES, 2008, p. 35). Os anos que se seguiram foram de uma postura autoritária por parte do governo golpista e de repressão social, como por exemplo com a proibição da UCR de participar do processo eleitoral seguinte à tomada de poder.[5]
Em meio a um desacordo entre os próprios Generais, Agustín Pedro Justo é eleito e deve cumprir seu mandato de 1932 a 1938. Em um governo de conciliação, o General forma uma aliança com conservadores, radicais, dissidentes da UCR e o Partido Socialista Independente, chamada de “La Concordancia”. Essa frente trouxe de volta à ordem do dia a corrupção oficial, perseguições e intimidações, além de reformas para reverter políticas feitas pelo governo anterior ao Golpe, e, inclusive, para que os radicais não conseguissem voltar ao poder no futuro[6].
Nesse momento, um modelo econômico alternativo começa a ser aplicado através da industrialização como substituto das importações, sob o mando do nacionalismo e proteção da economia interna. Com a construção de um parque industrial e também de um forte mercado interno, a indústria passou a ser o impulsionador de crescimento econômico e transformou a estrutura produtiva do país[7].
Essa estrutura se manteve durante toda a década de 30. Os radicais passaram a se integrar ao “sistema vigente”, enquanto o Partido Socialista foi se tornando, à medida que envelhecia, cada vez mais um grupo de classe média e que não passava de uma alternativa tão radical quanto a UCR[8]. No entanto, depois de anos sustentando essa estrutura corrupta, cresce cada vez mais o desencanto da sociedade com essa elite que está no poder.
Acusada de entregar a riqueza argentina para preservar seus próprios interesses econômicos, a partir da conservação de um regime liberal constitucional na sua estrutura, porém com uma degradação profunda na sua raiz, a elite passa a ser chamada de “vende-pátria” e começa a crescer um sentimento nacionalista na população argentina. Acrescenta-se a esse descontentamento uma crise de confiança nas instituições políticas e na sua legitimidade[9].
Surgimento e Ascenção do Peronismo
Com a Segunda Guerra Mundial e a posição de neutralidade da Argentina diante do evento mundial, a situação de instabilidade social se agrava ao “bater de frente” com a principal força econômica mundial, os Estados Unidos, perdendo, assim, diversas oportunidades econômicas de investimentos[10]. Abre-se, então, um espaço a ser ocupado no cenário político argentino.
Um novo golpe militar depõe o Presidente Ramon Castillo em 1943. A partir desse ano, a figura de Juan Perón surgia com força na política da Argentina, e desde então já se destacava como Ministro do Trabalho e da Previdência Social, atraindo apoio de sindicatos. Ele teve grande importância na intervenção das relações trabalhistas no período em que ocupou o cargo e como consequência trouxe os trabalhadores para o lado do Governo Militar[11].
A política econômica peronista era intervencionista, de promoção da industrialização, nacionalização de diversos setores da economia, com um foco claro na realização de políticas sociais que melhoraram substancialmente a condição de vida dos trabalhadores locais. No seu primeiro mandato, entre 1946 e 1949, firma acordos coletivos com os sindicatos assegurados por lei, como aumento de salários e ampliação de benefícios (férias remuneradas, licença por doença, sistema social de saúde e turismo)[12].
Todas essas negociações e concessões por parte de Perón tinham um custo, que era sua postura autoritária diante dos trabalhadores em troca desses benefícios sociais. Além disso, ainda se utilizava da perseguição política a opositores, assim como do discurso da ameaça comunista para a manutenção dessa ordem autoritária dentro da política nacional.
Ainda como ministro fez inimigos dentro do regime, e em 9 de outubro de 1945 é deposto de seu cargo no governo. No entanto volta dias depois, no 17 de outubro, depois de uma grande mobilização popular levada por líderes sindicais pedindo sua candidatura à presidência. Cada vez mais a classe operária reforçava e dava legitimidade a seu compromisso com Perón[13].
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