Lutero - A Reforma na temporalidade
Por: Pako55 • 23/2/2025 • Tese • 1.380 Palavras (6 Páginas) • 15 Visualizações
UNIVERSIDADE LUSÓFONA
CURSO
LUTERO 500 ANOS - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA REFORMA
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TRABALHO FINAL
A REFORMA NA TEMPORALIDADE
Paulo Jorge dos Reis Godinho
Junho 2020
A Reforma não surgiu ex nihilo, nem ab initio contra a Igreja Católica. De facto, ciente da veracidade do adágio ecclesia semper reformanda, vários tinham sido os movimentos de reforma intraeclesial antes de Lutero, desde alturas do designado ‘’Renascimento Carolíngio’’ ou mesmo da ‘’Reforma Gregoriana’’. Não desejando recuar demasiado, cremos que, a partir do momento em que despontam as Ordens Medicantes (Franciscanos e Dominicanos), com a inerente espiritualidade evangélica radical, iniciam-se novos tempos na vida da Igreja Católica, impossíveis de contornar ou erradicar[1].
Não resistimos, porém, a referir Bernardo de Claraval, monge cisterciense, muito mais que pregador das Cruzadas, e Hildegarda de Bingen. O primeiro, por procurar um cristianismo autêntico, enraizado na cultura, pois um cristianismo que não se repercute na vida não é digno de assim ser chamado.
‘’A regra cisterciense, que era a de S. Bento compreendida na sua literalidade, estabelecia que os monges não poderiam aceitar nem domínios nem benefícios nem servos nem dízimos e que viveriam do trabalho das terras incultas que lhes fossem entregues e que eles próprios deveriam cultivar. Para evitar a dispersão dos monges em pequenos priorados isolados em terras distantes, a ordem cria "granjas", zonas de exploração situadas a um dia de marcha da abadia: as terras eram trabalhadas por irmãos-conversos que, aos sábados, regressavam à comunidade’’[2].
A segunda, porque se torna conselheira de Papas, reis e do próprio Bernardo de Claraval, sendo-lhe permitido pregar no púlpito das igrejas[3]. Deixou uma obra de tal modo profícua que, ainda hoje, é citada em múltiplos ramos do saber, particularmente na Medicina.
‘’O ensinamento da santa monja beneditina coloca-se como uma guia para o Homo viator. A sua mensagem é extraordinariamente atual no mundo contemporâneo, de modo especial sensível ao conjunto dos valores propostos e vividos por ela. Pensamos, por exemplo, na capacidade carismática e especulativa de Hildegarda, que se apresenta como um incentivo vivaz à pesquisa teológica; na sua reflexão sobre o mistério de Cristo, considerado na sua beleza; no diálogo da Igreja e da teologia com a cultura, a ciência e a arte contemporânea; no ideal de vida consagrada, como possibilidade de realização humana, na valorização da liturgia, como celebração da vida; na ideia de reforma da Igreja, não como estéril mudança das estruturas, mas como conversão do coração; na sua sensibilidade pela natureza, cujas leis devem ser tuteladas e não violadas. Por isso a atribuição do título de Doutor da Igreja universal a Hildegarda de Bingen tem um grande significado para o mundo de hoje e uma extraordinária importância para as mulheres. Em Hildegarda resultam expressos os valores mais nobres da feminilidade: por isso também a presença da mulher na Igreja e na sociedade é iluminada pela sua figura, tanto na ótica da pesquisa científica como na da ação pastoral. A sua capacidade de falar a quantos estão distantes da fé e da Igreja fazem de Hildegarda uma testemunha credível da nova evangelização’’[4].
De facto, a reforma fervilhava já desde o século XI e foram esses séculos de incubação que possibilitaram o grande movimento da Reforma quinhentista[5].
Particularmente as Ordens Mendicantes criam, ou melhor, potenciam uma espiritualidade laical radicada na sequela da vita Christi, mais do que na observância de preceitos estéreis. Obviamente, estas ideias já se encontravam em movimentos considerados heréticos como os Cátaros, Albigenses e Valdenses, mas espalharam-se entre o povo cristão, levantando iguais suspeitas naqueles que a elas se dedicavam com maior afinco e visibilidade[6]. Foi o caso do movimento dos (as) beguinos (as) que, para escapar às malhas de uma possível queda na heresia, se associam paulatinamente às Ordens Terceiras das famílias mendicantes. Assim aconteceu com as comunidades das Galvoas e das pobres de Maria Fonseca em Évora que acabaram associadas à família dominicana. No entanto, elas são um sinal da vitalidade que a sequela Christi fazia despontar nas almas, antecipando em muito a devotio moderna[7].
Efetivamente, na cidade de Évora, ao longo do século XIV, chegaram a coexistir 40 comunidades de beguinas. É certo que se tratava de comunidades pequenas de 4 ou 5 elementos, mas é considerável a sua multiplicação, bem como a sua forma de vida pobre, orante e abnegada em serviço dos outros e da reforma da Igreja. Chegaram também a ser autorizadas a pregar no púlpito das igrejas eborenses, tal a sua autoridade moral[8].
Em jeito de conclusão deste apartado, gostamos de imaginar o século XIII como central neste preludio do espírito reformista, tanto católico quanto protestante. Foi dominado por cinco personagens: um papa, Inocêncio III; um rei, S. Luís de França; um doutor, S. Tomás de Aquino, e dois homens de hábito: S. Francisco de Assis e S. Domingos. E, obviamente, por centenas de homens e mulheres, mais ou menos conhecidos, que entendiam o cristianismo como uma contínua conversão e não como um dado adquirido.
Cremos, pois, ser esta a senda que conduz a Lutero. Claramente o facto de nos encontrarmos perante um mundo em transformação, de surgirem as urbes como as conhecemos, de o comércio se expandir consideravelmente, do início das Descobertas, do giro antropológico que coloca o Homem como ‘’medida de todas as coisas’’, resgatando os ideais greco-latinos, da existência de uma Cúria Romana perra, burocrática e sem visão prática da realidade e, finalmente, da afirmação e consolidação dos estados, contribuíram grandemente para que as ideias luteranas, inicialmente reformistas ad intra na esteira de muitos outros antes dele, sobrepassassem o círculo eclesiástico e se afirmassem como realidade autónoma, substituta de uma visão que durou 1500 anos, mas que se cristalizou hierarquicamente na cristandade medieval, coisificando-se.
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