ANÁLISE POÉTICA DO EU – FLORBELA ESPANCA
Por: Mayra92 • 1/11/2017 • Trabalho acadêmico • 1.025 Palavras (5 Páginas) • 4.314 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE
MAYRA BORGES
ANÁLISE POÉTICA DO EU – FLORBELA ESPANCA
Florbela Espanca surge como poeta em meio ao entusiasmo dos contrastes do Integralismo com a Renascença portuguesa, da monarquia com ares de republicana e do saudosismo como palavra de ordem. Seus Livro de Mágoa e Livro de Sóror Saudade, foram publicados em 1919 e 1923 respectivamente. No entanto a maior parte de sua obra foi publicada postumamente. A poetisa não participou da inovação literária modernista de Portugal, também esteve ausente do movimento Orpheu liderado por Fernando Pessoa e Sá Carneiro, revista publicada em 1915 que deu início a literatura modernista no seu país.
Florbela Espanca criou uma poesia de um lirismo deliberado, com nuances de semelhanças com a produção literária de poetas contemporâneos. Há na poética de Florbela um jogo de disfarces da alma, do eu, semelhante ao que ocorre com a expressão estética de Sá- Carneiro e Fernando Pessoa. No início do século XX em Portugal o estado de espírito dos poetas, de uma forma geral, destoava da realidade em torno. Predominava um sentimento de dúvida com relação a si mesmo ao mundo e não foi diferente com Florbela.
O lirismo amoroso transpassa boa parte da obra da poetisa. As inquietudes da alma feminina, a sensualidade e o panteísmo são algumas das características mais marcantes em seus poemas. Sua atenção é direcionada para a problemática feminina, a constante insatisfação e a busca pelo amor são temas que norteiam sua poesia. Tal busca põe o eu-lírico, reconhecidamente feminino, como alguém que peregrina a procura de amor, cuja pena é viver eternamente a procurar. E essa fixação em encontrar o objeto de desejo passa a ser um meio de justificar a própria existência.
Todos os versos do soneto Eu, pertence ao Livro de Mágoas que foi publicado em 1919, concorrem para compor a imagem de um eu predestinado ao aspecto pesaroso do viver quo o torna um prisioneiro de sua própria impotência. Neste poema vê-se uma mulher errante, que vagueia sem rumo pela vida, alguém que espera ser encontrada. É possível perceber a condição estática do eu-lírico, alguém que depende do Outro para existir.
O poema apresenta uma tensão relativa ao ser e o não ser, aparência e essência. Por mais que o título traga a ideia de auto-referenciação, ao longo do soneto percebe-se que na verdade trata-se de um Eu que necessita de um Outro para ser, e uma vez que esse Outro não esteja presente, o Eu torna-se vagante. Apesar das várias tentativas de auto-definição, evidenciadas pela repetição das palavras eu e sou, a conotação presente no código imagístico do soneto é negativa, reporta-se ao campo semântico do luto, da dor, da mágoa. E já na primeira estrofe a figura da desorientada, crucificada, intensifica a natureza melancólica da jornada a qual o eu-lírico se sujeita:
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Essa estrofe revela um eu-lírico à deriva, “não tem norte”. Envolto em melancolia, dá-nos de si uma visão autodepreciativa, resultando num sentido oculto, numa crítica do sujeito e do enleado da modernidade. Ante a natureza hostil da realidade vivida, transforma-se em nevoeiro, cujo destino lhe impele no precipício de infelicidade e morte:
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...
Logo após caracterizar-se através daquilo que não é “a que não tem norte” a “incompreendida”, o eu-lírico revela, nos dois tercetos finais, o real motivo de sua infelicidade: já que sua vida consiste em buscar o Outro, não encontrá-lo inviabiliza sua própria existência. Desse modo no desespero de corresponder às expectativas do amado ela incorpora os estereótipos da época, torna-se a passante baudelairiana; a princesinha indefesa chorosa e passiva, que busca colocar-se no lugar do objeto de desejo e, estática em sua incapacidade, apenas espera.
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