A Linguística é o estudo da língua(gem)
Por: juyann • 6/6/2015 • Projeto de pesquisa • 26.388 Palavras (106 Páginas) • 195 Visualizações
A Linguística é o estudo da língua(gem). Essa é uma definição ampla, que remonta a um passado bastante longínquo – a.C., já que compreender e conhecer a linguagem humana sempre esteve entre as reflexões daqueles que buscavam ou buscam entender os comportamentos humanos ou o próprio ser humano. Nessa época, no entanto, eram motivações práticas que levavam os seres humanos a investigarem e refletirem sobre a língua e seu uso. Uma compreensão sobre a linguagem e as línguas está presente até mesmo nos textos bíblicos, como é o caso da explicação da origem dos vários idiomas (texto do livro Genesis, sobre a Torre de Babel).
A Linguística, como é conhecida hoje, teve início no começo do século XX. Somente nessa época a reflexão sobre a linguagem conseguiu se impor como ciência, o que exigiu que organizasse seu método e apresentasse seu objeto de estudo. Segundo Orlandi (1999, p.9), “a Linguística definiu-se, com bastante sucesso entre as Ciências Humanas, como o estudo científico que visa descrever ou explicar a linguagem verbal humana”. O objeto de estudo da Linguística é, portanto, a linguagem verbal, oral ou escrita.
Nos livros de introdução à Linguística, é muito comum encontrar-se um capítulo ou pelo menos algumas páginas dedicadas à história da Linguística. Tais textos parecem ter sempre o objetivo de mostrar como se chegou aos estudos científicos do fenômeno da linguagem, separados do senso comum, por um lado, ou dos estudos filosóficos, por outro. Referir-se aos estudos no plural aqui é intencional, pois a ideia é conscientizá-lo de que na Linguística, tão bem quanto em outras ciências, não existem explicações entendidas como únicas e verdadeiras, mas são encontradas diversas e distintas explicações, no caso, para a linguagem humana, e diversas e distintas análises da língua. Esses estudos pertencem todos à mesma ciência, pois se dedicam ao mesmo fenômeno, a linguagem humana, e partilham algumas ideias comuns, que serão apresentadas a seguir. Distintas e diversas explicações são resultantes de perspectivas diferentes sobre as quais o fenômeno é analisado.
Um exemplo desses chamados livros de iniciação à Linguística é o do linguista John Lyons, autor conhecido e reconhecido na área. Em obra traduzida e publicada no Brasil em 1979, o autor dedica 38 páginas do primeiro capítulo para tratar desse assunto, apresentando perspectivas que antecedem o que ele denomina de “A Linguística moderna”. Os estudos da linguagem dos tempos antigos recebem, do autor, a denominação de “gramática tradicional”, ou seja, a gramática que foi objeto de especulações dos filósofos gregos do século V a.C. na busca de compreensão sobre o homem e o mundo em que viviam. Você encontra essa referência ao final deste texto. É uma leitura complementar que indico a você.
Muitos dos debates ou conceitos da Linguística moderna, bem como muitos termos ligados ao estudo da linguagem ou das línguas como são analisadas hoje, e que serão vistos ou usados aqui, encontram suas bases nessas discussões filosóficas. Exemplos dessas indagações são:
Há alguma relação natural entre o significado de uma palavra e a forma dessa mesma palavra?
Qual é a origem da língua / das línguas?
Existe regularidade nas línguas?
Todas as línguas terão palavras para os mesmos conceitos (mesmo que essas palavras não sejam as mesmas)?
A palavra “metáfora” é um exemplo de termo introduzido pelos filósofos gregos. Eles acreditavam que o “significado de uma palavra podia estender-se em virtude de alguma conexão natural entre o sentido original e a aplicação secundária” (como, por exemplo, em “boca”, “embocadura” (LYONS, 1979, p.5)). Outros exemplos de termos que vieram da gramática grega a.C. são as palavras “substantivo” e “adjetivo” (LYONS, 1979, p.11).
Ao se viajar pela história dos estudos da linguagem, chega-se a um período, três séculos antes de Cristo, quando começam a florescer as ideias que permanecem, ainda hoje, na base da formação da grande maioria dos estudantes do ensino fundamental e médio na disciplina de língua portuguesa: as ideias que resultam no chamado preconceito linguístico (tema abordado em outro conteúdo). É com essa visão de gramática tradicional do período alexandrino (século III a.C.) que a abordagem moderna de Linguística rompe.
Segundo LYONS (1979, p.9), a língua escrita sempre foi o foco de interesse dos antigos estudiosos da linguagem, que eliminavam as diferenças entre a língua oral e a língua escrita, tendendo sempre a favor da segunda (da língua escrita). Essa abordagem foi ainda mais reforçada pelos alexandrinos que, do interesse pelas grandes obras literárias clássicas, cultivaram ideias, hoje consideradas erradas, de que a língua escrita é superior à língua falada, e de que a evolução / mudanças operadas nas línguas podem deteriorá-las. Assim, pessoas com conhecimento da língua escrita manteriam a pureza das línguas, enquanto os ignorantes e iletrados tenderiam a corrompê-la. Lyons (1979, p.9) refere-se a essas ideias como “dois erros fatais de concepção”.
Os gramáticos romanos fundamentaram seus estudos e escritos nos gramáticos gregos, mantendo a abordagem errada de descrição Linguística que tomava a língua escrita dos considerados melhores escritores clássicos, como Cícero e Virgílio, como a correta e, em consequência, dedicaram-se à tarefa de descrever gramáticas com o objetivo principal de ensinar a arte de falar corretamente. Essa foi a visão de gramática e de estudo da linguagem que permaneceu durante a Idade Média, seguiu durante o século XVII e que ainda se vê em muitas gramáticas ditas atuais.
Essa “ideia tradicional da primazia da língua escrita” (LYONS, 1979, p.14) sobre a falada foi reforçada na Europa durante a Idade Média, com o surgimento de manuais de ensino do Latim escrito; na época, a língua da liturgia, das Escrituras, da diplomacia, da erudição e da cultura, continuando na Renascença e nos séculos seguintes.
Do que foi apresentado sobre a gramática tradicional, podemos destacar duas idéias muito importantes para as discussões que se seguem e para a sua formação, bem como de todos aqueles interessados em estudar a linguagem:
a ideia de que a língua escrita é superior e mais correta do que a língua falada;
a ideia de que as mudanças observadas são frutos de um processo de deterioração ou corrupção das línguas.
Essas duas afirmações trazem como consequência uma visão prescritiva de gramática.
Em outras palavras, apresentam uma abordagem de gramática como um conjunto de regras que deve ser obedecido pelos falantes para escreverem e, mais importante ainda, para falarem corretamente; um conjunto de regras construído com base em análises da língua escrita.
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