Artigo de Opinião Acerca das Possiblidades de Atuação do Professor nas Diferentes Realidades Escolares
Por: vitorstb • 12/10/2022 • Artigo • 13.244 Palavras (53 Páginas) • 138 Visualizações
Artigo de opinião acerca das possiblidades de
atuação do professor nas diferentes realidades escolares
É sabido que ao longo das eras o ser humano tem desenvolvido tecnologias e métodos com base em suas experiências, que tem a finalidade de tornar sua vida mais confortável e tornar o convívio em sociedade produtivo, porém nenhum desses feitos seria possível sem a capacidade que a humanidade desenvolveu de acumular e transferir conhecimento através do tempo. O acúmulo e a troca de conhecimentos permite ao homem evoluir não somente como indivíduo, mas como espécie, levando-os a se tornar a espécie dominante no planeta, uma vez que estes conhecimentos possibilitam um determinado grau de noção e domínio sobre a natureza e suas transformações. Ao passo que o acúmulo do conhecimento se desenvolve exponencialmente em diversas áreas, torna-se possível que um indivíduo possa escolher em qual área do conhecimento queira se especializar. Contudo, existe uma área do conhecimento de temática epistemológica que se manifesta em um papel social que está diretamente ligado a este fenômeno que faz com que o homem avance em sua jornada evolutiva através do tempo. Esta é alcunha do profissional da educação. Entretanto, apesar da humanidade se desenvolver como espécie podendo obter uma vida mais confortável e com menos adversidades, diversas problemáticas permeiam a espécie humana no quesito da homogeneidade com o qual este desenvolvimento é distribuído. Isto cria um cenário onde diversas facetas da sociedade surgem a partir destas problemáticas, e como a educação é um direito fundamental estabelecido pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais – (PIDESC) em 1966, uma vez que parte do mundo e da sociedade em que vivemos, não poderia estar alheia a estas diferentes caraterísticas que perpassam a sociedade. Assim, ao escolher a educação como profissão, o profissional que a escolheu irá de encontro a diferentes ambientes educacionais que se construirão a partir destes aspectos, devendo estar pronto para as adversas situações que estes ambientes o proporcionarão. No contexto nacional, a garantia da educação como direito fundamental implica que o Estado como instituição terá como dever oferecer educação gratuita à população, onde esta modalidade de educação se caracterizará como educação pública. Todavia, o processo de mercantilização da educação onde a educação é tratada como mercadoria e não como direito afetará a hegemonia da educação pública gratuita e fará com que outra modalidade de educação surja, caracterizada como educação particular ou privada, na qual aquele que opte por esta modalidade deverá arcar mensalmente com os custos da mesma. Este processo de polarização da educação nacional, uma vez que tenha possibilidades de acessibilidade diferentes baseadas na perspectiva financeira, dividirá também o público para qual serão destinadas estas modalidades. Em 2005, dirigido e roteirizado por João Jardim e produzido por Flávio R. Tambellini, o documentário “Pro Dia Nascer Feliz” fez uma entrevista com discentes e docentes de 8 escolas dentre os estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. O documentário tinha o intuito de apresentar diferentes realidades no contexto educacional nacional. O documentário mostra que apesar da educação nacional estar dividida em duas modalidades, ainda que em uma poderá apresentar diferentes contextos. Ao início o documentário aborda três escolas públicas de Pernambuco: Escola Maria Alzira de Oliveira Jorge e Escola Coronel Manoel de Souza Neto situadas no município de Manari e Escola Antônio Guilherme Dias de Lima no município de Inajá, sendo as duas primeiras municipais e a última estadual. As escolas de Manari apresentam situações precárias de manutenção de modo geral que vão de falta de saneamento básico até a falta de materiais de higiene. Ao apresentar as escolas o documentário traz um relato de um funcionário que discorre sobre a verba fornecida a Escola Coronel Manoel de Souza Neto que era equivalente a mil e duzentos reais não mensais (não se sabe se a verba seria semestral ou anual). Ainda que para valores de 2005, a verba destinada a escola era baixíssima (em torno de quatro salários mínimos da época). Já a Escola Antônio Guilherme Dias de Lima em Inajá, no documentário apresenta uma estrutura física relativamente melhor comparada às da cidade vizinha, onde os problemas relatados são mais direcionados a sobrecarga de turmas para com seus professores, uma vez que faltam profissionais de educação na cidade. Segundo o site Novaescola.com, entre os anos 2000 e 2007, o financiamento orçamentário da educação era distribuído entre as esferas na proporção de 40% da participação destinada aos municípios, 42% aos estados e 18% conferido a união, ou seja, um terço do financiamento é de responsabilidade do município. Entretanto vale também ressaltar que na mesma década na qual o documentário foi filmado, a cidade de Manari foi considerada o município mais pobre do Brasil. Dessa forma esta distribuição de verba faz com que o financiamento possa funcionar em municípios que tenham uma grande receita anual como capitais, entretanto deixa de abarcar cidades mais pobres uma vez que um terço do seu financiamento educacional será depositado nas costas do município. No documentário fica aparente que existe uma diferença entre as quantidades de investimento para com as escolas municipais e estaduais apresentadas, uma vez que as escolas municipais apresentam deficiências estruturais que ficam aparentes logo à primeira vista enquanto a escola estadual tem problemáticas que requerem uma análise administrativa, ou seja, a diferença na esfera de gestão, pode contribuir para heterogeneidade da educação, mesmo que dentro da modalidade pública. Como protagonista da Escola Estadual Guilherme Dias de Lima de Inajá, o diretor escolhe Valéria, uma aluna que se sente diferente da maioria dos colegas por cultivar o hábito da leitura de autores clássicos da literatura brasileira. Valéria também cultiva o hábito de escrever poesias e músicas e relata que em meio as avaliações ministradas pelos professores como a confecção de redações, é desmerecida pelos próprios professores que devido a qualidade da redação contestam sua autoria por achar que Valéria não seria capaz de produzir uma redação de alto nível. Durante o período de filmagens, Valéria malmente frequentou a escola uma vez que mora na cidade de Manari e estuda na cidade vizinha de Inajá, onde a prefeitura concede um ônibus escolar, porém durante este período o ônibus apresentou defeitos e Valéria só pode frequentar as aulas por 3 dias. Valéria também conta que tem o sonho de trabalhar com relações internacionais e turismo ou algo relacionado a área pois gostava de trabalhar diretamente com o público. Em uma pesquisa mais afundo descobrimos que Valéria hoje é formada em Comunicação Social – Jornalismo, segundo o site Escavador.com e trabalha na direção de um filme que conta a história de sua cidade natal. O documentário traz também uma interseção da realidade das escolas públicas do Rio de Janeiro, ao apresentar o Colégio Estadual Guadalajara e o Colégio Santo Inácio os dois situados no município de Duque de Caxias na Baixada Fluminense. Nesta parte do documentário são mostradas não somente as dificuldades diretamente administrativas atreladas aos colégios públicos tais quais a falta de investimento significativo e as sobrecargas e desvios de funções para com professores, como também é apresentada uma relação de influência que o meio tem sobre um discente e o impacto que educação pode ter sobre o futuro deste discente. Como protagonista do Colégio Estadual Guadalajara, o documentário conta a história de Deivison Douglas de 16 anos. Aluno da oitava série, Deivison apresenta-se um aluno extrovertido e bem humorado que tem alguns problemas por conta disso em uma situação onde utiliza-se de humor inapropriado para se referir a uma professora. O aluno conta que no bairro onde vive, existe a atuação de facções, tráfico de drogas e outras atividades criminosas, e apesar de relatar ter contato com esse tipo de atividade, afirma que não se deixa influenciar por estas. A professora Edlane do Núcleo de Cultura da Escola opina sobre o comportamento de Deivison ser afetado mesmo que indiretamente pelo ambiente em que ele vive, e que caso ele não seja acompanhado existe uma grande possibilidade de Deivison seguir por este caminho. A adolescência é um período de transição importante e conflituoso na formação de um indivíduo, mudanças hormonais, interações com outros adolescentes e o surgimento de responsabilidades são algumas das pressões que acometerão os pensamentos da maioria dos jovens em formação. Ao se deparar com a vinda da independência e responsabilidade da vida adulta, muitos jovens buscam possibilidades de se autoafirmar como seres humanos. Isso pode acarretar em um anseio do adolescente de mostrar-se independente ou em uma posição de destaque e prestígio para com seu meio, muitas vezes exercendo alguma atividade que possa lhe propiciar este prestígio. Não é novo como a má distribuição de renda, falta de acesso a oportunidades e sucateamento do ensino público, vem garantindo espaço para que jovens em formação, principalmente de comunidades onde as atividades de facções costumam se manifestar, busquem esta autoafirmação através do envolvimento com estas atividades criminais, pois dentro deste meio social, isto configura poder e prestígio, como conta Deivison em seu relato para o documentário. Deivison na época fazia parte da banda do núcleo cultural da escola. A professora Edlane, também afirma que a participação de Deivison na banda teve um impacto positivo no seu desenvolvimento. Deivison conta que tem “medo” de sair da banda, e que gosta da sensação que fazer parte da banda lhe traz com relação a suas interações sociais, Deivison também conta que sonha em ser um militar de patente alta. Esta relação mostra uma importante ferramenta de integração de jovens que são acometidos por um ambiente com adversidades e influências negativas em suas vidas. Núcleos culturais como o núcleo do Colégio Estadual Guadalajara, mostram alternativas positivas de autoafirmação para adolescentes que passam por esse período, onde o desenvolvimento desta autoafirmação não levará o jovem a um caminho prejudicial ao seu futuro ou como em muitos casos a sua morte prematura. Entretanto apesar da sua importância, não são suficientes para transformar definitivamente a realidade destas comunidades uma vez que isto requereria uma reformulação completa das políticas públicas e investimento intenso em métodos que causem transformação social eficaz e não perpetuem sistemas de gestão pública falíveis como os que, nós brasileiros, presenciamos diariamente. No colégio Santa Cruz no estado de São Paulo, um colégio da modalidade particular, acompanha-se a história de alunos pertencentes a elite econômica de São Paulo. Em comparação com os outros colégios apresentados no documentário, o Colégio Santa Cruz apresenta estrutura física bem desenvolvida e um ambiente aparentemente estável. Como protagonista da instituição, Jardim escolheu Ciça, uma estudante do primeiro ano. A entrevista ocorre com Ciça e um grupo de amigas e os temas tocados passam pelas diferenças entre as classes sociais que se manifestam na sociedade e as cobranças que recaem sobre alunos da denominada “elite” a qual pertencem. As opiniões variam de aluna para aluna a respeito das diferentes classes sociais e o quanto a alienação ao problema se manifesta na forma de bolhas sociais. Enquanto Ciça argumenta que intervir nestes fatores iria demandar um esforço que iria interferir negativamente na vida dela, Mariana afirma que esta é a denominada bolha que acomete o senso crítico dos jovens de classe economicamente dominante. Ciça também relata que a cobrança com relação aos seus resultados é de origem pessoal, ou seja, ela se sente pressionada a cumprir um bom resultado processual com relação aos seus objetivos, mesmo que seus pais sejam aparentemente permissivos quanto as vontades da jovem em relação à escolha de seu futuro. Ciça também participa das olimpíadas de física e pretendia cursar engenharia na época. Ao analisar o documentário de Jardim, podemos observar alguns exemplos de como os desdobramentos sociais, culturais, históricos e econômicos se manifestam na educação. Fica claro também que, além das duas modalidades que surgem a partir da garantia da educação como direito básico e o processo de mercantilização da educação, os aspectos humanos também contribuem para a heterogeneização da educação no sentido de que cada pessoa que contribui para sua construção deixará ali uma marca advinda da sua interpretação do que é melhor para este objetivo. Ou seja, um objetivo comum pode carregar um caráter intersubjetivo, tanto no corpo docente quanto no corpo discente. Para Veiga (2003), o processo de construção de projeto político pedagógico deve levar em conta o caráter emancipatório do objetivo da instituição e para isso deve abarcar a pluralidade do ambiente educacional quando surge a necessidade de construí-lo e por isso deve ser feito em conjunto com toda comunidade que constitui seu meio, visando uma perspectiva completa na sua criação. Entretanto, apesar de borbulhar em diversidade, as diferentes realidades do contexto educacional podem apresentar alguns conceitos corriqueiros, ou seja, aspectos e discursos comuns que podem possuir um caráter tanto útil quanto prejudicial à prática do ensino e cabe ao profissional identificar estes padrões e discernir o que agregará positivamente ou não a sua metodologia. Os conceitos comuns de caráter prejudicial muitas vezes se manifestam como discursos controversos que se perpetuam pela própria atuação do profissional da educação quando feita de forma acrítica e alheia das transformações que a metodologia sofre ao longo dos anos. O tempo também constitui uma variável para que a educação se transforme e consequentemente sua metodologia entre em defasagem, e uma vez que o profissional de educação preze pela sua qualidade de ensino deve estar atento a não se deixar levar pela estagnação que a reprodução mecânica da profissão pode trazer consigo. Para Aquino (1998), quando desconstrói a origem do problema relacionado a falta de credibilidade que paira sobre a educação nacional quando se fala sobre a sua funcionalidade, discorre sobre um destes conceitos de caráter corriqueiro que acometem a forma de pensar de muitos profissionais da área de educação, que ao assumir esse discurso como forma de se pôr aparte da origem do problema educacional, transferem a culpa de seus resultados para fatores alheios a si em sua concepção, onde uma tendência é culpar tanto os discentes e sua postura para com o ambiente educacional, quanto a educação familiar que lhe foi dada. Muitas vezes associando isto a transformação da sociedade com relação ao tempo. Desta forma, se apegam à um sentimento de nostalgia, convictos de que a educação em suas épocas era mais produtiva devido à uma espécie de “respeito” comum a época. Entretanto, é contraintuitivo e muitas vezes leviano pensar que neste ambiente o corpo docente estaria de alguma forma alheio ao discente, uma vez que tem relações diretas entre si na construção do conhecimento. Além disso, é preciso lembrar que a educação só foi estabelecida como direito fundamental inerente ao ser humano em 1965, desde então a sua implementação ao redor do globo ocorreu vagarosamente ao mesmo passo que o processo de democratização da educação, que mesmo que nos dias atuais não tenha atingido seu estado ideal, ainda possui o caráter democrático seguido mais à risca do que a educação no contexto histórico da época que os saudosistas tomam como modelo ideal de educação. Para formar-se como profissional da educação, é necessário que o educador passe por um processo de compreensão de diversas perspectivas que discutem os mecanismos sociais para que tenha noção do trato educacional que irá emergir a partir destes traços atrelados a sociedade, por isso quando Aquino (1998) discute o “aluno-problema” e o associa ao “fantasma” do fracasso escolar ,em relação a origem da problemática, é importante saber que o “aluno-problema” não surge como fator causal do problema, mas como um dos obstáculos a se enfrentar, dentro da perspectiva dos educadores que tomam o discurso para si. No documentário de Jardim, na escola pública Guilherme Dias de Lima da cidade de Inajá, é feita uma entrevista com a Profª Denise. Denise no trecho demonstrado que filma parte da sua aula, levanta questionamentos de caráter reflexivo a seus alunos para que meditem sobre sua própria realidade e sobre a possibilidade de transformação da mesma. Sua aula apresenta um caráter aparentemente ligado a filosofia freiriana sobre a educação como agente emancipatório e seus reflexos como agente transformador social. Isto indica que Denise tem uma perspectiva crítica ao analisar a sua realidade e de seus alunos, entretanto, ao ser entrevistada Denise demonstra estar sobrecarregada com a falta de profissionais em dias recorrentes tendo que suprir a falta de profissionais e ministrar aulas em mais de uma sala simultaneamente. Só a partir daí passa a transferir a responsabilidade do fracasso escolar local ao interesse dos alunos, afirmando que esta falta de interesse gera um sentimento de exaustão e descaso para com os professores ao relatar que “a pouca aula que tem, eles (alunos) não querem”. Este discurso além de não se sustentar por si só e ser apenas um recurso de alienação da culpa para com os resultados, não só impede que o professor faça uma análise crítica de si próprio, como também antagoniza as relações aluno-professor contribuindo para a instabilidade do ambiente escolar. A rede de educação pública nacional há muito sofre com o descaso para com suas unidades. Uma vez que estas são instituições sem fins lucrativos, seus subsídios são estritamente governamentais, onde a fiscalização dos repasses financeiros destinadas as mesmas, acontece de forma parcialmente questionável e muitas vezes não leva em conta aspectos fundamentais do funcionamento escolar. Isto soma-se à diversos outros fatores de instabilização como a superlotação das unidades que sobrecarregam as redes de ensino, além da desvalorização do profissional de educação da rede pública como profissão. Segundo o relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação (PNE), professores da rede pública de educação ganham em média 25% a menos do que profissionais assalariados de outras áreas. É importante ressaltar que professores como Denise, que escolhem atuar na modalidade pública estão submetidos a um ambiente com muitos fatores que contribuem para sua instabilidade e consequentemente seu mal funcionamento. O descaso recorrente com professores não é uma novidade no contexto educacional brasileiro e acomete não somente professores da rede pública, mas também da rede particular, ser educador não se caracteriza como uma tarefa fácil. Além do desgaste emocional comum de qualquer profissão, o professor brasileiro deverá lidar com estas características as quais a sua classe profissional está submetida. Muitas vezes este desgaste pode fazer com que o professor questione suas próprias motivações e acabe reproduzindo um destes discursos facilitadores de justificativas que o isentem da culpa pela tão falada “falta de interesse” de seus discentes para qual alerta Aquino (1998). Entretanto, existem alguns outros aspectos que serão comuns ao meio que apesar de a primeira vista parecerem obstáculos para a construção do ensino em sala de aula, com a ótica certa e um pouco de esforço podem se tornar ferramentas úteis para tornar o aprendizado mais atraente e prazeroso para os discentes porém sem perder sua eficácia, muito pelo contrário, caso o professor como ministrador do conhecimento estabeleça esta relação com sucesso poderá subverter a eficácia de seu método em eficiência. Ao passo que a infância é um período de descobrimento que conversa com a relação da criança com o primeiro contato com o mundo ao redor, a adolescência carrega consigo uma premissa mais existencialista, pois o indivíduo passa não só a descobrir mais a fundo as interações sociais com outros indivíduos, mas também a refletir sobre o seu lugar no mundo e sobre o próprio mundo em si. Isto pode se manifestar de diferentes formas a depender da personalidade de cada um, mas em geral o indivíduo passa a perceber o peso de suas ações em suas relações, julgar e ser julgado pelo seu meio de convívio estabelecendo consigo uma formação da moralidade e começa a levar em conta alguns mecanismos sociais. Seres humanos são seres não somente físicos, mas também psicológicos, emocionais e proeminentemente sociais, ou seja, a aprovação ou não do seu meio social pode impactar diretamente suas ações e seu sentido percepção sobre si. Na adolescência isso se torna mais contundente no desenvolvimento do indivíduo e um ambiente comumente favorável ao despertar destes aspectos é o ambiente escolar. Não é nada difícil, ao imaginarmos um intervalo de colégio, ou uma porta de escola ao fim das aulas quase que instantaneamente escutarmos o som de conversas altas, gargalhadas, segredos sendo contados, provocações com outros colegas e outras coisas comuns a esse meio. É um ambiente que exala uma energia muito característica da juventude. Neste ambiente também é comum a todos que chegaram a frequentar um ambiente escolar a ideia de popularidade, onde um indivíduo tem um determinado carisma que agrega a suas interações sociais, o faz ser conhecido e muitas vezes ser tema de conversas de outros colegas. Isso contribui fortemente para o a percepção do jovem que está lidando com todas estas questões existenciais, e sente uma necessidade de também se sentir aprovado socialmente pelo seu grupo, alguns de forma mais introspectiva, outros mais extrovertidos, mas todos participantes dessa troca de interações que pode culminar numa necessidade de ser notado e reconhecido não só para os outros, mas também para si próprio. Esta energia que emerge deste conjunto de fatores que torna a adolescência um período conflituoso é um aspecto comum que surgirá no ambiente educacional e pode tornar desafiador o trabalho do professor de ensino médio que irá de encontro a um conjunto de indivíduos que está passando por este período e sofre influência não só de seus próprios ciclos hormonais comuns de tal período como também do meio social em que vive, contudo energia clama por movimento e movimento por conseguinte uma direção, seria possível direcionar esta energia ao objetivo principal destinado ao aluno, o aprendizado? A resposta é sim, toda energia quando canalizada pode vir a servir a algum propósito e este é um dos aspectos mais fundamentais da evolução humana, como ao se apropriar do manuseio do fogo, da eletricidade e outras formas de energias latentes da natureza. Echelli (2008), traz o significado etimológico da palavra motivo e o relaciona a citação de Campos (1987), “Em consequência, motivar significa provocar movimento, atividade no indivíduo”. Desta forma é possível motivar um aluno e provocar seu movimento para um objetivo em comum na relação docente e discente, o aprendizado. Entretanto é preciso saber como esta motivação pode se manifestar. Brophy (1993) caracteriza a motivação bifurcando-se entre dois modus operandi. Como uma motivação de traço geral do indivíduo que o leva a realização de atividades relacionadas de forma duradoura, muitas vezes atreladas ao próprio gosto pessoal do indivíduo, chamada por Echelli de “intrínseca” devido a sua origem provir de uma reflexão interna. Também existe a motivação de estado situacional que não necessariamente envolve um gosto pela atividade a qual se realiza, mas o efeito que realiza-la produz. Neste sentido a realização destas atividades está relacionada ao cumprimento da tarefa devido a um fator externo que o conduz a agir. O estado situacional tem um efeito menos duradouro com relação a motivação, pois o indivíduo não se engaja na atividade recorrente por interesse pessoal, mas apenas para cumprir o objetivo que lhe foi dado. No ambiente escolar muitas vezes este estado situacional está associado a ações coercitivas da instituição, como por exemplo a ameaça de reprovação. Skinner (psicólogo behaviorista) afirma que o comportamento do indivíduo pode ser influenciado pelo meio com relações de gratificações ou privações de recompensa, e acredita que estas relações se desenvolvem no trato social da mesma forma. Portanto, a gratificação ou a privação tende a conduzir à um comportamento ou evitar o mesmo dependendo do resultado obtido através dele. A partir daí desenvolve a relação do impacto do reforço do comportamento. Para Skinner, o reforço pode atuar de duas formas: positivamente e negativamente. O reforço positivo irá gerar um estímulo ou uma situação benéfica ao indivíduo e irá aumentar a probabilidade daquele comportamento se repetir, entretanto sem necessariamente causar-lhe prejuízo. Já o reforçamento negativo é um estímulo que aumenta a probabilidade de um comportamento se repetir, porém com um estímulo não agradável ao indivíduo, fazendo com que o comportamento seja da ordem de fazer com que aquele estímulo negativo pare de acontecer, logo caso se repita o estímulo, o comportamento para evita-lo seria repetido. Contudo, esta é uma análise simplificada, para abordar a teoria behaviorista de modo mais completo seria necessário reconhecer que um modelo que dê conta da análise comportamental e que tenha intuito de prever aspectos do comportamento humano deve requerer uma complexidade maior, uma vez que os pormenores das relações humanas podem variar por uma miríade de fatores emocionais, pátrios, regionais, linguísticos, culturais e etc. Um exemplo disto é que o conceito do reforçamento de Skinner pode variar com relação ao caráter positivo ou negativo, uma vez que uma caraterística considerada negativa poderia ser considerada positiva dependo da perspectiva de cada indivíduo. Entretanto, a perspectiva de tratar a recompensa como motivador extrínseco pode ser útil, contanto que seja sabiamente adaptada para o contexto do indivíduo e ressignificada para que não gere uma mentalidade cobiçosa para qual alerta Echelli, que advém do reconhecimento do próprio indivíduo de que a recompensa ou reforçamento positivo, sejam seus objetivos principais, pois como citado, uma motivação advinda de um fator externo (motivação extrínseca) não tem um efeito duradouro e consequentemente menos proveitoso para o aprendizado e uma vez que o discente estará em aprendizado por um longo período, por exemplo, caso queira seguir carreira acadêmica, além dos oito anos escolares consecutivos irá enfrentar possivelmente quatro ou cinco anos de graduação, fora o mestrado e o doutorado, isto desconsiderando o fato de que a jornada de aprendizado não acaba na conquista do diploma de doutorado, mas terá um caráter vitalício se o indivíduo vencer a própria autoconfiança exagerada que pode emergir da conquista de títulos significativos, caso não leve a humildade do aprendizado para sempre. Uma das ferramentas que Echelli aborda é a utilização do elogio como reforçador positivo para uma atitude do indivíduo que poderá levar a uma forte motivação pessoal, porém é necessário que o elogio seja feito de forma a fazer com que o indivíduo perceba que o resultado obtido está para além de somente o resultado, mas para também com o seu processo, ressaltando dois fatores que verdadeiramente são imprescindíveis para o sucesso pessoal, o reconhecimento da capacidade própria e o esforço. Ao utilizar o elogio como ferramenta de motivação deve ser ressaltada a capacidade do indivíduo e o esforço despendido no processo para que este se reconheça como indivíduo verdadeiramente capaz, assim desenvolvendo uma certa confiança a respeito de suas próprias habilidades em que esta confiança será adquirida exponencialmente a cada tarefa realizada e bem sucedida para o indivíduo garantindo que ele leve esta autoconfiança para projetos futuros relacionados ou não a aquele assunto. Um discurso comum no ambiente escolar que muitas vezes se confunde como agente motivador, é a diminuição da impressão do grau de dificuldade que determinado assunto emite, no intuito de que o indivíduo se sinta mais confortável para que possa trabalhar com o assunto. Entretanto, ao utilizar-se deste discurso, este recurso trava um conflito conceitual para com seu objetivo, pois à medida que se convida o indivíduo a conhecer o assunto reduzindo a impressão de seu grau de dificuldade reduz-se também a expectativa sobre a capacidade de aprendizado do aluno a qual se convida, perpetuando em sua mente que a sua capacidade limita-se a trabalhar com conteúdos fáceis. A matemática é uma das ferramentas mais complexas utilizadas para a compreensão da mecânica do universo a nossa volta e mesmo assim é assunto recorrente e fundamental da educação básica, onde ainda sim insiste-se em descrever este assunto como sendo “fácil”. Porém, é preciso reconhecer que muitas vezes o intuito de utilizar-se deste discurso é amenizar a pressão social que se cria ao redor das ciências exatas e consequentemente uma impressão negativa quase que preconceituosa para com a ciência dos números e do cálculo, portanto muito embora este seja um dos discursos que são reproduzidos com uma boa intenção, podem vir a ser prejudiciais ao utilizá-los sem realizar a reflexão sobre o impacto que este recurso pode ter. Ao analisarmos o documentário de Jardim, em relação aos três protagonistas escolhidos por ele citados neste artigo: Valéria, Deivison e Ciça, é possível perceber que todos eles apresentam conflitos internos que advém tanto de fatores externos quanto de fatores internos, entretanto todos também apresentam uma atividade que lhes garante um sentido de realização para si próprios, caracterizando-se como uma motivação pessoal que os leva a realização destas atividades mesmo que para realiza-las possam enfrentar uma certa dificuldade ou obstáculo. Campos (1987), descreve motivo como “uma condição interna, relativamente duradoura, que leva o indivíduo ou que o predispõe a persistir num comportamento orientado para um objetivo, possibilitando a satisfação do que era visado”. Valéria, além de se sentir deslocada com relação aos seus colegas por apresentar interesses incomuns para os jovens de seu meio social como a leitura, também enfrenta a subestimação de seus professores por julgarem-na incapaz de realizar uma produção textual daquela qualidade. Porém apesar das pressões externas e adversidades que encontra ao demonstrar seu interesse particular e se sobressair nele, Valéria não sente sua vontade de escrever poesias ou compor músicas diminuir perante a estes obstáculos e pretende se formar como algo que possa ter contato direto com o público. Deivison, apresenta uma personalidade extrovertida e gosta de fazer piadas (muito embora algumas de caráter inapropriado). Este comportamento pôde ser percebido negativamente, fazendo com que pudesse se prejudicar com relação ao seu rendimento escolar e apesar de não se preocupar necessariamente com a quantidade conteúdo aprendido durante seu ano letivo, no momento em que isto ameaça a sua permanência na banda do núcleo cultural, Deivison assume a responsabilidade de mudança de postura, além de quando questionado sobre seus planos para o futuro apresentar interesse em seguir carreira militar visando uma alta patente. Ciça, quando questionada sobre os impactos que o ano letivo teve sobre si, revela que enfrenta conflitos emocionais quando fala sobre uma necessidade grande de autocobrança que recai sobre seus ombros não somente por fatores pessoais mas também por questões sociais, onde pertencer a elite estudantil economicamente dominante de São Paulo e fazer parte do grupo de melhores alunos faz com que ela se sinta pressionada a cumprir não somente suas expectativas pessoais mas também as expectativas depositadas sobre ela devido ao fato de pertencer a este grupo privilegiado. Ciça revela também que participa das olimpíadas de física e que ao se formar no ensino médio pretende cursar engenharia. Ao analisar os três casos de situações conflituosas no ambiente escolar abordadas no documentário de Jardim, podemos perceber que dentre os três, o único caso em que houve um diálogo das relações de manuseio das motivações como ferramenta de direcionamento ao aprendizado foi no caso de Deivison, onde as figuras de autoridade do colégio propuseram sua saída da banda, caso sua postura e desempenho escolar não melhorassem. Ainda sim, utilizar a saída de Deivison da banda como reforço negativo, ou seja uma motivação exterior a si de caráter não benéfico, poderia causar um direcionamento não produtivo caso fosse feita de maneira não-ressignificada, ou seja sem explicar a Deivison o real motivo da necessidade da sua mudança de postura, e não somente associá-la a um efeito negativo sobre sua vida, desta forma cessar a Deivison uma de suas atividades no qual buscava uma realização com um fim em si, poderia leva-lo a buscar esta autoafirmação através de outras saídas imediatistas, o deixando a mercê do deslumbramento que o prestígio de pertencer a uma facção poderia lhe trazer. No caso de Valéria, esta relação docente-discente foi ainda menos motivadora uma vez que as habilidades de Valéria para com a escrita, não foram sequer reconhecidas, muito pelo contrário, reproduz o discurso de subestimação do aluno ao concluírem que suas habilidades não poderiam chegar ao nível avaliado. Ciça, por outro lado, pertence a outra realidade do contexto educacional, portanto seus conflitos pessoais poderão variar, uma vez que aqui falamos percebemos a diferença de classes sociais. Ao pertencer a elite econômica da cidade de São Paulo, Ciça tem suas necessidades básicas cumpridas, logo seus conflitos surgirão para necessidades menos atribuídas a fatores urgentes, como a precariedade de fatores como moradia, alimentação, transporte e outros fatores fundamentais. Seus conflitos estarão mais associados a pressão relacionada ao “valor do dinheiro” e o custeio de uma educação cara, que compele àqueles que a recorrem uma expectativa muito grande quanto ao retorno, ou seja, os resultados daqueles que a recebem. Apesar de pertencer a uma classe social privilegiada, Ciça também equivalentemente precisaria de um redirecionamento para que pudesse melhorar sua relação consigo mesma, pois os efeitos da autocobrança exagerada poderiam vir a repercutir mais seriamente quando enfrentasse as adversidades da vida adulta. Percebemos, na análise comparativa dos três casos que, muitas vezes existe um abismo entre a energia conflituosa normal ao período que os educandos enfrentam para com as táticas de direcionamento efetivo do aprendizado as quais devem ser atribuídas aos professores. Como percebemos ao analisarmos o caso da professora Denise, mesmo que tenhamos uma postura crítica sobre a realidade que anseie pela transformação social e busque o balanço entre as injustiças e emancipação de nossos discentes, o profissional da educação poderá ser acometido pelo cansaço e o desgaste proporcionado pelos fatores obstantes, porém apesar da necessidade de serem reconhecidas as instabilidades e adversidades da profissão como ambientes precários ou a própria indisciplina, é preciso que o profissional da educação não se aliene quanto aos resultados do seu trabalho transferindo a causa da falha de sua metodologia a fatores externos a si e a causa do seu sucesso somente a si. Na década de 70, na universidade de Harvard (EUA), o psicólogo e pesquisador Howard Gardner, fez sua pós-graduação e apresentou interesse pelo processo de aprendizagem. Gardner pesquisou e estudou descobertas na área de psicologia e epistemologia de Jean Piaget, e em 1980 ele e sua equipe de investigadores propuseram a teoria a respeito da cognição humana intitulada de “teoria das inteligências múltiplas”. A filosofia de sua teoria rompia com a vigente concepção de que a inteligência se cristalizava de forma unificada de forma a ser quantificada em um quociente popularmente conhecido como “QI”, e propunha que na verdade se manifestava em diferentes ramificações atreladas a afinidade do indivíduo com determinada área do conhecimento. Ao total Gardner acreditava que existiam 7 tipos de “inteligência”: lógica, linguística, espacial, motora, musical, intrapessoal e interpessoal. Lembrando que este conjunto de habilidades não necessariamente seria estático, mas passível de mudança, descrevendo uma relação não de predeterminação do potencial, mas da afinidade natural do indivíduo. Esta proposição teve dificuldades de ser aceita pela comunidade de psicologia da época devido a contra-argumentar o aspecto quantitativo da inteligência e analisa-la pelo aspecto qualitativo, o que por sua vez, chamou a atenção da comunidade pedagógica por trazer uma perspectiva mais otimista e complexa por considerarem o quociente de inteligência uma afirmação reducionista a respeito do potencial humano. Atualmente, pela falta de seu caráter quantitativo a teoria de Gardner é considerada como não validada, mas ainda assim apresenta uma abordagem útil para com a categorização e o enfoque do desenvolvimento de habilidades que consideramos atrativas ou especialmente relevantes no sentido didático-pedagógico. Como já citado, a profissão do educador tem matrizes epistemológicas e sociais, e terá como objetivo o a construção do aprendizado e a transferência do conhecimento de um ser humano para outro. Logo, o indivíduo que escolha atuar na área deverá desenvolver habilidades em dois tratos: o trato específico e o trato geral. O trato específico se consolidará na capacidade do educador de aprimorar suas habilidades e ampliar seu conhecimento referente a área da educação que ele escolheu ministrar, ou seja será necessário se especializar e ter o domínio do conhecimento da matéria que escolheu para si. O aspirante a educador terá livre escolha de decidir em qual área do conhecimento quer lecionar, contanto que domine o conteúdo de forma contundente. Já o trato geral, requer a especialização do educador no ato de ensinar, clamando para si o conhecimento voltado não necessariamente para a matéria que escolheu, mas para a compreensão do caráter humano e na fluência da linguagem pedagógica e epistemológica. Portanto, o trato específico da escolha da profissão terá um caráter de preferência pessoal do indivíduo, podendo pautar sua decisão pela área no quesito da afinidade ou não, ficando livre para aprofundar-se na especificidade que julga atrativo ou importante para si. Porém o trato geral será de cunho obrigatório para todo profissional que estabeleça para si o compromisso e a responsabilidade de lecionar, e sabendo que o processo da construção do conhecimento deverá possuir um caráter humanizado entre o professor e o aluno, podemos tomar como base a teoria de Gardner para refinar nosso conhecimento em duas potencias de habilidades chaves: a inteligência intrapessoal e a inteligência interpessoal. Portanto, a proposta para atuação do docente nos diferentes contextos educacionais aqui será pautada nas habilidades básicas gerais necessárias ao profissional da educação, utilizando-se dos conceitos de Gardner para o aspecto organizacional do enfoque a ser desenvolvido, as ferramentas de administração da motivação que discute Echelli (2008) e a análise crítica dos discursos comuns a profissão de Aquino (1998).
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