Resenha Crítica sobre o Livro A Santa Joana dos Matadouros
Por: inivsucram • 4/7/2015 • Trabalho acadêmico • 1.646 Palavras (7 Páginas) • 906 Visualizações
Em meio à turbulência do entreguerras, o alemão Bertolt Brecht (1898-1956) escreve A Santa Joana dos Matadouros (1929-1931). Obra ambientada nos matadouros de Chicago, Santa Joana segue o aprendizado político da operária Joana Dark frente as maquinações patronais da indústria de carne enlatada. O capitalismo, cujo ciclo de prosperidade, superprodução, desemprego, quebras e nova concentração do capital, determina as estações do entrecho, comprovando que mais do que possuidor de crises, este sistema mostra-se como sendo a própria crise.
Começamos o livro sendo apresentados ao magnata das carnes Pedro Paulo Bocarra, que com sua ganância em busca de maiores lucros, causa a quebra das grandes indústria de carne. Enquanto 70 mil trabalhadores de seu concorrente se manifestam por melhores condições de salário e emprego, os jornaleiros trazem a notícia de que esta mesma indústria acaba de fechar:
Ai de nós!
O próprio inferno
Nos fecha as suas portas!
Estamos perdidos.
O sanguinário Bocarra
Aperta a garganta de nosso explorador
E quem sufoca somos nós! (Brecht, 2001, p. 25)
Assim como aponta Hobsbawn (1994), em relação ao contexto desta época entreguerras: “A imagem predominante na época era a das filas de sopa, de “Marchas da Fome” saindo de comunidades industriais sem fumaça nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e convergindo para as capitais das cidades, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis”.
É nesse contexto que temos os Boinas Pretas, organização intitulada pela membra Joana Dark como “os soldados de Deus”, marchando contra o crime e a miséria, distribuindo sopas e as palavras do céu. Joana vive o florescer de uma crença baseada na fé e na ingenuidade, cujo trabalho piedoso de seu grupo ela assume com personalidade, logo entrando em choque com um sistema de vida menos piedoso que visa aproveitar-se das pessoas e delas tirar o maior proveito possível, sem a menor preocupação com uma retribuição justa. Joana procura Bocarra, a fim de conhecer o causador de tamanha miséria. Bocarra a escuta, mas não recua, apontando a maldade dos pobres como causadora de sua própria desgraça. Ele dá dinheiro a Joana, mas pede que seu corretor, Slift, a leve aos matadouros para que ela veja a maldade com seus próprios olhos.
De fato, nesta passagem vemos os oprimidos tomando o lugar dos opressores em nome do trabalho. Vemos Gloomb, um operário que perdeu seus dedos nas lâminas da máquina de fresa em decorrência da aceleração do trabalho. Slift percebe sua intenção de vingança ao contramestre que comandava a aceleração no momento do acidente e desmotiva-o a continuar com seus planos, oferecendo-lhe o cargo do próprio contramestre, de maneira que sua única exigência seja que o funcionário procure outra pessoa para seu antigo cargo, agora conhecido pelo baixo nível de segurança. O funcionário acidentado não pensa duas vezes e oferece seu antigo emprego a Joana, exaltando sua facilidade e segurança, mesmo que há poucos minutos tenha falado exatamente o contrário. Em outra passagem, vemos a esposa que sem notícias do marido há 4 dias - morto ao cair em uma das caldeiras da fábrica - desiste de sua busca quando Slift a oferece 3 semanas de almoço grátis.
É certo que as demonstrações causam desconforto em Joana, porém, de maneira firme, Joana retorna levando os pobres à bolsa de carnes, questionando o falso determinismo de Bocarra e os outros: “Mas eu lhes pergunto: como podem os pobres ter moral, se eles não têm nada? (...) A força moral precisa de força aquisitiva, e basta aumentar a força aquisitiva para aparecer a força moral” (Brecht, 2001, p. 74). Bocarra ao se sensibilizar com a presença dos pobres, passa mal e compra a produção de carne enlatada disponível no mercado. Joana, que agora busca a solução para o problema dos criadores, força Bocarra a comprar o gado disponível, fazendo assim a satisfação dos que compram gado e dos que os vendem, visando é claro, a garantia de trabalho para os funcionários dos matadouros.
O fato é que isso gera uma grande crise, já que os vendedores de carne enlatada não têm de quem comprar o gado, sendo Bocarra o único detentor da carne disponível no mercado e podendo vendê-la a qualquer preço. Este entrecho mostra-se de grande relevância para uma melhor compreensão do mercado no sistema capitalista, já que sua ação causa grande revolta entre os trabalhadores dos matadouros. Na seguinte passagem, vemos Snyder, tenente dos Boinas Pretas, advertindo os industriais:
Eles vão acabar lhes tirando as fábricas e dizendo: vamos fazer como os bolcheviques e tomar as fábricas em nossas mãos para que todos tenham trabalho e comida. Pois hoje é voz corrente que a desgraça não é natural como a chuva e que ela é organizada por uns poucos que tiram proveito dela. Bem entendido, a intenção dos Boinas Pretas é dizer aos pobres que a desgraça é inevitável sim senhor, como a chuva, que ninguém explica de onde vem, e que o sofrimento é o destino deles, pelo qual mais adiante serão recompensados. (Brecht, 2001, p. 97)
A contradição neste sistema faz-se presente nitidamente no confronto de interesses entre os próprios Boinas Pretas, sendo retratada na personagem de Snyder, que joga com os magnatas da carne, negociando a palavra que acalenta os ânimos revolucionários dos operários, e Joana, que por acreditar no bem comum, ataca Slift e os industriais da carne:
Eu me mato de correr entre uns e outros, convencida de que ajudando em cima ajudava também os que estão por baixo, como se houvesse uma espécie de unidade e todos remassem no mesmo barco, mas fui uma grandíssima tonta. Para ajudar os que são pobres, parece que só mesmo contra vocês. (Brecht, 2001, p. 101)
Após essa passagem, vemos Joana sendo expulsa dos Boinas Pretas, já que sua posição radicalmente combatente não faz jus ao posicionamento omisso do restante dos membros.
Entretanto, é Bocarra que nos mostra o quanto o capitalismo e a religião mostram-se atrelados. No decorrer da bolsa de valores, o valor do gado de Bocarra sobe tanto que sua venda torna-se impraticável, derrubando os Industriais e todo o comércio de carnes. A redenção de Bocarra dá-se através dos Boinas Pretas, na qual estes advogariam em sua causa, espalhando entre os pobres sobre sua bondade. Prontamente Snyder aceita a proposta e assim Bocarra compra metade das ações dos matadouros, levantando novamente o mercado de compra e venda de carnes.
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