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A Interlocução com o Direito a Luz das Práticas Psicológicas em Varas de Família

Por:   •  6/9/2018  •  Resenha  •  11.074 Palavras (45 Páginas)  •  1.052 Visualizações

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BRANDÃO, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito a luz das práticas psicológicas em Varas de Família. IN GONÇALVES, Hebe Signorini e BRANDÃO, Eduardo Ponte (org.). Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2008. (pg 73-90).

A transposição do Direito português para a Colônia tinha o inconveniente de não corresponder à realidade social brasileira, na medida em que se aplicava apenas ao casamento dos que eram católicos. (p.53)

A proclamação da República define um momento crucial de desvinculação da Igreja com o Estado.

Com o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a definição de família como sendo a união legalmente constituída pela via do casamento civil.

No Código de 1916, o modelo jurídico da família está fundamentado numa concepção de origem romano-cristã.

Por sua vez, a mulher casada é considerada relativamente incapaz, em oposição à situação jurídica da mulher solteira maior de idade. (p.54)

Somente na falta ou impedimento do pai que caberia à mãe a função de exercer o pátrio poder (artigo 380), ao qual os filhos estariam submetidos até a maioridade (artigo 379).

No que tange à separação do casal, o Código de 1916 prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido por desquite, preservando assim a indissolubilidade do matrimônio. (p.54-55)

Com o desquite, delega-se ao inocente no processo de separação o direito de ter os filhos consigo.

Caso ambos sejam considerados culpados, a mãe fica com as filhas menores e com os filhos até os seis anos.

Na definição dos direitos e deveres do marido e da mulher, pode-se confirmar a valor ação diferenciada dos papéis sociais. (p.56)

Se o Código Civil de 1916 já normatizava em capítulo especial as relações familiares, é, por sua vez, na década de 30, no momento de criação de um projeto político nacionalista e autoritário, que se desenha uma proposta clara sobre a função social da família.

Pode-se vislumbrar nessas regulamentações a preocupação do legislador em reforçar os padrões de moralidade já previstos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a valorização do casamento legal e monogâmico, o incentivo ao trabalho masculino e à dedicação da mulher ao lar, o temor higienista dos cruzamentos consanguíneos e do uso da sexualidade feminina e, em suma, a defesa da harmonia e dos costumes na família (Alves e Barsted, 1987)-: No período seguinte, de 1946 a -1964, caracterizado politicamente como democrático, destacam-se1 a lei de reconhecimento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da mulher casada” de 1962, que outorga capacidade jurídica plena à mulher. (p.57)

Se o modelo jurídico de família, nuclear, com laços extensos, patriarcal, fundada na assimetria sexual e geracional permanece inalterado do período autoritário ao democrático, as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de família da doutrina jurídica. (p.58)

A restrição a um divórcio teve como intuito aplacar a oposição da Igreja Católica, cujo receio de que o divórcio aniquilaria a família brasileira evidentemente jamais se confirmou. (p.60-61)

Em outras palavras, o cuidado' em relação aos filhos é visto naturalmente como sendo responsabilidade da mulher, independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem moral. A mulher portanto só perde a guarda dos filhos caso se conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso, vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à aferição do juiz. Para agravar a situação, o privilégio da maternidade acaba gerando certas dificuldades para o exercício da paternidade ou, simplesmente, afastando o homem da esfera de influência sobre os filhos. No Brasil, há até os dias de hoje uma inclinação em nossos tribunais de atribuir a guarda à mãe [...]. (p.62)

A reivindicação no judiciário dos homens — em situação de igualdade com a mulher - pela guarda dos filhos coloca em pauta eis distinções construídas sócio-historicamente, que por sua vez, como vimos, são naturalizadas pelo Direito de família.

É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e familiares fazem surgir novos problemas, de modo que se torna cada vez mais necessário o atendimento de equipes interdisciplinares junto às Varas de Família. (p.63)

Reafirmando tal perspectiva, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente serem criados e educados no seio da família; (art. 19) e estabelece os deveres dos pais em relação aos filhos menores, “cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (art.122). (p.65)

Numa pesquisa junto às Varas de Família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a autora constata que habitualmente a guarda atribuída a um dos pais contribui para o afastamento do genitor descontínuo - termo usado por Françoise Dolto — das decisões que visam à educação c ao cuidado dos filhos (Brito, 1993, 1996).

Sem desconsiderar a importância para a proteção da criança, o critério de interesse da criança é de avaliação subjetiva, sujeita às mais diversas interpretações, cuja aferição apoia-se frequentemente numa situação de fato e não de direito. (p.66)

Entretanto, tal objetivo revela-se inadequado em face das circunstâncias que envolvem a maioria das disputas de guarda e regulamentação de visitas, marcadas muitas vezes por acusações mútuas entre as partes litigantes. Não basta definir critérios norteadores para a. indicação do genitor que reúne melhores condições, de guarda. (p.67)

Em primeiro lugar, cabe interrogar se existem instrumentos de avaliação que objetivamente possam medir a capacidade de um genitor ser melhor do que outro. A arbitrariedade do entendimento sobre b que é ser bom ou mau genitor, isolado do contexto em que o conflito se apresenta, pode resultar em definições estereotipadas que dificilmente recobrem a pluralidade das relações intrafamiliares. (p.68-69)

Muitos pais terminam por acreditar que, por serem visitantes, devem se manter à distância dos filhos, pois consideram que a Justiça dá plenos poderes ao detentor da guarda. Sentindo- se impotentes com o papel de coadjuvantes, há pais que esbarram nas decisões, unilaterais das ex-mulheres a respeito da vida dos filhos, assim como há mães que se sentem sobrecarregadas física, financeira e psicologicamente com o ex-marido que mal visita as crianças. (p.69)

Ora, nota-se frequentemente que a perpetuação do embate familiar, via poder judiciário, 6 um modo de dar continuidade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da perda do objeto amado, ou é simplesmente um meio de manter o vínculo com o ex-companheiro. (p.70)

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