Em defesa da famila tentacular
Por: Rosangela Machado • 18/3/2017 • Trabalho acadêmico • 1.771 Palavras (8 Páginas) • 496 Visualizações
1 EM DEFESA DA FAMÍLIA TENTACULAR
Queixas acerca de famílias com algum tipo de “desestruturação”, de acordo com o padrão sociocultural de família tentacular, pois acredita-se que a família é “melhor” quando atende a este padrão. Existe um discurso institucional que responsabiliza o quadro de degradação social em que vivemos pela dissolução das famílias.
De acordo com KEHL, M. R. (2011). a elite se utiliza da mídia para disseminar este discurso enfatizando a relação entre a dissolução da família e vários problemas sociais, principalmente os que envolvem pessoas jovens. Como se a família tivesse poder para praticar a manutenção da moral e da ordem nacional. Como se não existisse uma degradação dos espaços públicos, principalmente das classes mais baixas. E, acima de tudo, como se as famílias nucleares “normais”, que predominaram entre os séculos XIX e XX, não tivessem sido o grande laboratório das neuroses, como a psicanálise conhece.
Ouve-se muito na mídia que a família não é mais a mesma. Esse discurso indica que atualmente buscamos atender a um modelo idealizado de família que foi criado para favorecer a burguesia de dois séculos atrás. A primeira transformação desse modelo foi com o começo do processo de desconstrução da hierarquia patriarcal das famílias, a partir da segunda metade do século XX, pois a emancipação financeira das mulheres tornou o divórcio algo mais viável. Essa independência também resulta numa maior quantidade de relacionamentos conjugais não legalizados, pois diminuiu o medo em se arriscar em relações amorosas. Mas além da independência financeira, a liberdade sexual também é necessária neste processo, porque o tabu da virgindade sustentou por muito tempo o casamento monogâmico, principalmente por causa da falta de acesso aos (e/ou existência dos) métodos contraceptivos.
Conforme KAUFMANN, Pvivemos então num cenário de maior mobilidade das configurações familiares, numa sociedade regida por leis de mercado que priorizam a venda de bem estar e prazer imediato, reconhecendo apenas amor e realização sexual como fundamentos de relação conjugal. Entretanto a mobilidade proporcionada por essa mudança moral causa também desamparo e mal estar, pois a família já não é mais uma estrutura sólida e passou a ser algo mutável, regido por uma lei falha, que é o afeto humano. Estamos em dívida com a família tradicional oitocentista,pois a sociedade contemporânea já não permite mais que as pessoas se sustentem em cima de grandes renúncias e infelicidade. Nos esquecemos que família era aquela que se manteve durante curto período como célula mãe da sociedade.
Segundo D’INCAO, M. A. (1989)., a sociedade burguesa surgiu da privatização dela mesma, na esteira da necessidade de civilizar ou afrancesar nossa sociedade escravocrata, mestiça e luso-tropical. A família nuclear burguesa se excluía do convívio das ruas para garantir a preservação dos privilégios de classe. Estariam então formados os padrões que as classes mais baixas tentavam imitar.
Mas a lógica que sustentava essa hierarquia perdeu as bases de sua sustentação com a abertura do mercado para a contratação de mulheres, diminuindo a dependência das mulheres aos seus maridos, que sustentava o casamento patriarcal burguês. Os meios de comunicação acabaram com o isolamento dessas famílias, aumentando seu poder de disseminação de valores. Mas o golpe final na estabilidade conjugal foi a democratização dos métodos anticoncepcionais. Ao desvincular a sexualidade feminina da procriação, as mulheres passaram incluíram a satisfação sexual em seus critérios de escolha de cônjuges. Isso fez com que os conservadores e nostálgicos da ordem patriarcal atribuíssem a este novo “poder das mães” a culpa pela desarticulação da ordem familiar oitocentista.
Segundo Roudinesco, E. (2003), hoje as mulheres que valorizavam o sacrifício e dedicação total aos filhos teriam adquirido o poder de não engravidar infinitamente durante a puberdade e a menopausa. Os homens também poderiam procriar de vários leitos, coabitando em famílias com mais de um núcleo. Já não é mais possível esconder a base erótica dos laços conjugais, o que os torna mais instáveis. Os filhos não são mais objetivos, mas consequências. E foi então que, com essas uniões e desuniões, passaram a surgir as famílias que Maria Rita Kehl teria apelidado de tentaculares.
No século XX a família estava então “de privatizada”, mas não porque o espaço público voltou a ser tão relevante para a vida social quanto era no século XVIII, mas porque o núcleo familiar foi implodido e criou uma grande confusão nas árvores genealógicas. A família tentacular traz em seu desenho irregular manchas de sonhos não realizados e objetivos não alcançados. Pois cada filho de um casal separado é a memória viva do momento em que o casal apostou num futuro o mais próximo possível do padrão oitocentista. Enquanto este ideal não for superado, impedirá a família de legitimar suas experiências misturadas, engraçadas e esquisitas.
2 A FAMÍLIA E A CRISE ÉTICA CONTEMPORÂNEA
A transformação da família ocidental, causadora de sofrimento e desamparo, tem sido apontada como responsável pela crise ética cultural burguesa, principalmente acerca do comportamento das crianças e adolescentes. Segundo Roudinesco, E. (2003), a família que está em desordem é a nuclear contemporânea, herdeira da família vitoriana.
Entretanto, o passado idealizado da formação familiar tradicional representa um abrigo diante do desamparo que enfrentamos atualmente. A família que foi duramente criticada nos anos 1960 com a onda de amor livre e liberdade sexual e do emergir dos movimentos sociais que envolvem questões de sexualidade e gênero, hoje é reivindicada pelos próprios grupos sociais marginalizados que a criticavam. Isso vai desde a exigência pelo reconhecimento legal de casais poligâmicos até a necessidade de adoção de crianças por casais homossexuais, para constituírem uma família “normal”. A família mudou, mas continua buscando o mesmo ideal.
Hoje em dia a família nuclear é mais idealizada do que nunca, criando uma dívida impagável sobre os membros das famílias desviadas desde modelo. A indústria cultural se alimenta dessas idealizações a partir da romantização exacerbada da família nuclear. Isso envolve tanto simples comerciais de margarina genéricos quanto as toneladas de filmes produzidos em massa que idealizam a vida perfeita do casal perfeito que forma uma família perfeita.
3 AS FUNÇÕES FAMILIARES INSUBSTITUÍVEIS
A demanda por direitos constitucionais de casais homossexuais revela a procura pela reprodução dos papéis familiares tradicionais, mas não mais necessariamente, desempenhados pelas pessoas que correspondiam antigamente a essa função. Alguém tem que suprir a necessidade da função paterna e amorosamente da função materna. A família estruturará edipicamente o sujeito. O desejo que constitui a criança é o “desejo do outro” para se tornar um ser de linguagem.
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