Ensaio Anne Frank e Motivação
Por: Mariana Gil • 24/3/2020 • Ensaio • 3.970 Palavras (16 Páginas) • 223 Visualizações
Anne Frank foi uma garota nascida em Frankfurt, Alemanha, no dia 12 de Junho de 1929. De família judia, devido à ascensão do nazismo, Anne teve de se mudar com os pais e a irmã mais velha para a Holanda em 1933. Ali viveu pelo resto de sua vida.
Como a perseguição aos judeus piorava com o passar dos anos, Anne e sua família foram viver num esconderijo, uma espécie de sótão acima do escritório onde o pai de Anne trabalhava anteriormente, e lá permaneceram escondidos com a ajuda de alguns poucos amigos que mantinham a família e os outros que estavam no esconderijo alimentados e informados o máximo possível. Esse período de esconderijo durou de 1942 a 1944, e foi nesse tempo que a garota, apenas uma adolescente, fez com que seu nome fosse lembrado e conhecido por grande parte do mundo. Anne escreveu um diário, um diário em que ela escrevia cartas para uma amiga imaginária chamada Kitty. Ainda que em plena Segunda Guerra Mundial, seu diário não fala apenas do sofrimento vivido por uma judia. Fala do sofrimento vivido por uma garota que está em período de desenvolvimento, de conhecimento do mundo, com todas as suas frustrações, angústias, amores, pensamentos, e do sofrimento também do resto do grupo, que foi obrigado a conviver durante dois anos num espaço muito pequeno e relacionando-se apenas entre si, sem a presença de outros além dos três amigos cristãos que os ajudavam periodicamente.
Em Agosto de 1944, a polícia alemã (Gestapo) descobriu o esconderijo onde viviam a família de Anne, a família Van-Daan e o dentista Dussel. O que se sabe depois disso é que toda a família de Anne foi levada para os campos de concentração de judeus. Foram separados, sendo que apenas Anne e sua irmã Margot permaneceram juntas. Em 1945, ambas morreram de tifo. O pai das garotas, Otto Frank, conseguiu sair vivo ao fim da guerra e publicou o diário da filha mais nova para que o mundo pudesse conhecer essa história maravilhosa e comovente.
O que me fez escrever sobre essa garota espetacular foi o meu amor nutrido por sua história, que começou a 3 anos atrás. Estimulada por um professor, li “O Diário de Anne Frank”. Em seguida, li “O outro lado do diário de Anne Frank”, escrito por Miep Gies, uma das ajudantes da família de Anne no esconderijo. Não satisfeita, li “O menino que amava Anne Frank”, um livro de Ellen Feldman. E, por fim, li “Anne Frank – A história do diário que comoveu o mundo”, escrito por Francine Prose. Assisti aos filmes adaptados de seu diário. Enfim, me apaixonei pelo talento que uma menina adolescente possuía para escrever, para divertir, para refletir, para viver.
Mas o que procuro discutir aqui são os fatores que relacionam Anne Frank e a motivação, de acordo com os escritos de Coffer no livro “Motivação e Emoção” (1972). O que deu força a oito judeus para permanecerem escondidos por dois anos? Além disso, há uma questão de isolamento sensorial e isolamento social envolvida, de acordo com alguns trechos do diário de Anne Frank que serão apresentados mais tarde. No que isso poderia motivar o comportamento daquelas pessoas, e principalmente o comportamento da própria Anne?
O Conflito
A sobrevivência parece ser algo que motiva qualquer ser humano. Todas as pessoas conhecem ou já ouviram falar de, no mínimo, algum caso em que a luta pela sobrevivência fez com que os seres humanos agissem de modo incomum. Desse modo, podemos acreditar que isso é um motivo muito conhecido por todos nós. Diante da possibilidade da morte ou de uma situação altamente aversiva em que se pode morrer ou não, como os judeus ameaçados de serem levados para o campo de concentração, o homem pode se comportar de uma maneira que não seja muito racional. Qualquer um de nós pode se imaginar numa situação assim e perceber que as medidas tomadas não seriam as mais racionais possíveis.
No caso da família de Anne Frank, a atitude de se mudar para um esconderijo e lá ficar por quanto tempo fosse preciso até a guerra acabar foi muito pensada pelo pai de Anne, Otto Frank. Ainda assim, devemos concordar que essa atitude só foi tomada pela necessidade, ou seja, o que motivou Otto a levar toda a família para viver em um sótão foi a ameaça constante que pairava sobre eles, já que ninguém tomaria uma atitude dessas se não houvesse nenhum motivo para isso.
“Quando, há uns dias, andávamos a passear, o pai disse-me que decerto teríamos de nos esconder. Disse que nos iria custar muito viver isolados do mundo. Perguntei porque é que falava assim. -Bem sabes - disse ele - que há mais de um ano estamos a levar o vestuário, a mobília e os comestíveis para a casa de outras pessoas. Não queremos deixar cair o que é nosso nas unhas dos alemães. E ainda menos queremos, nós próprios, cair-lhes nas mãos. Por isso não vamos esperar até que nos venham buscar.”
Anne Frank, 5 de Julho de 1942 (três dias antes de se mudarem para o sótão)
Otto sabia que, uma vez que levasse suas filhas, mulher e mais alguns amigos para o sótão do escritório, as coisas não seriam fáceis. No entanto, em vista da sobrevivência, isso não parecia um problema tão grande. Assim, a família continuou morando ali por dois anos.
“Como os nossos fornecedores foram apanhados por causa dos cartões "negros" do racionamento e outras coisas no gênero, já não temos cartões e, portanto, nenhumas gorduras. A Miep e o Koophuis estão doentes, a Elli não pode sair para fazer as compras e, por consequência, a nossa disposição é desconsoladora e a comida também. (...) Acabaram-se as batatas fritas ao pequeno almoço (para substituir o pão). Agora comemos papinhas. A sra. van Daan tem medo de que morramos de fome e, felizmente, conseguiu arranjar um bocadinho de leite "negro". O nosso almoço: feijão de conserva de barrica! (...)Todo o quarto cheira a uma mistura de ameixas podres, desinfetante e ovos podres. Brrr! Só de pensar que tenho de comer aquilo, já fico enjoada. Ainda por cima as nossas batatas têm uma doença esquisita e de cada balde metade é atirada para o lixo. (...) Podes crer que não é fácil viver-se "mergulhado" no quarto ano de guerra. Quem nos dera que esta miséria acabasse!”
Anne Frank, 19 de Março de 1944
Segundo Coffer (1972), quando em uma pessoa há dois ou mais incentivos simultâneos, portanto duas ou mais tendências de resposta ao mesmo tempo, há o conflito. Pode-se dizer que o conflito presente em cada um dos moradores do Anexo Secreto, nome que Anne deu ao sótão onde vivam escondidos, foi o conflito de evitação-evitação, um dos tipos básicos identificados por Lewin (1931) e Miller (1944). Nesse tipo de conflito, tem-se que escolher entre duas alternativas igualmente indesejáveis. Lewin (1931) diz que na maioria das vezes as pessoas escapam da situação na tentativa de resolvê-lo. Mas, se não é possível escapar, como no caso dos moradores do Anexo, a situação pode resultar em desconforto e tensão.
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