História da Loucura e do Isolamento Social do Anormal
Por: Rafaela Arenari • 1/4/2020 • Trabalho acadêmico • 1.632 Palavras (7 Páginas) • 208 Visualizações
História da Loucura e do Isolamento Social do Anormal
A loucura nem sempre foi vista como oposto da razão, como sinônimo de perigo, que teria como saída a exclusão e medicalização para a proteção de si mesma e da sociedade. Apesar de ser um fenômeno global, cada cultura tem produzido sentidos diferentes a loucura. Se tratando especificamente da maneira de se lidar com a loucura ocidental, é mister ressaltar seu processo de construção histórica, apontando as diferenças na maneira como era vista durante os séculos.
Na Grécia antiga, berço da civilização ocidental, segundo Pelbart (1989 apud Silveira, 2009) a loucura era exaltada pela sua direta relação com o divino. Os loucos eram considerados os mestres da verdade. Sócrates, por exemplo, via a loucura como uma fonte de maiores bens, enxergando assim o entrelaçamento da loucura com o divino. Da mesma maneira, Platão, considerava a legitimidade da loucura, os delírios como uma arte divina, como profecias que carregavam o desejo dos deuses.
Ainda na Grécia Antiga, houve um pensamento mais cético cuja emergência se deu com Hipócrates, considerado o pai da medicina. Este rejeitava a explicação mitológica, ligada ao divino. Então, segundo ele, a loucura era uma mania, um desarranjo de humor. Mas mesmo assim, não era de maneira alguma tirada a legitimidade da pessoa louca e nem evocada sua exclusão. Ela - a loucura - habitava entre os homens, o portador não é desqualificado e nem sua palavra (PELBART, 1989 apud SILVEIRA, 2009).
Na Idade Média, a experiência da loucura é diretamente ligada à religião cristã. Ela deixa de ser vista como o encontro com o divino e passa a ser concebida como uma possessão demoníaca. Silveira (2009) destaca que durante esse período era comum a submissão dos loucos à rituais de exorcismos. Esses rituais poderiam ser simples, envolvendo água benta e a leitura da Bíblia para afastar o demônio, como também em casos mais graves, os ditos loucos poderiam sofrer flagelações e serem vítimas de violência e acorrentamentos.
Porém, nesse período mesmo sendo vista como maligna, a loucura não era excluída do convívio social, por se tratar da manifestação da vontade do Deus judaico-cristão. Durante a Idade Média, o que era retirado do convívio, entendido como o mau encarnado, era a Lepra. Os leprosos que não poderiam ter contato com os demais e deveriam ser retirados aos leprosários (SILVEIRA, 2009).
Com a emergência do período do Renascimento na Europa, uma nova ótica de enxergar o louco também começa a surgir, uma visão purificadora. Nasce a prática da Nau dos loucos, navios que tinham os loucos como tripulação. Numa lógica de purificação do espaço urbano, como também uma purificação dos próprios loucos, que se tornavam prisioneiros de sua própria partida.
Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. Isto é o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem (...). (FOUCAULT, 2005, p. 16)
Com a lógica da razão instaurada no século XVII, coma contribuição do pensamento de Descartes, que contrapõe o racional do irracional, a loucura deixa de ser como algo pertencente a um outro mundo e começa a ser entendida como o oposto da razão, como a própria desrazão. Assim, pela primeira vez a loucura é silenciada e começa a ser aprisionada. Tudo aquilo que se desviava do domínio da razão era banido (FOUCAULT, 2005, apud SILVEIRA, 2009).
Ainda nesse século, marcado pelo poder absoluto dos monarcas, uma nova prática guiada pela lógica de que o trabalho é o que dignifica o homem, surge como um instrumento de controle social, que Foucault (2005) chama de “A grande internação”. Todas as pessoas que eram incapazes de trabalhar ou de uma integração social eram retiradas do convívio social e levadas ao asilo nos hospitais gerais, na busca do combate à inutilidade social.
Esses hospitais gerais, não eram, de forma alguma, locais para cura de doenças, mas sim um verdadeiro depósito de tudo aquilo que não era bem visto na sociedade da época. Eram os antigos leprosários da Idade Média que agora eram lar de toda sorte de desocupados, loucos, pobres, prostitutas, vagabundos, criminosos, para que nesse espaço eles trabalhassem, já que o trabalho, visto como moralizador e terapêutico, era sagrado dentro dessas instituições (FOUCAULT, 2005 apud SILVEIRA, 2009).
Com a influência dos ideais da Revolução Francesa, surge uma figura que consolida a loucura como sendo doença mental, Pinel, o primeiro clínico da loucura. A loucura passa a ser, então, meticulosamente estudada como objeto de intervenção médica e, assim, passível de classificação e dominação.
Silveira (2009) destaca que num cenário no qual o Ocidente está marcado pelas revoluções, a prática da grande internação, que culminou como símbolo do antigo regime, começa a ser questionada e, gradativamente, desaparecia da Europa e os pobres e vagabundos são libertados de seu asilo. Mas, isso não acontece com agora de denominada doença mental, ela continuava sendo aprisionada, com a justificativa do hospital e a prática de isolamento se configurarem como cura para a “doente mental”.
Assim, a desrazão da loucura vai de encontro com a razão que é encarnada pela figura do médico. Assim, dá-se início ao reinado dos hospitais psiquiátricos, marcado pelas práticas disciplinares que buscavam uma normalização através da normatização, confinamento, negativação e violência da loucura em nome de um tratamento. Os manicômios viram assim um lócus de cura (SILVEIRA, 2009).
Desta forma, surge a Psiquiatria, no século XIX como primeira especialidade médica. Segundo Foucault (2006), o poder que a medicina ganha, então, dentro da instituição hospitalar, é graças a seu saber. Saber que reafirma a condição de loucura como doença e que vai superar o que o próprio indivíduo louco sabe de si próprio. É ele que é o instrumento de conversão da disciplina em ato terapêutico. A disciplina será de suma importância no ambiente hospitalar, pois é ela que vai se apossar dessa instituição como seu suporte e os espaços delimitados como seu campo de expressão.
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