Nunca lhe prometi um jardim de rosas
Por: Keli Carvalho • 12/5/2019 • Resenha • 3.263 Palavras (14 Páginas) • 441 Visualizações
- Fatores desencadeantes e causa do adoecer psíquico
O livro “Nunca lhe prometi um jardim de rosas” narra a história de Deborah Blau uma adolescente que após um processo de alucinações intensas e progressivas alienações mentais, culminando na tentativa de cortar os pulsos, é levada para um hospital psiquiátrico pelos seus pais, Jacob e Esther Blau, que após muita relutância decidiram interná-la. Deborah já havia algum tempo demonstrando um comportamento fora do comum, porém sua família buscava justificativa pelo seu Q.I. elevado. Levaram-na ao médico o qual identificou estar desenvolvendo um sofrimento mental, diagnosticado como psicose esquizofrênica, indicando tratamento num hospital psiquiátrico. Esther já havia notado a tempos que havia algo errado com a filha, mas só naquele momento teve certeza.
O adoecer psíquico de Deborah não aconteceu de uma hora para outra. Aos cinco anos de idade, foi diagnosticada com tumor no aparelho urinário e teve que ser submetida a duas cirurgias. Todo o processo foi acompanhado de muito sofrimento e medo por conta do tratamento impessoal por parte da equipe médica, em que ela pensava mentir ao realizar os procedimentos necessários (na sua genitália), dizendo que “seria apenas uma picadinha, não iria doer, era apenas para curar a florzinha dela ” e pelos exames dolorosos e invasivos. Essa experiencia foi cheia de significação, sendo compreendida por Deborah como uma possível violência sexual, fazendo-a sentir-se suja, o próprio ‘tumor’, uma flor partida, pois “penetraram sem a menor consideração” no intuito de consertar sua “bonequinha”, caracterizando assim para ela uma situação traumática. Foi neste período que Deborah teve um sonho, um vaso com uma flor vermelha partida, surgindo então seu primeiro delírio, trazendo com ele aflição e ansiedade de que algo poderia vir a acontecer, mas sem saber exatamente o que era, mas cria que este sonho possuía um significado especial, sinistro, destinado unicamente a ela.
Uma pessoa não nasce psicótica, ela torna-se com as circunstancias que ela passa ao longo da vida e o significado que dá a elas.
Outros fatores contribuíram para o desenvolvimento de seu adoecer psíquico, até mesmo sua família contribuiu para isso. Deborah relata algumas passagens de sua vida que foram de extrema importância para ela, e os sintomas que ela apresentava derivavam desses momentos, lembranças e sensações que permaneceram durante toda a vida e estavam armazenados em seu inconsciente. As cobranças e imposições de seu avô para que Deborah enfrentasse todos, porque ele acreditava ser superior e tinha orgulho de ser judeu, não permitindo assim que os sentimentos dela fossem expressados. O sentimento de abandono ainda quando bebê, quando sua mãe teve que se ausentar e a deixou com a babá, que era extremamente fria, a fez registrar em seu inconsciente o frio que sentia dos lençóis e a visão das grades do berço. Essa passagem de sua vida ficou tão marcada em sua mente, que sempre que tinha a sensação de abandono, de medo, o frio retornava. Sofreu bullying na escola e na colônia de férias na qual ia todos os anos. Foi na colônia de férias que o mundo de Yr se apresentou pela primeira vez, se contrapondo a realidade sofrida. Em “Yr” havia alguns personagens: Deborah era o Pássaro-um e haviam deuses habitantes deste novo mundo cheios de singularidades. O Coletor de Outros, que realizava críticas severas a Deborah, o Censor, incumbido de “colocar palavras em sua boca” para se comportar adequadamente e não deixar escapar os segredos de Yr, Anterrabae (o deus Cadente) e Lactamaeon (o deus Negro), era o personagem que mostrava-se mais próximo dela, com quem mais se divertia, mas também sofria suas duras críticas e também tinha Idat, a Dissimuladora, que apareceu na forma de uma mulher belíssima, que era ao mesmo tempo rainha e vítima dessa beleza. Esse novo mundo, essa realidade paralela criada por ela, não era o ideal, mas é aquele em que ela consegue se proteger do mundo cheio de preconceitos, que consegue se sentir parte integrante dele. Deborah precisa desse seu mundo para conseguir suportar as frustrações de sua vida. Todo o estresse emocional, as agressões verbais, tudo o que acumulou de ruim contribui para a criação de uma nova realidade menos hostil, onde somente ela podia entrar, obtendo delírios, alucinações, se apegou em suas fantasias, o mundo de Yr, pois era melhor do que sua vida real.
Segundo Freud, em seu artigo A perda da realidade na Neurose e na Psicose, permite entendermos melhor a psicose e como ela se desenvolve. Tudo começa em uma frustração, em não saber lidar com uma não-realização, com desejos reprimidos que nunca foram vencidos e que estão tão profundamente enraizados no inconsciente que ao se deparar com a realidade apresentada, não sabendo lidar com ela, produzirá a um afastamento da realidade gerando uma angústia. Neste processo o Id (desejo) entra em conflito com o superego (proibição da realidade, consciência moral) criando uma frustação da realidade e nisso o ego (responsável pela defesa do aparelho psíquico) tem um papel de regular, de estabilizar, fica numa situação de ambivalência pois terá que satisfazer o id, o superego e a realidade ao mesmo tempo gerando angustia. O ego como protetor da personalidade, diante dessa sobrecarga irá buscar um mecanismo de defesa (recusa) para aplacar essa angustia.
Freud divide a psicose em duas etapas:
1° momento – Afastamento do ego para longe da realidade, fragmentando-a. Por achar a realidade hostil a ele, vai haver um distanciamento da realidade usando o mecanismo de recusa. Sendo assim toda energia na qual se relacionava ao mundo exterior se volta para ele (catexia) ficando um vazio, uma fenda, isolando-o. Freud chama esse momento de momento silencioso.
2° momento – Tem o caráter de reconstrução, de reparação. Saindo do 1° momento para o 2°, haverá um retorno do conteúdo anteriormente recusado sob forma de construção de uma nova realidade constituída por delírios e alucinações. Antes estava isolado e com a energia voltada para ele, logo depois na tentativa para preencher a fenda, tentará se reconectar com o mundo exterior através de sua realidade construída. Delírios são uma forma de remendo usado para se vincular com a realidade.
- Estrutura familiar
A família de Deborah era composta por seus pais, Jacob e Esther Blau, o avô materno, tios e uma irmã, cinco anos mais nova, Susy. O pai, Jacob Blau, contador, era descrito como homem passivo, rendia-se aos gostos
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