O Acolhida de homens trans realizada por uma estudante de Psicologia inserida no ambulatório de ginecologia
Por: liviabarreto • 7/11/2017 • Pesquisas Acadêmicas • 1.997 Palavras (8 Páginas) • 358 Visualizações
ACOLHIDA DE HOMENS TRANS REALIZADA POR UMA ESTUDANTE DE PSICOLOGIA INSERIDA NO AMBULATÓRIO DE GINECOLOGIA
Aline Veras Brilhante¹, Lívia Nóbrega Barreto²
¹: Doutorado em Saúde Coletiva - pela Universidade Estadual do Ceará, Brasil (2015). Professora da Universidade de Fortaleza, Brasil.
²: Estudante de Psicologia da Universidade de Fortaleza, Brasil.
Palavras-chave: Acolhimento, Psicologia, Transexualidade, Machismo, Interdisciplinaridade.
INTRODUÇÃO
Este artigo relata a experiência de uma estudante do curso de Psicologia inserida num ambulatório de ginecologia, tendo como objetivo entrevistar homens transexuais nordestinos para que os mesmos relatem suas experiências de viverem em tal região.
Desta maneira, objetivamos considerar que o machismo presente na região Nordeste do País, se posiciona como um mecanismo de opressão não somente às mulheres, mas aos homens, por estes terem de vestir uma persona, imposta por determinados modos de agir e pensar que, muitas vezes, não é de acordo com o que o indivíduo se identifica.
Sabe-se que a cultura brasileira mantém o modelo de masculinidade hegemônica, ou seja, “machista, viril e heterossexual”, com distanciamento emocional e agressividade, tendo a figura do “cabra macho” fortemente presente no conceito do que deve ser “homem” na região Nordeste. Portanto, foi analisada como a cultura afeta a constituição e o reconhecimento do homem transexual nesse ideal de masculinidade.
Como ideia central, discute-se a influência que a cultura tem em colocar como um ideal masculino o homem cis de orientação sexual heterossexual. Em seguida, discute-se sobre as políticas de saúde para transexuais, dando ênfase na questão da legalização da cirurgia de transgenitalização no Brasil e no nome civil.
O objetivo deste trabalho é trazer aos leitores uma visão mais humanística da realidade vivida por aqueles que sofrem do distúrbio, apontando as causas de seus possíveis sofrimentos e obstáculos.
Busca-se, principalmente, compreender de que forma o ideal de homem imposto pela cultura patriarcal, estando inserido na região Nordeste do Brasil, afeta na construção da identidade masculina do sujeito, considerado homem trans.
METODOLOGIA
A presente pesquisa tem natureza teórica e prática, fundamentada pela bibliografia pertinente ao tema, bem como as entrevistas autobiográficas que foram feitas dentro da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), na cidade de Fortaleza - CE, englobando dezesseis homens transexuais, sendo todos nordestinos; onde 93,75% são naturais de Fortaleza - CE e 6,25% natural de Piauí – MA.
A elaboração metodológica prática foi realizada nas terças-feiras, nas seguintes datas: 08/11/2016, 29/11/2016, 20/12/2016, 07/02/2017, 14/02/2017 e 07/03/2017 no horário de 13:30 às 17:00. As entrevistas eram gravadas (áudio) e era questionada a permissão ou não de tal gravação. Todos os dezesseis homens transexuais aceitaram serem gravados.
Os encontros ocorreram no ambulatório de ginecologia no Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI), onde havia uma sala privativa apenas para a realização de tais entrevistas. Os homens transexuais foram ao encontro da estudante de Psicologia para uma narrativa autobiográfica e, somente após suas declarações, foram atendidos pela Ginecologista.
Vale mencionar que, para o desenvolvimento e organização deste artigo, as entrevistas autobiográficas foram transcritas, com carga horária de cerca de 25 horas e 34 minutos de entrevistas transcritas, para que as referências teóricas sejam correlacionadas mais facilmente com tais declarações.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao longo das entrevistas, constatamos as principais queixas dos homens transexuais em relação às suas vivências: transfobia (preconceito), dificuldade de se ter um nome social nos lugares públicos governamentais e federais, invisibilidade e a dificuldade de se ver como homem, estando inserido na região Nordeste, a mais machista do Brasil.
Sobre a transfobia, 87,50% dos transexuais disseram que sofrem principalmente pela não aceitação da família. As reações familiares vão desde a expulsão de casa ou a agressão psicológica e/ou físicas. Houve certa dificuldade em escutar alguns relatos, visto que todos falaram com tristeza das suas experiências já passadas. Foi notória a indignação em ter escutado relatos como:
“Minha mãe disse ‘vou chamar alguém para ficar batendo em você até você virar pessoa decente’ e que ‘você vai para o inferno’ depois ela disse que eu só era assim porque ela tinha tentado me abortar várias vezes e não tinha conseguido”
Como via-de-regra, a estudante de Psicologia teve que ouvir e não mostrar nenhuma reação, seja positiva ou negativa. Em certos momentos, houve complicações em não demonstrar raiva e pena para com os agressores, visto que os mesmos realizam a transfobia explicitamente com o objetivo de chamar a atenção e/ou impor o que pensa ser correto na sua visão de vida, sem ao menos tentar entender o que aquela pessoa passa.
Outra queixa pertinente foi sobre a questão do nome social, em que 56,25% dos homens transexuais reclamaram, afirmando ser algo muito simples e que mudaria o dia deles caso fossem chamados pelos nomes que se identificam.
“Passei para o curso de Engenharia Civil de lá e foi a primeira vez que eu tentei usar o nome social e foi horrível. Professores não aderiram e a coordenação se absteve. Fui alvo de piadas e entrei num processo de depressão.”
“São muitos (os obstáculos), mas o maior é o atendimento mesmo. Existem muitos lugares que não são como aqui, não nos chamam pelo nome social.”
O uso do nome social também foi entendido como algo simples, que poderia ser colocado ao menos como foi colocado neste ambulatório: cada paciente tinha sua pasta e na frente da mesma, tinha o nome social em maiúsculo e em forma grande e o nome civil era posto em minúsculo e numa forma bem menor, com o objetivo de não chamar a atenção de um nome que eles gostariam de nunca ter existido.
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