A política da tolerância zero como controle de criminalidade no Brasil
Por: gabymarilia1 • 15/6/2021 • Artigo • 11.175 Palavras (45 Páginas) • 100 Visualizações
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A política da tolerância zero como controle de criminalidade no Brasil
MARÍLIA GABRIELA ANDRADE PEREIRA
Resumo: A política da Tolerância Zero surge nos Estados Unidos na década de 90, e se baseia na chamada teoria das "já- nelas quebradas" ("Broken Windows"), como solução mágica contra a violência e a criminalidade. O programa vem sendo exportado a diversos países e estados, di- fundindo-se a ideia de que para se manter a ordem e a segurança todo e qualquer desvio deve ser reprimido, mesmo que in- significante. Na realidade, a Tolerância Zero possui outros fins além dos declara- dos pelos governantes à população. Quan-
do analisada pela perspectiva da Crimino- logia Crítica, a política se mostra como forma eficaz de garantia da manutenção das desigualdades de classes e da exclu- são, neutralização e ofensa as classes mais pobres. Neste trabalho foi realizado um estudo sobre a adequação da teoria das já- nelas quebradas (“Broken Windowns Theory”) e a política da Tolerância Zero à Constituição brasileira, analisando se a mesma poderia ser implantada para con- trole da criminalidade no país. Conclui-se que a política não seria adequada a reali- dade brasileira, visto que a mesma fere com o princípio da dignidade humana, a- lém de diversos outros fatores que fazem com que a política seja inadequada ao país.
Palavras-chaves: tolerância zero - crimi- nalidade - criminologia crítica - desigual- dade social - dignidade humana.
Abstract: The zero tolerance policy star- ted in the United States in the 1990s, and is based on the so-called "Broken Win- dows" theory as a magical solution to vio- lence and crime. The program has been exported to many states, spreading the idea that in order to maintain order and sa- fety, any deviation should be repressed, even if not significant. In fact, Zero Tolerance has purposes other than those declared by the rulers to the population. When analyzed from the perspective of critical criminology, politics shows itself as an effective way of guaranteeing the maintenance of class inequalities and ex- clusion, neutralization and offense to the poorer classes. In this work, a study was carried out on the adequacy of the “Bro- ken Windows” Theory and the zero tole- rance policy to the brazilian Constitution, analyzing whether it could be implement-
ted to control crime in the country. It is concluded that the policy would not be a- dequate to the brazilian reality, as it viola- tes the principle of human dignity, in addi- tion to several other factors that make po- litics inadequate for Brazil.
Keywords: zero tolerance - criminality - critical criminology - social inequality - human dignity.
Introdução
Tanto no Brasil como no mundo, é necessário formas de controle social para conter a criminalidade. No que diz respei- to à sociedade brasileira, tem-se convivido constantemente com uma alta taxa de cri- minalidade urbana, o que causa um senti- mento de temor e insegurança.
O controle social na esfera penal se dá por políticas criminais adequadas a u-
ma busca de um melhor equilíbrio entre o exercício do poder e a preservação dos di- reitos dos cidadãos, em especial a partir de um modelo constitucional que prioriza ga- rantias fundamentais e possui expressa- mente uma vocação humanista.
Um dos meios de controle social a- dotados pelos estados modernos é o siste- ma penal, que tem por objetivo controlar as camadas sociais que realizam condutas tipificadas como crimes, e com isso aba- lam a ordem social estabelecida.
Há várias perspectivas de como se implantar políticas criminais. Neste âmbi- to, nos Estados Unidos da América (EUA), mais especificamente em Nova Iorque, foi implantada a política da tole- rância zero, baseada na teoria das janelas quebradas (Broken Windows Theory), que consiste em um movimento conservador que busca punir desde os delitos mais in- significantes aos mais graves, objetivando
assim evitar a ocorrência de delitos de ma- ior potencial ofensivo.
A política da tolerância zero trouxe uma significativa redução na criminalida- de dos EUA, enquanto os índices de cri- minalidade no Brasil só fazem aumentar. O Brasil foi considerado o 11º país mais inseguro do mundo no Índice de Progresso Social (IPS) em 2014, sendo que a violên- cia é o principal item que decai com o de- sempenho do país em qualidade de vida.
Neste contexto, o presente trabalho trata especificamente da análise da políti- ca da tolerância zero, analisando sua ori- gem, seus fundamentos e sua evolução, e juntamente, analisar os programas de polí- tica criminal no Brasil como um Estado Democrático de Direito e o papel do Di- reito Penal frente ao crescimento da vio- lência e da criminalidade, e se a política da tolerância zero se adequaria a Consti- tuição e a realidade brasileira.
Almeja-se desmistificar a idéia que a política da tolerância zero transmite à sociedade de “remédio milagroso” contra a criminalidade, comparando informações e estatísticas provenientes da cidade de Nova Iorque - berço e laboratório do pro- grama - com as de outras cidades norte- americanas e países que não adotavam à época as medidas repressoras de intolerân- cia.
Demonstra-se a difusão da tolerân- cia zero pelos países da Europa, África e América Latina, enfatizando a questão de que no Brasil sua aplicação vem apenas revestir toda a opressão já efetuada contra os alvos tradicionais da polícia, dando ga- rantia e credibilidade às velhas práticas re- pressoras. Na sequência, destina-se à aná- lise de seu desempenho na efetivação da manutenção das desigualdades de classes e da segregação dos indivíduos descarta- veis ao sistema capitalista.
Em suma, o presente trabalho objeti- va entender como a tolerância zero é fácil- mente introduzida e legitimada nos gover- nos e nas sociedades, e como suas funções podem ser diversamente adaptadas às rea- lidades locais. Pretende-se explicitar as funções reais desse discurso e sua ineficá- cia como fator de solução à criminalidade, e em contrapartida, evidenciar sua total i- neficácia como política para o Brasil, e como seria destinada à realização dos inte- resses dos detentores do poder e como medida restringente dos direitos funda- mentais, não se adequando a atual Consti- tuição do país.
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