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Hans kelsen

Por:   •  12/10/2015  •  Ensaio  •  5.231 Palavras (21 Páginas)  •  275 Visualizações

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Resumo: A partir da leitura do livro Teoria pura do direito, de Hans Kelsen, verifica-se que o autor aborda o princípio da segurança jurídica ao referir-se sobre a criação e a interpretação do direito. Kelsen afirma que há dois sistemas jurídicos: o da livre descoberta do direito, no qual não há um órgão legislativo central e os tribunais decidem os casos concretos segundo sua livre apreciação e o da descoberta do direito vinculada à lei, no qual a produção legislativa é centralizada, reservada a um órgão legislativo. Estes sistemas apresentam distintos graus de flexibilidade que se opõe ao princípio da segurança jurídica. Kelsen sustenta que a decisão judicial é continuidade e não início do processo de criação do direito. Quanto à interpretação das normas, Hans Kelsen assegura que a inevitável plurissignificação das normas deve ser reduzida ao mínimo possível, de modo que se obtenha o maior grau possível de segurança jurídica.[1] Palavras-chave: Hans Kelsen; Ciência Jurídica; Segurança Jurídica. Abstract: From reading the book Pure Theory of Law by Hans Kelsen, it appears that the author addresses the principle of legal certainty about when referring to the creation and interpretation of the law. Kelsen says that there are two legal systems: the discovery of the right of free, in which there is a central legislature and the courts decide cases according to their discretion concrete and the discovery of the law concerning the law, in which the legislation is centralized , reserved for a legislative body. These systems have different degrees of flexibility as opposed to the principle of legal certainty. Kelsen argues that this decision is continuity and not the beginning of the creation process of law. The interpretation of the rules, Hans Kelsen plurissignificação ensures that the standards must inevitably be reduced to a minimum in order to obtain the greatest possible degree of legal certainty. Keywords: Hans Kelsen, Legal Science, Legal certainty. Sumário: 1 Introdução; 2 Segurança jurídica; 3 Segurança jurídica na Teoria pura do direito de Hans Kelsen; 4 Considerações finais; Referências bibliográficas. 1 Introdução O presente artigo científico surge como uma reflexão acerca de um dos princípios fundamentais do direito: a segurança jurídica. Realizou-se uma investigação deste princípio na obra Teoria pura do direito[1], de Hans Kelsen, que nasceu em 1881 na cidade de Praga, à época pertencente ao Império Austro-Húngaro e faleceu em Berkeley, EUA, em abril de 1973, aos 91 anos. Em sua vida dedicada à ciência jurídica, Hans Kelsen compôs uma obra gigantesca que influencia estudiosos e operadores do Direito até hoje. Consagrado como o maior jurista do século XX, Kelsen desenvolveu trabalhos sobre diversos temas jurídicos, tais como justiça, democracia, teoria do direito e do Estado, entre outros. Em sua vasta bibliografia, Hans Kelsen publicou vários livros, entre eles Teoria pura do direito, que se destacou pela grande difusão e influência alcançadas. Deve-se observar que a Teoria pura do direito não se trata somente do nome de um livro, mas de um projeto de Hans Kelsen de elevar o direito à posição de verdadeira ciência jurídica. As suas produções literárias, incluindo as edições da Teoria pura do direitoaté a Teoria geral das normas[2] voltavam-se para a elaboração de uma teoria do direito positivo[3]. A presente produção científica embasa sua importância e justificativa não apenas no que concerne à teoria kelseniana, mas também porque a obra de Hans Kelsen apresenta-se como relevante contribuição para o estudo da ciência do direito e sua compreensão no século XXI. As assertivas conteudísticas do estudo ora apresentado não se restringem às ideias de Hans Kelsen, tampouco têm o condão de exaurir o estudo acerca da segurança jurídica, mas apenas pretendem demonstrar a teoria do mestre de Viena sobre a segurança jurídica. A seguir realizar-se-á a exposição da pesquisa desenvolvida, iniciando-se pela apresentação de aspectos gerais acerca da segurança jurídica. Posteriormente, apresentar-se-á uma abordagem do tema segurança jurídica na Teoria pura do direito de Hans Kelsen. 2 Segurança Jurídica A segurança jurídica sempre foi objeto de estudo da doutrina, isto porque o homem busca incessantemente a certeza das coisas, da sociedade, dos fatos que o cercam. Para garantir a segurança em suas relações, o homem utiliza-se do direito como instrumento. Em tempos de crise e de instabilidade surgem novas reflexões objetivando sempre o equilíbrio social, ou seja, a segurança. Carlos Aurélio Mota de Souza adverte que os conceitos de segurança e certeza possuem sentidos distintos. Dessa forma, pode-se depreender que segurança “é fato, é direito como factum visível, concreto, que se vê, como uma pista de uma rodovia em que se transita, que dá firmeza ao caminhante, para que não se perca nem saia dos limites [...]”[4]. Já certeza pode ser definida como “[...] valor, o que vale no direito, aquilo em que se pode confiar, porque tem validez”[5]. José Afonso da Silva ensina que a segurança é um dos valores que instruem o direito positivo e que a positividade do direito consiste numa necessidade dos valores da ordem, da segurança e da certeza jurídicas[6]. Norberto Bobbio esclarece que o direito positivo é “[...] posto pelo poder soberano do Estado, mediante normas gerais e abstratas, isto é, como “lei”. Logo, o positivismo jurídico nasce do impulso histórico para a legislação, se realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, de qualquer modo, absolutamente prevalente – do direito, e seu resultado último é representado pela codificação”[7]. O direito positivo, assim entendido por Bobbio, é o resultado do poder legiferante conferido ao Estado soberano. O positivismo jurídico é doutrina que se contrapõe ao direito natural. Enquanto aquele é estabelecido pelo poder soberano do Estado, materializado nas leis e válido em determinada comunidade jurídica, este é posto pela natureza e existe em qualquer lugar independente de legislação, convenção ou qualquer outro expediente criado pelo homem. José Afonso da Silva leciona que a segurança no direito pode ser entendida em duplo sentido: segurança do direito e segurança jurídica. A segurança do direito “[...] exige a positividade do direito e é, neste contexto, que a segurança se entronca com a Constituição, na medida em que esta constitui o fundamento de validade do direito positivo”[8]. A segurança jurídica é “[...] uma garantia que decorre dessa positividade. Assim é que o direito constitucional positivo, traduzido na Constituição, é que define os contornos da segurança jurídica da cidadania”[9]. Para Kelsen, o direito consiste em um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo norma ele quer dizer que algo deve ser ou acontecer, que um homem se deve conduzir de determinada maneira[10]. A norma, ao determinar a forma como o individuo se deve conduzir, permite que a sociedade tenha uma noção, até certo ponto previsível e calculável do agir dos indivíduos, ou, pelo menos confere organização à sociedade permitindo que se saiba previamente o que o indivíduo deve fazer ou de que forma responderá caso descumpra uma norma. “A conduta humana é regulada positivamente por um ordenamento positivo, [...], quando a um indivíduo é prescrita a realização ou a omissão de um determinado ato”[11]. Carlos Aurélio Mota de Souza assevera que a segurança jurídica é item essencial tanto na teoria geral quanto na filosofia do direito, mormente por força do movimento codificador do direito. Para o autor, a segurança na lei e a sua observância pelos juízes e tribunais é a base do positivismo legalista e estatal, entendimento presente hodiernamente[12]. Márcio Fernando Elias Rosa sustenta que o princípio da segurança jurídica pode ser denominado como o princípio da estabilidade das relações jurídicas, e que tem por objetivo garantir considerável perenidade nas relações jurídicas. A segurança jurídica consiste em um princípio que objetiva garantir a estabilidade das relações jurídicas e advém das leis promulgadas pelo Estado visando o bem dos cidadãos e o controle da conduta social. Para José Joaquim Gomes Canotilho, a segurança jurídica, elemento essencial ao Estado de Direito, se desenvolve em torno dos conceitos de estabilidade e previsibilidade. Quanto ao primeiro, no que diz respeito às decisões dos poderes públicos, uma vez realizadas “[...] não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes” [13]. Quanto ao segundo, refere-se à “[...] exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos”[14]. Hans Kelsen afirma que o princípio do Estado de Direito é, no essencial, o princípio da segurança jurídica[15]. Para o autor, Estado de direito é “[...] uma ordem jurídica relativamente centralizada segundo a qual a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis - isto é, às normas gerais que são estabelecidas por um parlamento eleito pelo povo, com ou sem a intervenção de um chefe de Estado que se encontra à testa do governo os membros do governo - ,os membros do governo são responsáveis pelos seus atos, os tribunais são independentes e certas liberdades dos cidadãos, particularmente a liberdade de crença e de consciência e a liberdade da expressão do pensamento, são garantidas”[16]. O princípio da segurança jurídica é essencialmente o princípio do Estado de Direito exatamente porque nesta ordem jurídica a jurisdição e administração estão subordinadas as normas estabelecidas por um poder central e tais normas conferem a sociedade previsibilidade quanto à conduta que deve ser seguida pelos indivíduos. Sobre o princípio da segurança jurídica, relevante se faz a lição de Gladys Maluf Chamma, ao esclarecer que o princípio da segurança jurídica consiste numa das regras constitucionais de maior importância, sendo que o Estado Democrático de Direito somente pode existir se houver certeza irrefutável da estabilidade de uma questão[17]. A expressão segurança jurídica não está expressa no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[18], trata-se na verdade de um princípio implícito que pode ser identificado pelo contexto do diploma político[19]. Assim é que a categoria segurança está presente implicitamente na CRFB/88 desde o seu preâmbulo, como uma das garantias asseguradas pelo Estado de Direito: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos [...] para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, [...]”[20] e expressamente no caput do artigo 5º. Convém observar que a segurança jurídica deriva de regras constitucionais tais como o devido processo legal, como dispõe o artigo 5º, LIV; a inafastabilidade do controle jurisdicional, prevista no artigo 5º, XXXV; submissão dos Poderes Públicos aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, como disposto no artigo 37; do respeito ao ato jurídico, da coisa julgada e do direito adquirido, como preceitua o artigo 5º, XXXVI[21]. De acordo com José Afonso da Silva, a segurança jurídica pode ser compreendida em sentido amplo e em sentido estrito. No primeiro ela refere-se ao sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em diversos campos. Em sentido estrito, a segurança jurídica assume o sentido de garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, permite que as pessoas saibam previamente que, uma vez envolvidas em certa relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se alterar a base legal sob a qual se instituiu[22]. José Afonso da Silva ainda sustenta que há quatro tipos de segurança jurídica previstos na CRFB/88: “a segurança como garantia; a segurança como proteção dos direitos subjetivos; a segurança como direito social e a segurança por meio do direito”[23]. A segurança como garantia encontra previsão na CRFB/88, no artigo 5º, que trata na verdade de um conjunto de garantias, tais como segurança da intimidade, da vida privada, entre outras[24]. Acerca do assunto necessária se faz a lição de Alexandre de Moraes ao destacar que os direitos inerentes à intimidade e a imagem constituem a proteção constitucional à vida privada, assegurando um terreno íntimo e intransponível por intrometimentos ilícitos externos[25]. A segurança como proteção dos direitos subjetivos consiste nas condições que permitem às pessoas saber antecipadamente as consequências diretas de seus atos. É a relativa certeza de que os negócios realizados sob a égide de uma norma perdurem ainda que tal norma seja substituída[26] . A segurança como direito social está prevista no artigo 6º da CRFB/88. Este diploma legal inclui a segurança como espécie de direito social. A segurança social significa a previsão de um conjunto de direitos sociais que garantam aos indivíduos e suas famílias condições sociais dignas. Nessa senda, a CRFB/88 preferiu a expressão seguridade social, que em uma percepção mais elevada, deve significar o meio de vencer as deficiências da previdência social, caracterizada como seguro social, pois o destinatário de suas prestações é o segurado que, filiado, paga uma contribuição para ter direito a ele[27]. A segurança por meio do direito pode ser dividida em dois tipos, a saber: “a segurança do Estado, que se refere às condições básicas de defesa do Estado e a segurança das pessoas, que se refere à manutenção da ordem pública contra o crime em geral”[28]. José Fábio Rodrigues Maciel aduz que a segurança jurídica material que consiste na segurança como proteção dada ao indivíduo por meio do direito positivo, difere da segurança jurídica em seu aspecto formal, que consiste na segurança do próprio direito, na relação entre a norma e o sistema jurídico[29]. Para Auxiliadora da Silva Baldoino, “no aspecto formal, as preocupações voltam-se para temas como validade, processo legislativo, sistemática jurídica, conflitos de normas etc.”[30]. Por outro lado, tem-se que “[...] a segurança jurídica material é vista como essência do direito [...], representa garantia ao indivíduo, dada dentro de um grau de certeza que se mostra no direito positivado”[31]. Na busca por segurança o indivíduo é remetido a novas inseguranças e procura no direito reduzi-las ao mínimo suportável, resultando daí a segurança jurídica, que permite ao cidadão prever as reais consequências jurídicas atinentes aos atos por ele praticados[32]. Nesse marco, a doutrina de Hans Kelsen trata da segurança jurídica dada pelos tribunais como sendo um princípio que pode ser traduzido em “[...] vincular a decisão dos casos concretos a normas gerais, que hão de ser criadas de antemão por um órgão legislativo central [...]”[33]. Assim, a segurança jurídica é vista sob o aspecto do processo legislativo e judicial. Feitas essas considerações acerca da segurança jurídica em sentido amplo, passa-se a analisar o princípio da segurança jurídica na obra Teoria pura do direito de Hans Kelsen. 3 Segurança jurídica na Teoria pura do direito de Hans Kelsen Em sua Teoria pura do direito,Hans Kelsen buscou libertar a ciência jurídica de quaisquer influências de outras ciências, tais como a Filosofia e a Sociologia. O maior propósito de Kelsen com a Teoria pura do direito foi a elaboração de uma teoria do direito positivo independente das particularidades de cada país[34]. Tércio Sampaio Ferraz Junior assevera que Hans Kelsen elaborou o que designou de princípio da pureza, de acordo com o qual o método e o objeto da ciência jurídica deveriam ter como base o enfoque normativo. Isto é, o direito, que para Kelsen, deveria ser analisado como norma (e não como fato social ou valor metafísico)[35]. O objetivo de Kelsen não foi o de negar os aspectos multifaciais do fenômeno complexo que é o direito, mas de eleger, dentre eles, um que fosse compatível autonomamente ao jurista. Para Hans Kelsen, uma ciência que se ocupasse de tudo poderia se perder em debates inférteis ou de não se impor de acordo com os critérios de rigor referentes a qualquer pensamento que se pretendesse científico[36]. Nesse contexto, o maior objetivo da obra kelseniana foi analisar e propor os fundamentos e métodos da teoria jurídica. O pensamento de Hans Kelsen é identificado com o intuito de atribuir à ciência jurídica método e objetos próprios, suficientes para vencer confusões metodológicas e de possibilitar ao jurista uma autonomia científica[37]. A segurança jurídica foi a grande preocupação de Hans Kelsen quanto à criação de uma ciência jurídica livre de quaisquer influências. A ciência jurídica é um fator de estabilidade do ordenamento jurídico e confere segurança aos cidadãos[38]. Hans Kelsen sustentava seu discurso baseado na pureza das normas de modo que fosse garantida a estabilidade das relações jurídicas e adentra no tema segurança jurídica ao tratar acerca da possibilidade de criação de normas pelos tribunais: “Um tribunal, especialmente um tribunal de última instância, pode receber competência para criar, através da sua decisão, não só uma norma individual, apenas vinculante para o caso sub judice, mas também normas gerais. Isto é assim quando a decisão judicial cria o chamado precedente judicial, quer dizer: quando a decisão judicial do caso concreto é vinculante para a decisão de casos idênticos”[39]. Para o autor austríaco, uma decisão judicial pode ter caráter de precedente quando a norma individual por ela posta não é predeterminada por uma norma geral elaborada por via legislativa ou quando essa determinação não é unívoca, exatamente por permitir mais de uma possibilidade de interpretação. O tribunal que cria determinado precedente funciona como legislador, exatamente como o órgão legislativo, a quem é conferido pela constituição de um país o poder para legislar[40]. Hans Kelsen ressalta que, se é conferido aos tribunais o poder de criar precedentes, “[...] eles entrarão em concorrência com o órgão legislativo instituído pela CRFB/88 e isso significará uma descentralização da função legislativa”[41]. No tocante à relação entre o órgão legislativo e os tribunais, é possível distinguir-se dois tipos de sistemas jurídicos tecnicamente diferentes: o sistema da livre descoberta do Direito e o sistema da descoberta do direito vinculada à lei[42]. De acordo com o sistema da livre descoberta do Direito, Kelsen afirma que “[...] não existe tampouco um órgão legislativo central, tendo os tribunais e os órgãos administrativos, de decidir os casos concretos segundo a sua livre apreciação”[43]. Esse sistema justifica-se pelo fato de que nenhum caso é exatamente igual a outro, de que cada caso deve ser analisado de acordo com suas particularidades[44]. Por outro lado, a aplicação de normas jurídicas gerais que predeterminam a decisão judicial ou administrativa impede o órgão competente de decidir conforme as peculiaridades do caso concreto e pode levar a resultados insatisfatórios[45]. Para Kelsen, o resultado dessa radical descentralização da criação do Direito faz com que “[...] este sistema caracteriza-se pela sua grande flexibilidade, mas, em contrapartida, renuncia totalmente à segurança jurídica”[46]. Pelo sistema da livre descoberta do direito os indivíduos não podem prever as decisões dos casos concretos em que são partes. Dessa forma, não podem saber de antemão o que lhes é juridicamente proibido ou permitido. Somente podem conhecer isso através da decisão em que o pedido é rejeitado ou recebe provimento[47]. Segundo o sistema da descoberta do direito vinculada à lei, “[...] a produção de normas jurídicas gerais está completamente centralizada, quer dizer, é reservada a um órgão legislativo central e os tribunais limitam-se a aplicar aos casos concretos, nas normas individuais a produzir por eles, as normas gerais produzidas por esse órgão legislativo”[48]. Esse sistema da descoberta do direito vinculada à lei consiste no fato de as decisões dos tribunais serem, de certa forma, previsíveis e calculáveis, isto é, os indivíduos submetidos ao Direito podem orientar-se pelas previsíveis decisões dos tribunais. A vinculação da decisão dos casos concretos a normas gerais, que hão de ser criadas de antemão por um órgão legislativo central, tem a desvantagem da falta de flexibilidade. Em contrapartida tem a vantagem da segurança jurídica que é, em seu aspecto essencial, o princípio do Estado de Direito[49]. Todavia, em determinados casos exige-se o sistema da livre descoberta do direito com fulcro na justiça, numa justiça que se supõe absoluta. Justa, nessa senda, seria a decisão de um caso concreto unicamente quando considerasse todas as particularidades do caso sob análise. Como nenhum caso é totalmente igual a outro [...] a aplicação de uma norma geral a um caso concreto não poderia resultar numa decisão justa[50]. Hans Kelsen ressalta que, de acordo com esta justificativa, “todo o direito só poderia ter caráter individual, a decisão dos casos concretos não poderia sequer ser vinculada a normas gerais”[51]. Segundo esse entendimento, cada caso concreto deveria ser julgado de acordo com suas particularidades e a decisão dos tribunais não poderiam se orientar por normas gerais elaboradas anteriormente. De acordo com Kelsen, contra esta fundamentação da livre descoberta do direito, deve-se discordar, pois “[...] quando a decisão dos casos concretos não é vinculada a normas jurídicas gerais, […], não é de forma alguma a complexa exclusão, do processo de criação jurídica, das normas gerais. Se o órgão, perante o qual se apresenta o caso concreto a decidir, deve dar uma decisão “justa”, ele somente o pode fazer aplicando uma norma geral que considere justa. Como uma tal norma geral não foi já criada por via legislativa ou consuetudinária, o órgão chamado a descobrir o Direito tem de proceder pela mesma forma que um legislador que, na formulação das normas gerais, é orientado por um determinado ideal de justiça. [...] legisladores podem ser orientados por diferentes ideais de justiça, o valor de justiça por eles realizado apenas pode ser relativo [...]”[52]. Para Hans Kelsen a justiça não é valor absoluto, mas relativo. Varia de acordo com o ideal de justiça do órgão chamado a descobrir o direito, seja ele um órgão legislativo central que elabora leis ou um órgão perante o qual se apresenta um caso concreto a decidir de acordo com suas particularidades e sem base em uma norma geral. Kelsen adverte que “não pode ser menos relativa a justiça da norma geral pela qual se deixa orientar o órgão chamado a decidir o caso concreto”[53]. Para o autor, tanto o órgão legislativo central quanto o órgão chamado a decidir o caso concreto com base em suas peculiaridades decidem os casos sob análise visando a justiça e, em ambos os casos, ela é relativa, pois tanto o legislador quanto o órgão chamado a descobrir o direito são orientados por determinado ideal de justiça[54]. Hans Kelsen ressalta que a diferença entre o sistema da livre descoberta do direito e o sistema da descoberta do direito vinculada à lei ou ao direito consuetudinário consiste no fato de “o lugar da norma geral de direito positivo e da norma geral do ideal de justiça que orienta o legislador ser ocupado pela norma geral do ideal de justiça do órgão chamado à descoberta do direito”[55]. Entre os sistemas jurídicos da descoberta do direito vinculada a lei e o da livre descoberta do direito encontram-se aqueles sistemas nos quais ainda que seja instituído um órgão legislativo central, os tribunais têm a possibilidade não só de estabelecer normas jurídicas individuais nos quadros das normas gerais elaborada pelo órgão legislativo, mas também de fixar normas individuais fora destes quadros; e, por último, aquele sistema no qual os tribunais têm poder de elaborar normas jurídicas gerais, decisões com força de precedentes[56]. Hans Kelsen esclarece que os diversos sistemas traduzem diferentes graus de centralização ou descentralização da produção do Direito e, consequentemente, diferentes graus de efetivação do princípio da flexibilidade do Direito, que é inversamente proporcional ao princípio da segurança jurídica[57]. Kelsen ressalta que compõe um sistema especial aquele no qual as normas jurídicas gerais não são, ou não são em sua grande maioria, criadas por um órgão legislativo centralizado, porém são geradas pelo costume e aplicadas pelos tribunais: “Como, na hipótese de criação consuetudinária das normas gerais a aplicar pelos tribunais, a adaptação do Direito às circunstâncias em mutação ainda é mais difícil do que no caso da criação das normas jurídicas gerais por um órgão legislativo central, o sistema do Direito consuetudinário é especialmente favorável à formação de uma jurisprudência com força de precedente. É por isso compreensível que esta se tenha desenvolvido especialmente no domínio da common law anglo-americana, que é essencialmente Direito consuetudinário”[58]. O emprego pelo tribunal de uma norma jurídica geral criada consuetudinariamente, diferencia-se do emprego de uma norma geral elaborada por um órgão legislativo, pois a verificação da validade da norma a ser empregada, a averiguação de que existe um costume criador de Direito, deve exercer um papel muito mais importante para o jurista do que a averiguação da validade de uma norma elaborada pelo legislador[59]. Hans Kelsen salienta que é “[...] por isso explicável que, por vezes, se defenda a concepção de que o Direito consuetudinário é um Direito criado pelos tribunais”[60]. Considerando-se que os tribunais, como ocorre na common law anglo-americana, possuem a prerrogativa de aplicar essencialmente Direito consuetudinário e, consequentemente, possuem o poder de elaborar precedentes, nesse meio pode surgir com facilidade a ideia de que “[…] todo Direito é Direito jurisprudencial, [...], criado pelos tribunais; de que antes da decisão judicial não existe Direito, de que uma norma só se torna norma jurídica pelo fato de ser aplicada pelo tribunal”[61]. Para Hans Kelsen este entendimento só pode ser admitido se considerado que as normas aplicadas pelos tribunais não devem ser compreendidas como Direito, porém como meras fontes de Direito, como todos os fatores que verdadeiramente interferem na decisão judicial, assim como os juízos de valor ético-políticos, pareceres técnicos e outros[62]. Considerando a relevância que possui o tribunal em um sistema de Direito consuetudinário e de jurisprudência com força de precedente, tal teoria não considera a divergência que há entre fontes do Direito juridicamente vinculantes e não juridicamente vinculantes. Para Kelsen isso constitui um erro, pois “fonte de Direito, isto é, [...] , aquilo de que o Direito nasce, aquilo que produz Direito, só pode ser o Direito, pois é o Direito que regula a sua própria produção”[63]. Em sua Teoria pura do direito,Hans Kelsen também aborda a segurança jurídica ao tratar do tema interpretação da ciência jurídica. O autor distingue a interpretação do direito feita pela ciência jurídica da interpretação realizada pelos órgãos jurídicos[64]. Hans Kelsen assevera que a “interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas”[65]. Essa interpretação diferencia-se da interpretação realizada pelos órgãos jurídicos, visto que não se trata de criação jurídica[66]. “A interpretação jurídico-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica. Como conhecimento do seu objeto, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades por si mesma reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito”[67]. Hans Kelsen esclarece que à interpretação cientifica cabe tão somente determinar as significações da norma jurídica, pois a decisão de qual das possibilidades hermenêuticas será empregada cabe ao órgão aplicador do direito. Kelsen asevera que “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, [...], a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, [...], uma só interpretação: a interpretação correta”[68]. Para o autor uma única interpretação seria “uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica”[69]. Hans Kelsen admite ser inegável que a ficção da univocidade das normas jurídicas, analisada sob o campo da política, pode ter grandes vantagens, mas ressalta que nenhuma vantagem política justifica a utilização de uma tal ficção numa exposição científica do direito positivo, considerando como única correta, de um ponto de vista científico objetivo, uma interpretação que, de um ponto de vista político subjetivo, é mais desejável do que uma outra, igualmente possível do ponto de vista lógico[70]. A interpretação jurídico-científica deve ser isenta de influências políticas. Deve apresentar as significações possíveis para a norma jurídica independentemente de juízos de valor. A interpretação rigorosamente científica de uma norma que revele todas os significados possíveis, inclusive aqueles que são politicamente inconvenientes e que não foram imaginados pelo legislador ou pelas partes que celebraram o contrato, mas que estão presentes na fórmula verbal por eles escolhida, pode ter um resultado prático superior a vantagem política da ficção do sentido único[71]. Tal interpretação científica corre o risco de apresentar à autoridade legisladora quão distante está a sua obra de saciar a exigência técnico-jurídica de uma formulação de normas jurídicas o mais possível inequívocas ou, ao menos, de uma elaboração realizada de tal meneira que a inevitável plurissignificação seja reduzida ao mínimo e, desta forma, se obtenha o maior grau possível de segurança jurídica. Percebe-se que a segurança jurídica é assunto de grande relevância para Hans Kelsen, que trata do tema tanto no processo de criação do direito quando na interpretação das normas jurídicas. Para Kelsen a lei é considerada como a principal fonte do direito e é também potenciadora da segurança jurídica. A vantagem da lei escrita consiste no fato de o cidadão poder prever a sua conduta, e o juiz não poder decidir casuisticamente, mas com base na lei, o que faz com que as decisões sejam previsíveis. No tocante a hermenêutica jurídica, embora possam haver interpretações diferentes de uma mesma lei, não podem existir mudanças substanciais, e as plurissignificações da norma devem ser reduzidas ao mínimo possível para salvaguardar a segurança jurídica. Preocupado com a segurança jurídica, Hans Kelsen elaborou uma ciência do direito livre de influências políticas e de juízos de valor. O mesmo ocorre com a interpretação jurídica, que de acordo com Kelsen não deve declinar-se para a norma mais justa ou para a interpretação mais correta, mas deve, tão somente, descrever as possibilidades de interpretação. Tanto em seu projeto de elevar o direito à posição de ciência jurídica quanto no estudo acerca dos métodos de interpretação jurídica Hans Kelsen utilizou-se do pensamento científico e com fundamentos objetivos pretendeu trazer segurança jurídica ao direito. 4 Considerações finais Verificou-se, a partir da análise da Teoria pura do direito, que Hans Kelsen aborda o tema segurança jurídica ao tratar do que ele denomina de “sistemas jurídicos”, quais sejam: o sistema da livre descoberta do direito e o sistema da descoberta do direito vinculada a lei. No primeiro sistema, a criação do direito se dá de forma livre e não há sequer um órgão legislativo central que estabeleça normas. No segundo, a produção legislativa é centralizada a um órgão legislativo incumbido de elaborar normas e aos tribunais cabe a tarefa de aplicar tais normas elaboradas anteriormente por via legislativa. O que verdadeiramente diferencia os sistemas jurídicos é o grau de centralização ou descentralização da função legislativa, que é inversamente proporcional a segurança jurídica: quanto maior o grau de descentralização da criação do direito menor a segurança jurídica. Quanto à interpretação das normas jurídicas, Hans Kelsen afirma que não há univocidade na interpretação das normas. As normas prescrevem um dever ser para o indivíduo, mas a interpretação dada à norma não é singular, apesar de em muitos casos, por questões políticas se queira apresentar uma única significação para uma norma. A univocidade de interpretação para a norma, no entender de Kelsen, constitui um juízo de valor do indivíduo que interpreta a norma. É tarefa da hermenêutica jurídica determinar as significações possíveis da norma jurídica, já a escolha de qual das possibilidades hermenêuticas será empregada cabe ao órgão aplicador do direito. A interpretação jurídico-científica deve apenas descrever as possibilidades semânticas da norma, tem de ser objetiva, e, portanto, livre de influências políticas. Deve apresentar as significações possíveis para a norma jurídica independentemente de juízos de valor. Hans Kelsen reconhece que a univocidade das normas pode ser vantajosa e admissível em determinados casos, como ocorre quando, por exemplo, um operador do direito para defender seu cliente interpreta, politicamente, a norma da forma mais benéfica aos seus interesses. Não obstante, a interpretação científica deve ser livre de influências políticas, pois deve apresentar todas as significações possíveis, independentemente de juízos de valor. Para Hans Kelsen, a interpretação científica das normas jurídicas pode demonstrar ao legislador que a sua obra pode estar distante da exigência técnico-jurídica da elaboração de normas jurídicas claras, inequívocas e que a criação legislativa deve ocorrer de tal forma que a inevitável plurissignificação seja reduzida ao mínimo possível, objetivando o maior grau possível de segurança jurídica.

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