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Inimputabilidade e encarceramento

Por:   •  26/11/2016  •  Artigo  •  2.604 Palavras (11 Páginas)  •  329 Visualizações

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Inimputabilidade e encarceramento: a experiência do Instituto Heitor Carrilho e dilemas contemporâneos.

Unimputability and imprisonment: the experience of the Institute Heitor Carrilho and contemporary dilemmas.

Tiago Mascarenhas da Costa Marques.

Mestrando em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

tih_masca@live.fr

Resumo: O presente trabalho busca trazer algumas reflexões interdisciplinares quanto aos reflexos da Anti-manicomial no tratamento dos indivíduos portadores de transtornos mentais em conflito com a lei. A experiência do HCTP Heitor Carrilho é aqui referenciada por sua posição especial dentro do contexto, assim como as dificuldades no processo de reinserção desses cidadãos, por vezes legados ao esquecimento pelas próprias famílias e pelo sistema penal, que mantém-se conservador e reprodutor de stigmas em relação ao tema. É preciso, portanto, repensar as práticas sociais em tais ambientes de reclusão e tratamento.

Palavras-chave: Manicômio. Desinternação. Redes familiares. Sistema penal.

Abstract: This work seeks to bring some interdisciplinary reflections about the Anti-asylum reflections in the treatment of individuals with mental disorders in conflict with the law. The experience of CPTH Heitor Carrilho is here referred to by its special position within the context as well as the difficulties in the reintegration of these citizens process sometimes bequests to oblivion by their families and the penal system, which remains conservative and stigmas player in the subject. It is therefore necessary to rethink the social practices in such seclusion environments and treatment.

Keywords: Madhouse. Suspension of internement. Network family. Criminal system.

1 Introdução

O advento da Lei 10.216/01, inegavelmente trouxe uma série de mudanças – em muitos aspectos, derrogou o disposto sobre a medida de segurança abarcada pelo Código Penal e pela Lei de Execuções Penais – no tratamento dispensado aos indivíduos inimputáveis (CP, art. 26, caput), autores de delitos e infrações penais.

A chamada Lei anti-manicomial, dispõe essencialmente sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e dá nova roupagem ao modelo assistencial em saúde mental, pondo fim – ao menos no campo legislativo – às instituições asilares.


O diploma legal mencionado, foi o ápice de um processo de conquistas e retrocessos que envolveu diversos setores da sociedade, especialmente após a década de 1970. A figura do manicômio, encerrava um campo simbólico dramático, de uma instituição notadamente violadora de direitos humanos básicos. Em 09 de junho de 1989, o Brasil ratificou, sem qualquer reserva ou declaração, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, consistindo esta em todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, independentemente da finalidade, bem como métodos tendentes a anular a personalidade da vítima (Convenção, artigo 2°).

Todavia, apesar do legislado, de forma velada, muitas instituições desse porte ainda permanecem. Segundo a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em documento divulgado em setembro de 2016, ainda existiriam cerca de 240 pessoas internadas cumprindo a malfadada Medida de Segurança.1 

Neste sentido, procuramos referenciar a experiência do antigo Manicômio judiciário, e atual Instituto de Perícias Heitor Carrilho. Atualmente, sem internos, mas que por décadas funcionou como instituição destinada ao acolhimento de indivíduos identificados como criminosos portadores de transtornos mentais.

Por derradeiro, dedicaremos atenção aos dilemas contemporâneos que perpassam a forma de tratamento adequada a esses indivíduos, e as resistências existentes em nosso sistema judiciário e penal.

2 O Instituto Heitor Carrilho:

Um dos três HCTPs do Rio de Janeiro e o primeiro a ser inaugurado no Brasil, em 1921, tendo funcionado desde suas origens sob a alcunha de “Manicômio judiciário”, o HCTP-Heitor Carrilho fica localizado no bairro Estácio de Sá, na capital do estado do Rio Janeiro

Segundo dados da obra “A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil”,2 onde a -pesquisadora Débora Diniz elabora um verdadeiro censo sobre a situação dos HCTPs no país, em 2011, o HCTP-Heitor Carrilho vinculava-se à Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, sendo a época a décima segunda unidade em população dos HCTPs e das Alas de Tratamento Psiquiátrico (ATPs), o que correspondia a 3% da população dos 26 Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (ECTP) do país e a 7% das pessoas internadas nos estabelecimentos da Região Sudeste.

Em 2011, a a população total do HCTP-Heitor Carrilho era de 119 indivíduos, entre os quais 114 estavam em medida de segurança. Destes, 72 não deveriam estar internados sob essa rubrica, pois já possuíam Laudos de periculosidade cessada ou sentença de desinternação, medida de segurança extinta ou internação sem processo judicial.

A coleta de dados, referenciou que a média etária da população da Instituição era de 46 anos. No aspecto étnico, pretos e pardos somavam 56% da população e brancos, 32%. Predominavam indivíduos do sexo masculino (81%). Quanto à escolaridade, 30% eram analfabetos, 39% tinham o ensino fundamental incompleto, 13% tinham o ensino fundamental completo, 3% tinham o ensino médio e um único indivíduo tinha o ensino superior.

Das 114 medidas de segurança do HCTP-Heitor Carrilho, havia uma concentração de homicídios, com 39% das medidas de segurança, seguida de crimes contra o patrimônio, com 21% e de tentativas de homicídio, com 14%.

Após a entrada em vigor da Lei Paulo Delgado, a situação mudou bastante no instituto, embora, como já apontado, em 2011, ainda havia considerável presença de internos. Foi apenas, no correr do processo de extinção, que o HCTPHC ficou destinado a "porta de saída" de homens e mulheres (dependentes químicas ou com transtorno mental) que se encontravam em três situações de acolhimento: longa permanência institucional, final de medida de segurança, ou, de desinternados abrigados sem rede social de apoio.

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