Nascituro
Por: Paula Brentan • 3/6/2015 • Monografia • 14.798 Palavras (60 Páginas) • 382 Visualizações
INTRODUÇÃO
Em face ao desenvolvimento da sociedade, o Direito procura adaptar-se para atender às necessidades da coletividade. Assim, pela influência da nova realidade dos homens, a reformulação do Código Civil Brasileiro acarretou essenciais inovações ao Direito, porém, no que tange ao nascituro, permanecem ainda contradições que abrem margem para a bifurcação de teorias acerca do tema: quando se dá o início da personalidade? Quando o nascituro é considerado pessoa? Desde a concepção? Desde o nascimento?
Desde os tempos mais antigos já se notava na doutrina cristã diversos estatutos que elevavam a dignidade da pessoa humana como princípio, que asseguravam um mínimo de proteção ao direito à vida e à preservação do homem.
É uma conquista do princípio da dignidade da pessoa humana a consagração do ser humano como valor supremo do ordenamento jurídico, semeando todas as normas com esse conteúdo e passando a imprimir o valor da dignidade aos diversos direitos e princípios jurídicos.
O direito civil por um longo período esteve caracterizado pelo predomínio de uma concepção puramente patrimonialista, em detrimento da efetiva proteção do ser humano. Após esse predomínio, percebe-se a revalorização do ser humano e, com esse reconhecimento da pessoa humana como centro do ordenamento, mostra-se imprescindível a proteção da personalidade e dos direitos a ela inerentes. Os direitos de personalidade e outros próprios à sua condição atualmente são protegidos tanto pela Constituição Federal quanto pela legislação infraconstitucional, pois, como eixo central do ordenamento jurídico, devem ser protegidos de forma ampla e irrestrita, em conformidade com os ditames constitucionais. A proteção da pessoa é uma tendência marcante no atual direito.
Não pode haver tema de maior relevância para o direito civil, pois, se a pessoa humana é sujeito de todas as relações jurídicas, imprescindível o seu entendimento. E não só a personalidade cresce em importância, como, cada vez mais, estão em evidência os direitos da personalidade. Se esses inicialmente eram protegidos de forma tímida, atualmente têm sua tutela codificada, e garantida constitucionalmente.
É a personalidade jurídica que garante ao ser humano o gozo dos seus direitos na esfera social, sendo que essa condição individual é inerente a toda e qualquer pessoa viva. Todavia, o início da personalidade possibilita uma árdua discussão entre os pesquisadores do Direito. O Direito Brasileiro só concede personalidade ao nascituro após o nascimento com vida, mas resguarda os seus direitos desde a concepção. Nota-se uma contradição, pois não se pode atribuir direitos àquele que não possui personalidade, porém não se pode ignorar o nascituro como se não existisse. Apesar das importantes renovações do Código Civil de 2.002 no que tange à dignidade da pessoa humana, parece que faltou coragem ao legislador em prever os direitos do nascituro de maneira expressa, clara, objetiva.
A falta de embasamento legal, aliada à legislação conflitante, estabelece mais questionamentos e insere poucas respostas. Há diversas doutrinas, contudo, falta legislação específica que aborde o tema, e a pouca que existe deve ser interpretada em consonância com a conjuntura social.
E a atual conjuntura social engloba o avanço da tecnologia, que provoca alterações de grande relevância na vida social, com a mudança de hábitos e procedimentos, ocasionando em certos assuntos mudança de conceitos na sociedade, como os em relação à fertilização in vitro e aos experimentos com embriões.
A discussão começa exatamente quando se dá a “Vida”, quando se é “Ser Humano” de fato e quais direitos são assegurados a quem vive e a partir de quando.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu título II, dos Direitos Fundamentais, Capítulo I, assertivamente diz que “A Criança e o Adolescente têm o direito à proteção, à vida e à sua saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existências”. Para permitir o nascimento sadio e harmonioso de uma criança, necessário se faz colocá-lo em posição de pessoa sujeita de direitos. Destarte, peca o Código Civil ao deixar de citar o nascituro como detentor de personalidade, nos termos do o artigo 2º do Código Civil Brasileiro.
O problema relacionado aos alimentos do nascituro envolve uma questão concreta vinculada ao mais elementar direito do ser humano: o direito à vida. A Lei 11.804 de 05 de novembro de 2008 trouxe mais segurança ao plano jurídico ao disciplinar acerca dos alimentos gravídicos.
Como principal direito fundamental, do qual todos os demais se originam, o direito à vida invoca especial proteção da norma jurídica, na medida em que, sem ele, não há de se falar em uma tutela eficaz dos direitos fundamentais, tanto é que há a criminalização do aborto na legislação nacional, permitindo-o apenas em casos específicos, que é o caso dos mencionados expressamente na legislação e os casos, de decisão recente, dos fetos portadores de anencefalia.
Destarte, diante da figura do nascituro e sua situação perante o direito brasileiro na forma controversa que se apresenta, propõe-se um breve estudo deste tema apaixonante, sobretudo uma abordagem jurídico-global observando o tratamento dado ao nascituro em alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros.
I CAPÍTULO - O TRATAMENTO JURÍDICO ACERCA DO INÍCIO
DA PERSONALIDADE
1. Disposições acerca de pessoa natural, personalidade e capacidade
A sociedade, que é constituída por pessoas, é regulada e ordenada pelo Direito.
As pessoas são sujeitos de Direito, que é atributo exclusivo destas, pois são elas que se relacionam dentro da sociedade. Logo, a pessoa é o próprio sujeito de direito nas relações jurídicas. Somente o ser humano pode ser titular das mesmas.
Conforme Silvio de Salvo Venosa, “no sentido jurídico, pessoa é o ente suscetível de direitos e obrigações”[1], seja essa pessoa física (o homem isoladamente) ou jurídica (as entidades personificadas). Ou seja, pessoa é o ser capaz de exercer direitos e contrair obrigações.
Por vez, personalidade é o conjunto de atributos jurídicos ou aptidões, que se adquire quando o homem nasce com vida, passando a ser sujeito de direito. Mesmo o nascituro, isto é, aquele concebido, mas ainda não nascido, tem, no direito positivo brasileiro, resguardados seus direitos, conforme o artigo 2º do Código Civil Brasileiro de 2.002: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Nas palavras de Venosa, “personalidade jurídica, pois, deve ser entendida como a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, atributo este que não é concedido ao nascituro, mesmo este sendo juridicamente protegido”[2]. E continua: “a personalidade jurídica é projeção da personalidade íntima, psíquica de cada um; é projeção social da personalidade psíquica, com consequências jurídicas”[3].
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