O DIREITO A CIDADE
Por: Eric Gato • 15/8/2017 • Artigo • 3.871 Palavras (16 Páginas) • 409 Visualizações
O Direito à Cidade e a ocupação de áreas úmidas por populações tradicionais em Macapá/AP
REZENDE, Tayra Fonseca[1]
OCTEUS, Gaspard[2]
Resumo
Introdução
A ocupação tradicional, em palafitas, nas áreas de ressaca é forma de habitação comum no Estado do Amapá, presente na capital deste Estado. Estas populações se apresentam em guetos que correspondem a uma necessária ausência do Poder Público. Tais áreas são circuitos de encapsulamento de grupos sociais em processos escalonados de exclusão social. A política de moradia e prestação de serviços básicos são rarefeitos, quando não inexistentes, criando subespaços de produção da urbanidade, onde não há dever de garantia de direitos mínimos de cidadania. Assim, precisa-se catalogar e produzir dados empíricos da realidade destas populações, evidenciando algo que está escondido por detrás do asfalto e dos serviços públicos em evidência.
O presente trabalho pretende mapear as políticas públicas na área de ressaca do Bairro do Pacoval na cidade de Macapá/AP, buscando constatar a qualidade do Direito à Cidade dessa população e, em que medida, as novas políticas de realocação e remoção destas populações lhes possibilitam ou negam acesso a outros serviços públicos essenciais.
Trata-se de uma revisão bibliográfica e documental, que se soma à atividade de estudo de caso, sendo basicamente, uma pesquisa qualitativa que, ligada a estruturas do método descritivo, permitirá a arquitetura das estratégias administrativas locais para tratamento e enfrentamento das ocupações ilegais no município.
Neste sentido, surge enquanto desafio conceituar áreas de ressaca e definir o tipo de ocupação destas áreas, vinculando-o ao instituto do Direito à Cidade, ao fim, identificar as rotas de transposição destas populações e, verificar quais são os serviços públicos disponíveis nestas novas localidades.
1 Áreas de Ressaca e Ocupação Tradicional
A cidade de Macapá é marcada por áreas de “ressacas”, que, segundo Santos Filho (2011), são campos de inundação de grande extensão que surgem de micro bacias de drenagem. Tais áreas constituem-se de terrenos baixos e alagadiços que se prestam para a manutenção dos lençóis freáticos, regulação do nível do Rio Amazonas (transportador da água das chuvas), fundamentais para evitar as enchentes, a erosão do litoral, contribuindo ainda para a manutenção do clima. São, portanto, áreas úmidas, identificadas como campos herbáceos periodicamente inundáveis, que funcionam como bacias de acumulação e drenagem de água das chuvas. “[...] São ecossistemas em terrenos baixos, ao longo de igarapés e canais” (SEMA, 2006). Segundo Santos Filho, é nesses espaços úmidos que muito desses imigrantes oriundos de outros estados estão encontrando espaço “gratuito” para a construção de suas moradias (2011).
No município de Macapá, a ausência de políticas públicas habitacionais leva a expansão desordenada da urbanidade, inclinando ocupações em lugar não vocacionados para tanto, seja porque indicados como impróprios para ocupação humana pelo Plano Diretor, mas também porque são áreas com outras funcionalidades para a sustentabilidade da cidade, como as áreas de proteção ambiental. Tais ocupações acarretam sérios problemas socioambientais, pois lhes faltam o acompanhamento, a expansão e a melhoria da infraestrutura urbana e dos serviços sociais básicos, o que é agravado pelo quadro de pobreza crescente e pela falta de empregos (LIMA apud SANTOS FILHO, 2011).
Santos Filho destaca alguns fatores que contribuíram para o aumento populacional da cidade de Macapá, como: a falência do projeto de exploração de jazidas de manganês na Serra do Navio, a transformação do Território Federal do Amapá em Estado pela Constituição Federal de 1988, artigo 14 dos atos das Disposições Constitucionais Transitórias e a regulamentação da Área de Livre Comércio de Macapá e Santana – ALCMS (Senado Federal, 2005). Diz ele que a criação da área de Livre Comércio de Macapá e Santana também é um dos principais fatores responsáveis por esse aumento demográfico nos últimos anos (2011).
Embora o Plano Diretor de Macapá ordene a expansão e a ocupação urbana da cidade em direção oposta a ocupação das ressacas, buscando evitar a ocupação que possa evitar sua degradação, seus planos de proteção e recuperação se apresenta incapaz de produzir efeitos reais, já que os espaços geográficos disponíveis para remoção e realocação destas populações são em demasia longe do centro da cidade e com transporte público rarefeito. Não somente por esta razão, já que são múltiplos indicadores [a]existentes para o problemas da ocupação irregular, esta se inclina para exatamente para expansão das áreas as quais a legislação proíbe. Dentre esses indicadores,[b] o Banco Mundial estima que, dos problemas relacionados ao ambiente doméstico como saneamento, lixo e poluição de ambientes internos são responsáveis por 30% de doenças, demonstrando que são inegáveis os impactos da degradação ambiental na saúde humana. Nesse sentido, é comum o aparecimento, nessas áreas, de doenças epidêmicas como: malária, dengue, leptospirose, febre amarela, verminoses e gripes com maior frequência (Hogan, 2000; Banco Mundial, 1993 in SANTOS FILHO, 2011).
A situação é plenamente compreensível do ponto de vista dos ocupantes, por diversas razões, já que os indivíduos não precisam pagar pelos terrenos nas áreas de ressaca, desenvolvendo um verdadeiro processo de ocupação irregular, seja porque não detém o título, ou porque se trata de um espaço de preservação ambiental que não permite a presença humana.
Neste sentido, as áreas de ressaca passam a ser lugar de ocupação e habitação, mas longe de ser um fenômeno novo, a ocupação de áreas de alagado faz parte da tradição e cultura do povo amapaense. Contudo, é pratica reiterada e atualizada, produzida em ação contínua e continuada, ou seja, as áreas de ressaca vão sendo ampliada pela prole dos moradores locais e recebem novos moradores. Cria-se, até mesmo, um mercado imobiliário clandestino, onde se vende terrenos e imóveis em áreas de ressaca.
A ampliação deste tipo de ocupação deriva, em grande medida, do processo de crescimento e concentração demográfica que Macapá sofre, principalmente, nos últimos 10 anos. A expansão da ocupação urbana “pressionam as áreas de ressaca legalmente protegidas no entorno urbano” (BRITO, 2003, p. 90-1). O déficit habitacional de Macapá, em 2009, foi de 25 mil residências, um número que explica o aumento das invasões ocorridas em torno das áreas de ressacas e outras áreas protegidas (Jornal do Dia, 200I in SANTOS FILHO, 2011). A Secretaria Municipal do Meio Ambiente informa que 98% das pessoas que ocupam as áreas de ressacas são migrantes (COHRE, 2006 in SANTOS FILHO, 2011).
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