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RESENHA CRÍTICA – CONTO DE AIA (MARGARETH ATWOOD)

Por:   •  7/11/2018  •  Artigo  •  1.074 Palavras (5 Páginas)  •  264 Visualizações

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                            RESENHA CRÍTICA – CONTO DE AIA            

                                (MARGARETH     ATWOOD)

                              GUILHERME M F RODRIGUES

                                                                GOIÁS

           

                                                        MARÇO – 2018


                         “O Conto da Aia” é um romance que dialoga fortemente com a realidade política a nível mundial: governos autocráticos, terrorismo, extremismo religioso, opressão. É impressionante como o livro reflete muito bem a situação no mundo hodierno. O terror tem-se início quando cristãos radicais assumem o controle do governo norte-americano após um golpe de estado que culminou no assassinato do presidente e dos membros do congresso. Eles revogaram a constituição e transformaram os EUA na República de Gilead, com novas leis alicerçadas nos princípios bíblicos do Velho Testamento. Todas as mulheres foram obrigadas a assumirem um papel de submissão aos homens, perderam todos os direitos (inclusive sobre si mesmas), foram demitidas de seus empregos e seus bens foram confiscados. Homens e mulheres são subjugados ao novo regime, assumindo funções específicas para a perfeita manutenção da nova sociedade.

                        O livro vem ganhando sucesso no momento em que mulheres, ao redor do mundo, têm unido forças contra o machismo. Porém, embora haja o apelo midiático e feminista em torno da obra (que recentemente tornou-se série televisiva de sucesso), a própria autora já declarou não se tratar de um romance de cunho feminista. De qualquer forma, “O Conto da Aia” consegue causar no leitor tamanho desconforto e angústia por nos alertar sobre os rumos que estamos tomando enquanto seres humanos, além de evidenciar como a mulher é vista e tratada em muitos lugares e culturas do mundo. A obviedade da questão é tamanha que, poucos dias atrás, uma vereadora do Rio de Janeiro chamada Marielle Franco (PSOL) foi morta a tiros no centro da cidade. A vereadora era uma das líderes no ativismo contra o machismo, racismo, homofobia e entre outros crimes contra minoria.

                       O que é mais sombrio no livro de Atwood, contudo, é o modelo de sociedade que emerge de uma civilização afundada em um mal-estar coletivo e generalizado. A partir de um golpe de Estado extremamente bem arquitetado – com a ajuda da tecnologia e da crescente automação de sistemas e meios de produção – os homens tomaram o controle e instituíram uma espécie de ditadura religiosa e patriarcal que se sustenta com base na necessidade de aumentar a taxa de fertilidade na República de Gilead, os Estados Unidos “na época de antes”, como relembra a narradora.                            

                      Margaret Atwood não inventou a roda, cada uma das situações retratadas no livro tem fundamentação histórica. As vestimentas, a gravidez forçada, a culpabilização das mulheres pela infertilidade ou pelo estupro, o regime totalitário, tudo isso foi visto diversas vezes ao longo da nossa história. E isso existe em nosso mundo, hoje. O regime de Gilead se fundamenta muito na bíblia, o ritual para a concepção de filhos por qual as Aias são obrigadas a passar é baseado história bíblica de Raquel, contada em Gênesis 30:1-5: “Vendo Raquel que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã, e disse a Jacó: Dá-me filhos,se não morro. Então se acendeu a ira de Jacó contra Raquel, e disse: Estou eu no lugar de Deus, que te impediu o fruto de teu ventre? E ela disse: Eis aqui minha serva Bila; coabita com ela, para que dê à luz sobre meus joelhos, e eu assim receba filhos por ela. Assim lhe deu a Bila, sua serva, por mulher; e Jacó a possuiu. E concebeu Bila, e deu a Jacó um filho”.

                         Quando falamos em transposição para nossa realidade, é preciso ter noção de onde estamos. Mulheres estão indo às ruas para protestar contra a opressão, contra retirada de direitos, contra racismo, enquanto muitas figuras importantes do nosso país remam contra essa maré. Mulheres são mortas por serem mulheres, são silenciadas na internet, perseguidas, ofendidas, apenas por darem opinião. A autora tira o leitor de sua zona de conforto para falar de cultura do estupro, liberdade, direitos civis e das mulheres, poder e fundamentalismo. Esta não é uma leitura agradável, nem deveria ser, na qual mulheres são culpadas pelas violências que sofrem e onde servem para apenas reprodução ou qualquer outra função fixa, sem direitos, liberdade e voz. O cenário hipotético criado por Margaret Atwood está mesmo, ali na esquina, porque a obra é uma leitura que machuca a cada virada de página, mas a dor, aqui, é necessária e, mais do que isso, é esclarecedora.

                                           

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