O longo século XX - A dialética entre mercado e planejamento.
Por: Murillo Lima • 2/2/2016 • Resenha • 1.758 Palavras (8 Páginas) • 1.362 Visualizações
Resumo: ARRIGHI, Giovanni. Cáp. IV: O Longo Século XX. In: O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Editora Unesp, São Paulo, 1996, pp. 247-336.
A dialética entre mercado e planejamento.
As estratégias e estruturas de acumulação de capital que moldam nossa época surgiram nos últimos 25 do século XIX. Quarto ciclo sistêmico de acumulação, o americano, é caracterizado por uma economia de velocidade. Integração dos processos de produção e distribuição em massa deu origem a um novo tipo de empresa capitalista, permitindo planejamento de longo prazo. Fluxos grandes e regulares gerados pela concentração de atividades empresariais permitiram uma vantagem comparativa das empresas verticalmente integradas. Quase inexistentes nos anos 1870 as empresas integradas dominariam muitas indústrias vitais dos Estados Unidos em menos de 30 anos. A expansão para o exterior, o “desafio americano” como chamaram os europeus, aumentou ainda mais a capacidade organizacional das hierarquias administrativas.
Para Arrighi, a economia sistema-mundo capitalista apresenta oscilações pendulares caracterizados por períodos de maior liberdade ou de regulação econômico. As companhias de comércio e navegação holandesas são exemplos de maior fusão entre Estado e mercado, enquanto as britânicas apresentaram maior liberdade econômica. A opção entre o livre comércio ou o monopólio seria feita segundo as necessidades de cada ciclo sistêmico de acumulação, o que denota a flexibilidade da economia sistema-mundo capitalista. A integração dos mercados do mundo e a interdependência entre as nações não levou ao enfraquecimento das tensões competitivas. Ao contrário, com a expansão da indústria moderna o princípio marshaliano de substituição tornou-se ainda mais forte. Houve a amplificação dos lucros e das perdas dos donos dos subprocessos, onde ramos da indústria logram super-expansão e outros sofrem com limitações. Enquanto o bem-estar econômico da comunidade é favorecido pela interação ininterrupta dos diversos ramos do sistema industrial, interesses pecuniários de negociantes tiram proveito de perturbações do sistema. Arrighi chama essa diferenciação de lógica empresarial pecuniária e lógica empresarial tecnológica. A exemplo da primeira opção os ingleses na segunda metade do século XIX e da segunda os alemães no mesmo período. Por outro lado, brotaram movimentos e instituições poderosas de resistência aos efeitos perniciosos da economia controlada pelo mercado. O ciclo sistêmico de acumulação liderado pela Inglaterra baseado no círculo virtuoso de submissão voluntária da moeda nacional a um feitor metálico e a expansão ultramarina das redes de poder e acumulação.
Na segunda metade do século XVIII, a Inglaterra passa a enfrentar dificuldades competitivas tanto interna quanto externamente. O governo passou a impor medidas restritivas à exportação de ferramentas e máquinas e mão de obra qualificada. O desenvolvimento da indústria para além da capacidade de consumo interna também gerou desiquilíbrios internos, turbulências econômicas e sociais. A indústria mecanizada também tornou a Inglaterra dependente de fontes estrangeiras de suprimentos essenciais (especialmente algodão cru). Em suma, desde o fim do século XVIII a competitividade da indústria inglesa dependia de insumos externos e comercialização com mercados estrangeiros de modo que fim na expansão da indústria de algodão e do mercado de bens de capital um modo de aumentar o poder e a riqueza britânicos. A guerra de independência dos Estados Unidos demonstrou a fragilidade da expansão industrial inglesa com o golpe sofrido no abastecimento de algodão cru e nas exportações para a colônia. Assim, espaços econômicos grandes e desprotegidos como a Índia tornaram-se alvo. Isso significou a transplantação da indústria inglesa para Índia e a destruição da indústria têxtil deste país com a abolição do monopólio da Companhia das Índias Orientais e a introdução do livre comércio. A expansão do imperialismo britânico foi centrada nos excedentes indianos de capital e trabalho.
Às vésperas da Grande Depressão, o capitalismo familiar ainda era regra na Alemanha e Inglaterra, mas já na virada do século notava-se um estrutura empresarial muito centralizada, cada vez maiores e mais complexas. O que viria a predominar desde então até a década de 1970 como será visto a seguir. As empresas alemãs buscaram na racionalidade tecnológica meios de competir com a racionalidade pecuniária inglesa. A luta interestatal pelo poder, contudo, tendeu a minar a capacidade da burguesia, na maioria dos países, externalizar os ônus dessa luta. Quanto mais poderoso se tornou o Reich, mais próximo ficou de entrar em colisão com a Inglaterra imperialista, o que resultou na Primeira Guerra Mundial onde a Alemanha sai como um quase-Estado. O capitalismo alemão de corporações se mostrou um pequeno fracasso econômico, e um grande fracasso político-social frente ao imperialismo britânico de livre comércio.
O quarto ciclo sistêmico de acumulação (norte-americano)
A belle époque marcou o ápice do imperialismo de livre comércio inglês. Porém, o maior problema do regime britânico, a intensidade da competição intercapitalista, ainda era latente. A alta dos preços na década de 1890 propiciada pela corrida armamentista entre as potências havia amenizado a intensa competição capitalista marcada pela Grande Depressão (1873-96). Porém, as duas décadas seguintes de crescimento das taxas de lucro da burguesia foram barradas pelo aumento dos gastos em proteção que culminaram na Primeira Guerra Mundial. Como resultado da Primeira Guerra, o destino financeiro dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram invertidos em boa medida. Com os excedentes da balança comercial americana e seus créditos de guerra, os Estados Unidos equipararam-se à Inglaterra na produção e regulação do dinheiro mundial, o dólar americano tornou-se uma moeda de reserva, tal como a libra esterlina. Todavia, a capacidade dos Estados Unidos de administrar o sistema monetário mundial continuava inferior à britânica. Em 1928, a alta de Wall Street começou a desviar os recursos dos empréstimos externos para especulação interna. À medida que os bancos dos Estados Unidos cancelaram seus empréstimos europeus, a exportação líquida de capitais norte-americanos despencou. Com a quebra de Wall Street os países foram obrigados a adotar medidas para proteger suas moedas. No fim da Segunda Guerra Mundial foram estabelecidas as novas bases do sistema monetário mundial, novos meios de violência (nuclear) e novas regras de legitimação da gestão do Estado e da guerra. A centralização do poder financeiro mundial em direção aos Estados Unidos foi ainda maior, uma versão ampliada do que já havia acontecido na Primeira Guerra Mundial. Em 1947, as reservas de ouro norte-americanas equivaliam a 70% do total mundial. Nota-se que a derrocada final da economia mundial centrada na Inglaterra foi muito positiva para os Estados Unidos. Essa experiência foi mais um exemplo de enriquecimento em meio ao caos sistêmico como já havia experimentado Veneza no século XV, Províncias Unidas, no XVII e Reino Unido, no XVIII.
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