FILME "ZONA DE CRIME" E DIREITO FORTE
Tese: FILME "ZONA DE CRIME" E DIREITO FORTE. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: juh1106 • 30/8/2014 • Tese • 2.583 Palavras (11 Páginas) • 480 Visualizações
FILME
A “ZONA DO CRIME” E A LEI DO MAIS FORTE
Marcel Figueiredo Gonçalves
Um automóvel de luxo com o vidro tão escurecido que não se pode ver o que por dentro dele se passa. O reflexo que traz, como um espelho fiel à realidade, é o de mansões com jardins que lembram pinturas. Esse é o condomínio mexicano de luxo chamado La Zona, título original do filme “Zona do Crime”. Dirigido por Rodrigo Plá, o filme foi vencedor do prêmio FIPRESCI da Crítica Internacional do Festival de Cinema de Toronto (2007), do prêmio Luigi De Laurentiis do Festival de Veneza (2007) e, também, dos prêmios de melhor direção e fotografia do Festival de Cartagena (2008).
A intenção do diretor é clara e assumida do início ao fim do drama, qual seja, a de escancarar os problemas sociais nos quais estamos todos mergulhados: a bipolaridade entre ricos e pobres, o egoísmo e o individualismo de uma sociedade altamente complexa, o descaso para com os problemas sociais nossos, a desconfiança e o descrédito nas instituições públicas, a corrupção e o mau funcionamento das mesmas e, dentre tantas outras questões, o risco de se fazer injustiça com as próprias mãos. Os problemas nos são passados com tanta clareza e realismo que uma reflexão – ainda que breve – torna-se obrigatória.
Começa-se com um dos protagonistas do enredo, que é Miguel, 16 anos, representante da faceta da pobreza e exclusão social. Numa noite chuvosa, distraindo-se com sua namorada e dois amigos dentro de um ônibus estacionado, percebe ele a queda de um “outdoor” sobre a muralha do condomínio. Aproveitando-se do defeito causado nas câmeras de segurança privada, entram os rapazes para furtarem um dos casarões.
No interior da residência muito bem decorada, naquele momento escura, começam a furtar objetos valiosos, principalmente jóias. A escuridão é interrompida pelo acender de um abajur. É Mercedes, proprietária do imóvel, vestida com seu roupão branco, que lhes aponta uma arma: “soltem tudo, tudo!”. Miguel, por trás da mulher, acerta-lhe a cabeça com uma bengala, sangra muito. Soa-se o alarme, saem todos correndo. Os dois amigos de Miguel são mortos na troca de tiros com os vizinhos, mas ele continua vivo. Corre, mas não foge. Não foge porque os muros que cercam La Zona são realmente altos, protegidos com arames farpados, cercas elétricas e câmeras, o que já demonstra uma realidade claramente vivida nos tempos atuais: a busca por segurança.
Quando os homens se vêem com uma sempre evoluída qualidade de vida, há como que uma natural tendência em se repugnar a insegurança, a incerteza, os riscos. O desejo por segurança máxima é unânime nas sociedades ocidentais[1]. Tal afirmativa pode ser constatada com o que se denomina “segurança civil”, referente àquela contratada por um grupo de cidadãos particulares, como muito observado nos Estados Unidos da América e Grã-Bretanha, com seus “neighborhood watch”, dirigidos à vigilância de furtos e crimes “menores”. Percebe-se até mesmo a contratação de segurança privada por parte de Estados nacionais: na província de Santa Fé, na República Argentina, existem, por exemplo, 72 edifícios públicos custodiados por segurança privada, isto é, o próprio Estado, teoricamente detentor do poder legítimo do uso da força e da violência (monopólio da segurança pública), se vê contratando segurança privada para si[2].
Não obstante, no contexto do filme, o serviço de coleta de lixo ainda é público. E é exatamente no interior de um caminhão de lixo onde são encontrados os corpos dos dois amigos de Miguel, dando-se materialidade à investigação e aumentando-se a suspeita de homicídio cometido por algum morador do condomínio. Facilitando ainda mais as diligências, a Sra. Estévez e Carolina, respectivamente mãe e namorada de Miguel, vão à polícia dar a notícia do seu desaparecimento. Em resumo, há claras evidências da ocorrência de duas mortes e do desaparecimento do jovem de 16 anos. Contudo, sabido é que “desaparecido” ele não está. Está, sim, entregue à vontade dos moradores de La Zona, vontade essa de voltar aos tempos de vingança, vontade de se fazer justiça pelas próprias mãos.
Um daqueles moradores com o intuito vingativo é Gerardo. Sua aparência é a da raça indígena, como o é também a de muitos nascidos na América Latina. Contra ele, contudo, não havia qualquer preconceito. Esse, em considerável número, é fruto de questões sociais, não raciais. Quando Gerardo se depara com o policial inspetor, aparentemente íntegro nas questões de caráter, é questionado sobre os tiros que alguém disse ter ouvido na noite do furto[3]. “Os tiros devem ter sido disparados do outro lado do muro, como sempre”, disse Gerardo. E, não raramente, quem “está do outro lado do muro” possui características físicas e sociais pré-definidas, embutidas na mentalidade da sociedade como uma opinião equivocada sobre a real criminalidade lesiva ao seio social. E aí está outro ponto por nós percebido: no desenrolar da investigação policial e das respectivas descobertas, vê-se um total desprezo de todos os envolvidos pelos menos afortunados. Percebe-se uma diferenciação no tratamento para com os ricos e pobres. Isso pode ser notado, especialmente, na atenção respeitosa dada pela polícia aos moradores do condomínio e, por outro lado, no espancamento e descaso dessa mesma polícia para com a mãe e namorada de Miguel.
Além disso, por parte de diversos moradores das mansões, percebe-se toda uma concentração de esforços para não se ver o problema alheio. Uma sociedade de sujeitos egoístas e individualistas. Há, na sociedade contemporânea, como que a perda pela noção de deveres e uma ampliação desmedida referente ao direito individual. O único dever que tem o indivíduo é para consigo mesmo, enquanto que os deveres para com o próximo se banalizam em função dos interesses, benefícios e prazeres próprios. Os deveres, a solidariedade e a responsabilidade são questões a serem postergadas no tempo frente às constantes reafirmações de direitos que cada qual sente possuir[4]. Baseando-se em estudos de Elías Canetti (Masa y Poder), Norma López Suárez descreve as reações de um grupo frente uma situação específica de perigo, o que pode demonstrar uma das formas causais para o surgimento do individualismo numa sociedade insegura. Quando se está nessa situação, um incêndio, por exemplo, o medo comum, em princípio, fará com que os indivíduos tentem se salvar unidos, como os animais irracionais. Mas se o terror de massa persiste e os espaços de fuga
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