A Cidadania no Brasil
Por: gabriela rachman • 21/11/2017 • Resenha • 3.888 Palavras (16 Páginas) • 530 Visualizações
“CIDADANIA NO BRASIL”, DE JOSÉ MURILO DE CARVALHO
FPN
Abril/2016
O conceito de “ cidadania” e seu significado somente começaram a ter visibilidade no Brasil no fim da Primeira República, em 1930. Para entender melhor a situação política, civil e social desse período até a redemocratização de 1985, é preciso observar e analisar a sociedade capitalista em si, a ponto de compreender as relações de trabalho, divisão de classes e o processo que tornou o ser humano em cidadão.
A história de organização econômica e política mundial teve três divisões. A primeira era a estrutura nômade, na qual havia coletores e caçadores que estavam em constante mudança territorial com o objetivo de encontrar formas de se alimentar para sobreviver. Já a segunda, é a forma sedentária, que surgiu devido à agricultura e pecuária, trazendo consigo a ideia de propriedade. E por fim, as sociedades industriais, que cresceram a partir da Revolução Industrial, que trouxe consigo várias inovações técnicas e filosóficas.
O capitalismo teve uma grande ascensão no ocidente graças a crise no sistema feudal. Esta crise, que causou o fim da Idade Média, trouxe uma maior estabilidade para a burguesia e o seu comércio, gerando um grande fluxo de pessoas do campo para as cidades. Entretanto houve também crise no campo, Revoltas camponesas e a Peste Negra, que geraram muitos saldos negativos para a população.
Desde 1500, momento em que o Brasil estava sendo colonizado, Portugal começou a investir nas Grandes Navegações a fim de descobrir novas rotas marítimas para que encontrasse novos territórios para exploração e comércio. A partir disso, Portugal chega no Brasil com um interesse puramente econômico nas terras, sendo o principal meio para isso era a produção açucareira.
Para o mercado do açúcar no país, por ser uma cultura agrária e de crescimento capitalista, era preciso uma grande mão de obra e o maior acumulo de capital possível. Entretanto, essas premissas acarretaram em um tráfico de escravos da África para o Brasil e, consequentemente, em um aumento da desigualdade social no país, ou seja, embora o capitalismo traga lucro, este fica concentrado na mão de uma minoria de elite. Portanto, a maioria da população vive em condições desiguais, acarretando em um embate de classes. Pode-se observar isso quando Marx afirma: “O opressor e o oprimido permaneceram em constante oposição um do outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou, cada vez, ou pela reconstrução revolucionária de toda sociedade ou pela destruição das classes em conflito. ”
Graças a esse mercado explorador do açúcar, formou- se uma sociedade baseada no latifúndio e com estruturas totalmente escravocratas, fazendo com que a ideia de cidadania no país ficasse cada vez mais afastada da realidade do brasileiro. Isso ocorria não somente com o escravo, que era uma propriedade do dono do engenho, mas também com o homem trabalhador livre e até mesmo com o senhor, pois o primeiro não tinha direitos civis, como a educação por exemplo, e ambos não tinham uma lei geral que garantisse a igualdade de direitos de todos perante uma constituição.
Com a independência, em 1822, o Brasil teve um grande avanço no que tange a direitos políticos, tendo em vista que era possível o sufrágio universal para homens acima de 25 anos e que tinham, no mínimo, uma renda de 100 mil réis, podendo analfabetos votarem. Todavia, embora o país tivesse uma grande unidade territorial, linguística, cultural e religiosa, ainda havia uma população analfabeta, escravocrata, com uma economia latifundiária e monocultora, de origem em um Estado absolutista, ou seja, a concepção de cidadania estava longe de ser exercida.
Como a população brasileira não tinha nenhum direito a educação primária, nem um ideal forte de reivindicação, não tinham o costume de fazer revoltas contra o governo. As mais famosas dessa época foram a Inconfidência Mineira, inspirada no movimento Iluminista e na independência das colônias norte americanas, e a Revolta dos Alfaiates, feita a partir da Revolução Francesa, porém com caráter mais social e racial, tendo em vista que a independência foi feita pela elite e de forma organizada, pois era desejada uma administração monárquica para ser mantido a ordem social desigual.
Embora tenha ocorrido um grande crescimento da questão política, não foi de forma absoluta, pois grande parte da população não sabia o que era com governo representativo e era analfabeta, transformando as eleições em uma disputa de quem manipulava melhor o seu eleitorado. O voto direto foi introduzido somente em 1881, todavia houve também a exclusão do direito de voto dos analfabetos, fazendo com que houvesse um grande retrocesso nos direitos políticos brasileiros.
O contrário ocorria na Europa, que com o avanço das ideias iluministas, que segundo Kant “ é a saída do homem de sua menoridade de que ele próprio é culpado”, com os princípios de igualdade, fraternidade e liberdade, tinha um crescimento cada vez maior no âmbito político e, consequentemente, teve uma visibilidade dos direitos sociais mais precoce. Isso fazia com que ficasse para trás as antigas ideias do absolutismo e da supervalorização do poder religioso, fazendo com que o povo ficasse mais inserido em uma noção de democracia.
Em “ A Cidadania Para Todos”, Paul Singer caracteriza cidadania plena aquela que é feita por movimentos sociais revolucionários, que buscam uma igualdade de direitos e melhor qualidade de vida entre todos, cabendo ao Estado fazer a manutenção disso. Tendo visto isso, na situação escravocrata do Brasil, o país não foi um ambiente favorável para a formação de cidadãos, segundo José Murilo.
No Brasil, a proclamação da república trouxe a descentralização do poder, porém tornou mais forte a relação entre o governo e as oligarquias locais, resultando no coronelismo, uma forma política tão desonesta quanto a anterior. O coronelismo ocorreu quando a política foi comandada pelos coronéis e estes utilizavam de estratégias injustas para manter essa administração, como o voto do cabresto e a fraude eleitoral, ou seja, a desigualdade estava sendo acobertada pela ilusão de progresso de direitos.
A sociedade brasileira ficou com muitas marcas do seu passado colonizado. Graças à escravidão, a consciência civil do brasileiro foi retardada e mesmo após a abolição dessa, os costumes escravocratas não tiveram o seu fim, deixando claro que essa concepção da escravidão era aceita por praticamente toda a população, inclusive por uma parte dos negros. O autor deixa isso bem evidente quando utiliza uma afirmação de um escravo: “as pessoas de cor, tão logo tivessem algum poder, escravizavam seus companheiros, da mesma forma que o homem branco”. Além disso, o fim da escravidão não gerou uma diferença real na igualdade entre seres humanos brancos e negros, pois embora a constituição afirmasse que sim, na prática era conscientemente o oposto, já que não houve nenhuma inserção social dada pelo governo. “ Não foram dadas nem escolas, nem terras, nem empregos. (...) A população negra teve que enfrentar sozinha o desafio da ascensão social”.
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