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O Ordenamento Juridico

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Por:   •  13/6/2014  •  8.029 Palavras (33 Páginas)  •  266 Visualizações

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CONSTITUIÇÃO E PROPORCIONALIDADE: O DIREITO PENAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE PROIBIÇÃO DE EXCESSO E DE INSUFICIÊNCIA

Ingo Wolfgang Sarlet.

Doutor em Direito pela Universidade de Munique, Alemanha. Estudos de Pós-Doutoramento em Munique (Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e Internacional e Universidade de Munique) e Georgetown Law Center (Washington-DC). Professor de Direito Constitucional dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Brasil) e da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul. Juiz de Direito em Porto Alegre, Brasil.

“Es una ley estructural de nuestro ser, generalmente a tener en cuenta, aunque también muchas veces olvidada, que en nuestro mundo no se pueden llevar las condiciones al extremo sin que esto se vuelva en su contra y sin que, por eso mismo, las posturas extremas, en tanto parecen enfrentarse entre sí, se contrapongan como teorías complementarias. Por eso, los teoremas extremos tienem algo irreal y utópico en sí mismos.” (Arthur Kaufmann)

“ Para a cátedra de direito penal:

Em 1986, um deputado mexicano visitou o presídio de Cerro Huego, em Chiapas. Ali encontrou um índio tzotzil que degolara seu pai e fora condenado a trinta anos de prisão. O deputado descobriu que, todo o santo meio-dia, o defunto pai trazia tortilhas e feijão para o filho encarcerado.

Aquele detento tzotzil fora interrogado e julgado em língua castelhana, que ele entendia pouco ou nada, e abaixo de pancada havia confessado ser o autor de um crime chamado parricídio.” (Eduardo Galeano)

1 –Notas introdutórias

Num instigante estudo sobre Edmund Mezger e o direito penal de seu tempo, em que desnuda as origens ideológicas de polêmica entre causalismo e finalismo, Francisco Muñoz Conde refere-se aos chamados “juristas terríveis” (furchtbare Juristen), assim designados pela sua colaboração com o nacional-socialismo, ao exercerem papéis destacados na política, na administração da justiça ou mesmo ensino jurídico. Muitos destes juristas (se é que a prática da injustiça é compatível com tal qualificativo) distinguiram-se por terem proferido sentenças especialmente duras no exercício da função jurisdicional, não raras vezes resultando em pena de morte ou internação em campos de concentração, por fatos de escassa gravidade ou importância, evidenciando até onde pode chegar a perversão dogmática ao utilizar-se de um discurso técnico pretensamente neutro, atrelado a um positivismo legalista e formalista.

Voltando ao exemplo de Mezger, convém recordar que este, aos cinqüenta anos e no apogeu da fama como penalista, foi nomeado membro da Comissão de Reforma do Direito Penal no âmbito da qual teve destacada participação, por exemplo, na reforma do StGB de 28 de junho de 1935, que introduziu a analogia como fonte de criação do direito penal “segundo a idéia básica do Direito Penal e o são sentimento do povo alemão”. Em outubro de 1945 foi afastado de sua cátedra de Munique pelo Governo Aliado e, classificado como colaborador de segunda categoria, chegou a passar algumas semanas preso em Nüremberg. Em 1948 reconquistou a sua cátedra e, em 1956, recebeu doutorado honoris causa pela Universidade de Coimbra, época em que proferiu algumas conferências na Espanha.

Mais que as vicissitudes de uma época, vale lembrar que das 60.000 penas de morte aplicadas durante o regime nazista, certamente cerca de 40.000 foram pronunciadas por tribunais militares, mas pelo menos outras 16.000 foram ditadas por tribunais civis (sem contar as milhares de internações em campos de concentração). O colaboracionismo, portanto, evidenciou-se (como ocorreu na maior parte dos regimes ditatoriais, inclusive no Brasil), também, em sentenças desproporcionais, terrivelmente injustas, levando um filósofo do porte de um Gustav Radbruch a purgar as culpas de um positivismo que deixou os juristas alemães ainda mais indefesos diante das leis cruéis editadas sob a égide do regime nazista do que os próprios militares em face de ordens evidentemente criminosas por parte de seus superiores.

Com esta breve referência histórica, objetivamos a contextualização do princípio da proporcionalidade, por sua vinculação à proibição de excesso, tão cruenta e dolorosa na seara penal. Tal princípio acabou transformando-se em um dos pilares do Estado Democrático de Direito e da correspondente concepção garantista do Direito e, no que interessa ao nosso ponto, do Direito Penal, o que aqui vai tomado como pressuposto de nossa singela investigação. De outra parte, a noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que vinculada igualmente, como ainda será desenvolvido, a um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados.

Sem que se pretenda – nem aqui e nem nos desenvolvimentos subseqüentes – promover uma análise exaustiva da casuística jurídico-penal, seja no plano legislativo, seja no concernente à atuação jurisdicional (que também deve obediência ao princípio da proporcionalidade) cuida-se de avaliar, à luz de alguns exemplos e após uma digressão mínima a respeito de alguns pressupostos teoréticos, algumas possíveis incongruências na aplicação do princípio da proporcionalidade (na sua dupla manifestação como proibição de excesso e de insuficiência) tanto no plano da fundamentação quanto na esfera das conclusões adotadas. Entre nós, bastaria aqui lembrar da polêmica a respeito da inconstitucionalidade da lei dos crimes hediondos (especialmente quando veda a progressão de regime e a liberdade provisória), a questão dos crimes de perigo abstrato, a controvérsia em torno da constitucionalidade da reincidência, a necessidade de representação nos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, ou mesmo as propostas de majoração das penas no caso de porte ilegal de arma de fogo, para que se perceba o quão fecundo é e seguirá sendo o debate.

Assim, mais do que efetuar o aprofundamento dogmático do conteúdo da proporcionalidade, a abordagem aposta na exploração da sua faceta menos debatida entre nós, designadamente

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