Resenha Sobre a Narrativa Historica
Por: Annymariano • 11/9/2015 • Resenha • 949 Palavras (4 Páginas) • 428 Visualizações
Resenha
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: A arte de inventar o passado.
O livro de Durval Muniz é leitura das mais agradáveis, ainda que possa suscitar vozes discordantes. O texto é de uma clareza surpreendente para uma obra que trata de teorias em História. O Prefácio é assinado pelo saudoso historiador Manoel Luiz Salgado Guimarães, que aponta a metodologia de “possibilidades pouco convencionais” que permeiam as “metáforas” do livro de Durval Muniz. O livro é dividido em três partes: na primeira Durval discute a relação entre História e Literatura, na segunda esboça as contribuições do pensamento de Michel Foucault para a escrita da História, embora possamos identificar o pensamento foucaltiano em toda obra, e na terceira apresenta uma coleção de ensaios que tratam sobre os desafios do historiador ao narrar o passado. Ao relacionar História e Literatura, o historiador o faz de uma maneira diferente da habitual. Durval propõe uma aproximação com o texto literário não para apropriar-se dele como fonte primária; ao contrário, a Literatura forneceria ao historiador a parceria perfeita para a inventiva narrativa do passado. E assim, guiados por Guimarães Rosa entramos no rio da História para navegar pela terceira margem.1 Não é preciso temer a Literatura, podemos caminhar com ela. História e Literatura unem-se, masculino e feminino, e no melhor estilo de casamento, estabelecem uma excelente cooperação entre si. Porém os dois ainda permanecem inimigos, mesmo no amor.2 Bouvard e Pécuchet, personagens de Flaubert, também ganham as páginas de Durval. A metáfora é para ilustrar que o ofício do historiador constitui-se na arte de inventar o passado.3 A pretensa narrativa de descrevê-lo tal como ele ocorreu, que foi tão cara aos metódicos, já não tem mais lugar, ou pelo menos não deveria ter. No romance os dois personagens, após uma sequência de agruras, veem-se desprovidos de um método que os leve a conhecer a verdade sobre o passado. Método que o século 19 acreditava ter encontrado. O acúmulo de objetos que os dois colecionam não decifram, revelam ou analisam o passado. Os documentos não falam por si. Na História não existe aconradouro seguro e os dois personagens acabam “por se confessarem desnorteados nessa matéria”. Durval continua a percorrer a literatura mundial e se depara com Kafka e suas metamorfoses. Para Durval, mais que um romance, as personagens do autor tcheco seriam uma evidência da condição imóvel e insignificante do homem na sociedade moderna. Indo de Kafka, um europeu urbano do leste do início do século passado, até Manoel de Barros, latino-americano, quase rural e do final do século 20 , início do 21, o texto de Durval fica cada vez mais poético e revela as fissuras e fragilidades da História enquanto ciência, sem contudo nunca desqualificar nosso discurso. Mas precisamos, segundo ele, de novas linguagens, de inventar novas palavras e produzir novos conceitos para produzi-la.4 Durval Muniz não esconde seu apreço e filiação ao pensamento de Foucault. Na segunda parte do livro todos os ensaios tratam da relação do método foucaltiano com a escrita da História, suas contribuições e críticas. Compara Carlo Ginzburg de O queijo e os vermes, com Michel Foucault de Eu Pierre Rivière... e trabalha com Edward Thompson. Fala sobre as palavras e os silêncios ao relacionar as principais obras de cada autor. Trata também dos “maus costumes” de Foucault.5 O leque de possibilidades aberto por Foucault trouxe uma crítica que muitos historiadores negam-se a aceitar, sua prática historiográfica trouxe a marca do novo e a necessidade de reconhecer os acontecimentos da História, seus abalos e surpresas, suas vacilantes vitórias e derrotas mal digeridas.6 Foucault propõe três usos para a História: o irônico, o dissociativo e o destruidor e nos textos de Durval Muniz encontramos todos eles. A arte de escrever sobre o passado tem por obrigação ser prazerosa, temos que fazê-la com um sorriso nos lábios.7 Precisamos quebrar a seriedade acabrunhada, romper com o rigor academicista que retira da nossa disciplina aqueles usos propostos pelo pensador francês. Na leitura do livro somos confrontados com essas duras críticas que nos colocam frente a frente com nossas próprias verdades e preconceitos. É necessário iluminar nosso trabalho com sorrisos. Sorrindo, chegamos à terceira parte com um conjunto de ensaios que versam sobre a prática do historiador, seus desafios e métodos. Como um violador de memórias, 8 o historiador precisa estar atento à maneira de como fazer sua arte. A memória como um campo fecundo é também problemática. No mesmo caminho Durval Muniz coloca a (im)possibilidade da História Oral,9 pelo seu caráter passivo frente à abordagem historiográfica. O autor também responde às críticas de sua leitura “safada” de Thompson, sem negar que realmente a fez e o motivo pelo qual a faz. Ressalta outras histórias e revela a importância da amizade como método de trabalho historiográfico.11 O conjunto de ensaios de teoria da História de Durval Muniz são com toda certeza muito 4 Ibid, p.95. 5 Ibid, p.113. 6 FOUCALT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In:________.Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984. p.19 – 20. 7 Op. Cit. p. 183. 8 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. História: A arte de inventar o passado. Ensaios de Teoria da História. São Paulo: Edusc, 2007. p.199. 9 Ibid, p.229. 11 Ibid, p.211.
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