LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: REPRESENTAÇÕES AFRO-BRASILEIRAS
Por: Maíra Souto • 24/9/2020 • Artigo • 1.301 Palavras (6 Páginas) • 187 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE LETRAS DA UFMG
DISCIPLINA: Literatura Infantil e juvenil: representações afro-brasileiras.
PROFESSOR (a): Conceição Evaristo
ALUNO(a): Maíra Souto Ribeiro Silva
Muito se tentou ao longo dos séculos, encontrar uma definição para a literatura. Vários aspectos foram identificados, porém, uma definição fechada e conclusa não foi identificada, uma vez que a literatura é algo tão complexo quanto a condição humana. A literatura infanto-juvenil foi considerada por muito tempo uma literatura de gênero menor. Além disso, muito se discutiu quanto ao objetivo de tal literatura: apenas entretenimento ou com fins pedagógicos. Com a psicologia experimental, descobriu-se que o ser humano possui diferentes estágios de desenvolvimento, que vão da infância à adolescência, e cada fase está relacionada a uma faixa etária e que os estímulos externos são muito importantes nessas fases para a evolução e formação da personalidade do indivíduo.
Com isso, a literatura infantil tornou-se algo de extrema importância. Segundo Nelly Novaes Coelho:
O livro infantil é entendido como uma “mensagem” (comunicação) entre um autor-adulto (o que possui a experiência do real) e um leitor-criança (o que deve adquirir tal experiência). Nessa situação, o ato de ler (ou de ouvir), pelo qual se completa o fenômeno literário, se transforma em um ato de aprendizagem. É isso que responde por uma das peculiaridades da literatura infantil. (Nelly Novaes Coelho, 2000)
As representações presentes nesse tipo de literatura são muito importantes e essenciais, uma vez que elas influenciam na formação do ser humano. O presente artigo chama a atenção para a representação do afro descendente no livro infantil “Xixi na cama”, de Antônio César Drumond Amorim, publicado em 1979 pela Editora Comunicação.
O livro chama a atenção logo de início ao ter em sua contracapa a ilustração do personagem principal. Um garoto negro, descalço, cabisbaixo e apoiado em uma caixa de engraxate e ao lado duas citações: “Todo o cidadão livre por princípios, e que verdadeiramente ama a sua pátria, desejando-lhe honra e glória, tem obrigação de fazer patentes suas idéias ao público, para que ele imparcial lhe dê o valor que elas merecem. Ninguém ignora que o cancro que corrói o Brasil é a escravatura: é mister extingui-la”, de Dom Pedro I e “Artigo 1º - É decretada extinta a escravidão no Brasil. Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.” Retirado da Lei Áurea.
A história é narrada em primeira pessoa pelo protagonista Joca que decide contar um pouco da sua história em seu aniversário de treze anos para tentar esclarecer a todos que seu nome não é Xixi na cama e sim Joca. Ele volta em sua infância e conta de forma simples os acontecimentos de sua vida. Da falta de lembranças de seu pai, a morte prematura da mãe e como sua vida mudou após esse acontecimento. Com a morte da mãe, Joca vai morar com uma vizinha, dona Zefa, que morre também em pouco tempo e Joca vai morar na rua com apenas 8 anos. A maneira como ele narra todas essas experiências é muito tocante. Mesmo acontecendo sempre coisas ruins e sempre associadas ao fato de Joca ser negro, o garoto mantém sua vontade de seguir em frente. Ele tenta sempre achar que não é diferente dos outros garotos, porém, a sociedade faz questão de convencê-lo do contrário.
Vários episódios chamam a atenção, como quando depois em sua pré-adolescência, um senhor branco, Marcelo, o convida para morar em sua casa e fazer parte da família. Joca aceita, porém, ele vai morar no quartinho do fundo, provavelmente o de empregada. Além de ter um tratamento diferenciado, isto é, ele não faz parte realmente da família, o narrador ainda se compara com um animal: “No começo, a casa, arrumada demais, me assusta. Eu sou bicho, me escondo lá para dentro, sumo, não saio para comer.” Trechos como esse, acabam reforçando certos estereótipos do negro, que é comumente encontrado na literatura infanto-juvenil. Imagens depreciativas, caricatas, animalizadas e exercendo funções sociais consideradas inferiores.
Outro episódio interessante, é o momento em que Joca questiona seu apelido: “Meu nome é José Carlos, não Xixi na Cama. Joca, não Xixi. Xixi é como andam me chamando. Um nome feio. Ao menos, não parece nome de gente. Que eu saiba nunca foi.” O apelido Xixi, por qual Joca se torna conhecido por todos, é uma forma totalmente depreciativa de ser conhecido. Xixi, segundo a definição do dicionário on line priberam, significa “Líquido excrementício segregado pelos rins e contido pela bexiga”. Lembrando que o título do livro reforça o apelido.
Por mais que o narrador e protagonista seja um negro, o próprio Joca tem dúvidas o tempo inteiro se ele é diferente dos outros ou não, se ele deve seguir em frente acreditando nele mesmo ou não e ainda mostra um negro conformado com as discriminações e preconceitos que sofre. Ao mesmo tempo que ele é vitimizado e animalizado, ele pode representar uma resistência uma vez que mesmo com tantas dúvidas, ele segue em frente.
Pois o olho inchado, preto, fechado na hora, até que dói. O que dói pra burro é o que ele diz depois: ‘- Aprendeu? Preto cachorro, você não é gente. Preto não é gente, é bicho.’ Agora, eu só queria saber se isso é verdade. Eu não queria saber que isso fosse verdade e sei que não é. Mas queria saber se vocês pensam como o Juquinha. Vocês podiam me dizer toda a verdade: será que preto não é gente, é bicho? (Drumond Amorim, 1979)
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