ATOS FALHOS: A PSICOPATOLOGIA DA NORMALIDADE
Por: luchiochetta • 25/9/2015 • Monografia • 7.102 Palavras (29 Páginas) • 603 Visualizações
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE SAÚDE E BIOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSUEM PSICOLOGIA CLÍNICA: ABORDAGEM PSICANALÍTICA
LUCIANA CHIOCHETTA
ATOS FALHOS: A PSICOPATOLOGIA DA NORMALIDADE
CURITIBA-PR
2014
ATOS FALHOS: A PSICOPATOLOGIA DA NORMALIDADE
1 INTRODUÇÃO
O VI volume da obra de Freud, intitulado “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana”, escrito em 1901, discorre sobre os esquecimentos, lapsos da língua, equívocos na ação, superstições e erros. Tais “equívocos e lapsos” que Freud trata no volume mencionado, não vêm dizer sobre as neuroses, histerias, e grandes ou graves psicopatologias das quais psicólogos, psiquiatras e psicanalistas dispõe a maior parte do seu tempo estudando. Pelo contrário, fala sobre a suposta psicopatologia a que todas as pessoas estão sujeitas a apresentar no dia-a-dia; “sem querer”. São momentos em que o inconsciente dá um jeito de aparecer, mesmo que tente esconder; são os chamados “atos falhos”, ou “parapraxias”.
Segundo Berlinck (2000, apud REI, 2005), a palavra Psicopatologia tem sua origem etimológica no grego – pathos– que deriva nas seguintes palavras: paixão, sofrimento, passividade, excesso. Pathos é marcado pela desmesura. É tratado, muitas vezes, como doença, porém a psicopatologia, etimologicamente, estuda aquilo que há em excesso no humano; e todos os humanos têm algo em excesso, além daquilo que se vê, que se fala (conscientemente), e do que se ouve.
Os atos falhos nada mais são do que o excesso que há no humano, aparecendo em forma de equívocos. Excesso, este, que não é possível controlar ou esconder por completo; é o inconsciente se fazendo dizer o que não pode ser dito pelo Eu. Excesso, que vai além do Eu consciente, que pertence ao inconsciente.
Por serem, os atos falhos, passíveis de acontecer a qualquer pessoa, até nas chamadas “sadias”, muitas vezes não são tão estudados quanto outros processos psíquicos. Isto é uma pena, pois é com a confirmação do ato falho que se pôde provar o quanto o inconsciente pode atuar no dia-a-dia e o quanto ele pode expor as pessoas, mesmo sem perceber, aos conteúdos inconscientes.
É importante o estudo dos atos falhos porque, além de demonstrarem a atuação do inconsciente nos mais sutis comportamentos; acredita-se que tais sutis comportamentos falhos/atos falhos, são dotados de um sentido. Sentido este, que é a razão pela qual o erro ocorreu de determinada forma e não de outra (FREUD, 1996c).
Fazendo um paralelo ao estudo de Freud a respeito dos sonhos (1996c), é possível dizer que o ato falho em si, seria o conteúdo manifesto; e o sentido deste ato falho, o conteúdo latente; que seria o que aquele ato “quis dizer”, o que havia por trás dele, quais associações foram feitas entre a intenção consciente e o “propósito inconsciente”, para que o ato falho se manifestasse daquela maneira.
Freud afirmou, falando sobre as parapraxias enquanto explicava sobre os sonhos, em 1916[15] (apud FREUD, 1996c, p. 90), que “as grandes coisas podem ser reveladas através de pequenos indícios”; e é por isto que o presente estudo se ocupa dos pequenos indícios contidos nos atos falhos, e busca compreender, a partir de uma revisão bibliográfica do tema na obra de Freud, a existência do sentido em cada grupo de atos falhos, afinal, “interpretar significa achar um sentido oculto em algo” (p.92).
2 OS ATOS FALHOS
"Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, se convence que os mortais não podem ocultar nenhum segredo. Aquele que não fala com os lábios, fala com as pontas dos dedos: nós nos traímos por todos os poros.”
(FREUD)
Para Freud (1996c), os atos falhos; também chamados de Parapraxias, consistem, basicamente, em fenômenos muito comuns e conhecidos, porém pouco examinados, podendo ser observados em qualquer pessoa sadia (não havendo relação alguma com as doenças em si), isto é, são lapsos ou operações falhas dos seres humanos, estando todos também sujeitos a cometê-los.
A existência dos atos falhos, assim como a existência dos sonhos na vida psíquica normal, mostra o quanto não se pode ter controle sobre o inconsciente; não se pode prever nem tentar esconder os pensamentos e emoções que ocorrem, até mesmo sem o conhecimento do sujeito – sem conhecimento consciente. Isto acontece, tanto com aquele que tem psiquismo patológico quanto à vida psíquica normal, pois, afirmou Freud (1996c, p. 31), que “os processos mentais são, em si mesmos, inconscientes e que de toda a vida mental apenas determinados atos e partes isoladas são conscientes”.
Freud (1996c) enfatizou que não se deve subestimar pequenos indícios, apesar dos grandes problemas do universo e da ciência serem os que aparentam exigir um maior interesse de todos. Para demonstrar a importância do estudo das parapraxias, é preciso ter em mente que tudo se relaciona com tudo, principalmente as “pequenas coisas” com as grandes. Poder-se-á, mesmo partindo de um trabalho despretensioso, ter acesso ao estudo dos grandes almejados e impactantes problemas.
Ou seja, as parapraxias (atos falhos), são comuns a todas as pessoas, porém não são eventos casuais, e sim “atos mentais sérios; têm um sentido; surgem da ação concorrente – ou, talvez, da ação de mútua oposição – de duas intenções diferentes” (FREUD, 1996c, p. 52).
Freud (1996c) não descarta a possibilidade de os atos falhos acontecerem em momentos de pequenas falhas no funcionamento, ou imperfeições na atividade anímica, como indisposição e/ou cansaço; excitação; ocupação e/ou preocupação. Porém, os questionamentos devem ser feitos acerca do porquê, isto é, qual a razão de um ato falho ter ocorrido de uma determinada maneira e não de outra; de quê este ato falho veio falar, ou seja, qual o sentido do “produto do lapso”.
A respeito da procura deste sentido, Freud (1996c, p. 44) assinala (ampliando o que ele fala por “lapso de língua” para todos os tipos de atos falhos):
“o produto do lapso de língua pode, talvez, ele próprio ter o direito de ser considerado como ato psíquico inteiramente válido, que persegue um objetivo próprio, como uma afirmação que tem seu conteúdo e seu significado. Até aqui temos sempre falado em ‘parapraxias [atos falhos]’, porém agora é como se às vezes o ato falho fosse, ele mesmo, um ato bastante normal, que simplesmente tomou o lugar de outro, que era o ato que se esperava ou desejava”.
O que pode ser dito previamente acerca dos atos falhos, é que eles são, em geral, a exposição de algo do inconsciente que era tentado esconder/esquecer, e é lembrado e vem à tona por meio de atos falhos. Nas palavras de Freud (1996b, p.32), “a perturbação de um pensamento por uma contradição interna proveniente do recalcado”.
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