Preconceito com a pessoa deficiente
Por: Maria Laura Telles • 3/7/2022 • Trabalho acadêmico • 3.200 Palavras (13 Páginas) • 124 Visualizações
A partir da análise de Horkheimer e Adorno sobre o anti-semitismo, entendemos que o preconceito é concebido como uma “atitude hostil direcionada a objetos definidos a partir de generalização, informações imprecisas e incompletas” (Silva, 2006, p. 424). A deficiência física ou mental tem um espaço injusto de “liberdade” para o preconceito, e isso de certo modo decorre em razão de um aparente local afastado em relação aos padrões físicos e intelectuais que as pessoas com deficiência se encontram (Lopes, 2013). Esse preconceito é configurado como um mecanismo de negação social por que as deficiências, físicas ou mentais, são entendidas como uma espécie de falta, carência ou impossibilidade que passa a visão de ser um corpo insuficiente dentro de uma sociedade altamente produtiva laboralmente (Silva, 2006).
Crochik sabiamente explica que as atitudes preconceituosas se desenvolvem no processo de socialização, que é fruto de uma interação entre a cultura e a história (Crochik, 1996 apud Silvia, 2006). Nesse sentindo, a contextualização histórica do preconceito às pessoas com deficiência e a consequente reprodução social pode contribuir para a compreensão de como a origem se relaciona diretamente com a perpetuação. Conhecer acerca das origens históricas é uma maneira de entender o porquê de, mesmo em meio a tantas políticas públicas referente a inclusão social, tais medidas ainda são dotadas de uma desvalorização social da pessoa deficiente, mesmo que de maneira velada (Pacheco & Alves, 2007).
O preconceito no contexto da deficiência é flexivelmente mutável quando pensamos em valores sociais, morais, filosóficos, éticos e religiosos que as diferentes culturas adotam ao longo da história (Pacheco & Alves, 2007). Ou seja, a relação que a sociedade tem com pessoa com deficiência costuma variar em diferentes contextos culturais e sociais, porque toda a criação da concepção do que é a deficiência física é dotada de crenças, valores e ideologias que refletem nas práticas sociais (Lopes, 2013). Por esse motivo, mesmo frente a esse problema que existe em qualquer contexto, tais atitudes são carregadas por significações diferentes. Logo, várias fontes de origem contribuem para uma rede de apoio que sustenta socialmente a normalização de atitudes preconceituosas às pessoas com deficiência.
As diversas análises que põe em questão o preconceito a pessoa com deficiência sempre ponderam o aspecto de marginalização que eram atribuídos a essas pessoas. Dentro de uma perspectiva histórica, a marginalização é fruto de muitos anos de repulsa e exclusão e em muitas civilizações isso estava relacionado a crenças religiosas, onde acreditavam-se que qualquer deficiência ou doença eram causadas por maus espíritos, demônios, pagamento de pecados cometidos ou impureza (Pacheco & Alves, 2007). Ainda segundo Pacheco e Alves (2007) essa relação que fazem com deficiência ser uma manifestação de impureza ou forma de punição levam as pessoas se preguntarem o que fizeram para receber tal destino, excluindo-se da sociedade por vergonha, até os dias de hoje.
Há relatos de desde a antiguidade de marginalização do local do deficiente, como por exemplo em Esparta, onde as crianças com quaisquer índices de deficiência eram jogadas no alto do monte Taigeto por não serem aptas a serem soldados. Ao mesmo tempo na Grécia havia uma supervalorização do esteticamente belo, então quem não se enquadrava dentro desse padrão de beleza grego era visto como monstro sendo facilmente descartado, sendo descritos como fracos, incompletos ou imperfeitos (Lopes, 2013).
Nesse contexto histórico grego ainda haviam questões sobre aceitação social, um exemplo disso era o nanismo que era visto como aceitável por semelhanças a personagens mitológicos, mas ainda assim era visto com certo horror ou comédia. Mas, como bem pontua Lopes (2013), essas questões eram paradoxais, uma vez que ao mesmo tempo que existiam situações “aceitáveis”, haviam outras que não, como por exemplo Hefesto, o deus do fogo que sempre foi descrito com deformidades faciais e manco, expulso do Olimpo e renegado pela própria mãe sendo obrigado a viver isolado em uma caverna (Ebenstein, 2006 apud Lopes, 2013).
Então, conseguimos perceber que, aparentemente, todo o estigma voltado a deficiência física, em grande parte acontece em relação com dois aspectos importantes, a religião que via nas manifestações físicas uma forma de punição aos pecados e (falando de forma grosseira) o comércio, que entendia a pessoa com deficiência incapaz de produzir. O corpo marcado pela deficiência lembra a imperfeição humana, e dentro de uma sociedade que cultua o corpo útil e saudável, a deficiência é uma lembrança constante da fragilidade que as pessoas não aceitam (Silva, 2006).
Com o surgimento do Cristianismo na idade média, surge uma perspectiva de que todos os homens são seres racionais, criação e manifestação de Deus e, portanto, possuidores de alma. Homens com deficiências agora se tornaram merecedores de cuidados, principalmente aos olhos da Igreja, mas, essa assistência tinha um limite: dificilmente as pessoas eram inseridas na sociedade (Aranha, 1995; Pacheco & Alves, 2007). A obra de Vitor Hugo “O corcunda de Notre-Dame” narra muito bem essa questão, onde temos uma figura de posição religiosa, Claudio Frollo que cuida de Quasímodo, que possui uma deformidade na espinha. A relação entre ambos é marcada por um aspecto de benevolência e caridade (hipocritamente) por parte de Frollo, que cuida de um homem deficiente e Quasímodo que tem uma grande dívida moral por conta dos cuidados do religioso, e que faz o mínimo quando fica trancado na sua torre, e se exclui da sociedade para que ninguém o veja.
Mas, na maioria das vezes, nesse momento histórico, as pessoas com deficiência ou com qualquer doença eram abrigadas em lugares afastados da sociedade. Isso inclusive nos remete ao velho modelo manicomial na qual tanto lutamos contra até os dias de hoje: grandes estruturas depositórias de pessoas pobres, doentes ou com defeitos físicos graves, deixados para morrer (Pacheco & Alves, 2007). Esses hospitais depósitos disponibilizavam o mínimo de assistência orgânica, mas a partir de agora a deficiência física ou mental não era mais entendida como um problema teológico e juntamente com o avanço da medicina, favoreceu-se uma visão científica e médica da questão, não mais religiosa. (Aranha, 1995 apud Pacheco & Alves, 2007).
Nesse momento, há uma superação que eleva deficiência física como uma condição, e não mais com doença. Mas após tantos anos da história, já estava conceituada a questão da deficiência física como um problema. Dito isso, todos os anos subsequentes da história só contribuíram para um acúmulo de ideias que construiu o estereótipo cruel da deficiência, e não uma substituição de conceituações ao longo da passagem dos anos. Segundo Aranha (1995), foi só na Revolução Industrial que surgiu a necessidade de estruturar sistemas nacionais de educação para a produção de homens produtivos. Nesse contexto, começa-se a perceber que “até” os homens com deficiências tinham potencial de executar tarefas nas indústrias. Logo, o capitalismo moveu uma inclusão baseada na necessidade de mão de obra (Apud Pacheco & Alves, 2007).
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