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Psicanálise: Sobre seu ensino

Por:   •  31/10/2024  •  Ensaio  •  3.177 Palavras (13 Páginas)  •  43 Visualizações

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Universidade Federal do Paraná

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de Psicologia 

Relatório Semestral de

Iniciação Científica

Psicanálise: Sobre seu ensino 

Curitiba

1996

INTRODUÇÃO

                A psicanálise nasceu em Viena e se espalhou verdadeiramente lenta por outros países de língua alemã até chegar a Zurique e a Budapeste. O resto da Europa só foi tomada por ela depois da Primeira Guerra Mundial e logo se percebeu  realmente de maneira imediata que essa “coisa” que se espalhava gerava muitas divergências. Assim é que nasceu o movimento psicanalítico: atrelado na defensiva e atacado e difamado por psicólogos, psiquiatras e pela imprensa em geral.

                Desde seu nascimento a psicanálise pensou a cultura e nunca, até hoje, pode ser pensada fora dela. Uma vez instituida, ela sempre precisou conter os impulsos de seus membros e, para isso, seguir suas regras. Mas há algo peculiar à psicanálise. Ela manteve-se desde o início como prática de análise do que em cada indivíduo lhe é singular  o desejo. E, com isso, sempre procurou mostrar que nenhuma regra pode “ser boa para todos”.

                Entre a regra e a sua subversão a psicanálise institui-se sob a marca da ruptura, provocada não apenas por problemas teóricos, mas sobretudo pelos debates acerca dos critérios de formação de analistas. Desde as divergências entre Freud e seus discípulos, como Jung e Reich, entre outros, até as rixas entre Anna Freud e Melanie Klein e a espulsão de Lacan da Associação psicanalítica Internacional (API), em 1953, a discórdia, senão a cisão, foi a norma. Basta saber que a geografia mundial da psicanálise divide-se hoje em três domínios. Há a API com cerca de 10 mil membros e cerca de 50 sociedades que reunem a ortodoxia freudiana e kleiniana. Frente á API, posicionou-se a Associação Mundial de Psicanálise (AMP), instituição criada por Jacques Alain Miler, genro de Lacan, e que mantêm-se ligada á ortodoxia organizacional do lacanismo. E o terceiro dominio da psicanálise compõe-se pela massa de analista que, embora associados a pequenos grupos, mantem a prática psicanalítica em todo seu vigor.

                Robert Castel (1978) analisa a institucionalização da psicanálise fazendo duas analogias: a passagem da seita à igreja e a passagem de uma organização artesanal de corporativo a uma organização de tipo semi industrial. Segundo Castel, Freud, profeta de uma revolução da medicina, rompe com está e abarca um grupo de seguidores também marginalizados na sua profissão. Reunido em seu gueto em torno da nova mensagem, a psicanálise, o círculo fechado de Viena só tinha responsabilidade para com a relação dual nos consultórios. Sem vinculo oficial com a sociedade, o grupo se mantinha pela união às questões pertinentes a ele: remuneraçòes, posição frente à sociedade, controle da ortodoxia, etc. Quanto à natureza dessa união, ela era tão mais por afinidae pessoal ao profeta, do que à sua teoria. Essa ligação de afeto (amor-ódio), obviamente por ser um grupo fechado, causava várias divergências, também sublimadas em mudanças e dissidencias à teoria.

                Aos poucos, a psicanálise vai se institucionalizando e as relações de poder vão mudando dentro dessa instituição. Sem a figura centralizadora de poder, cria-se intermediários e interesses externos à mensagem psicanalítica. Surge a necessidade de responder às questões da sociedade: entrar na Universidade, nos hospitais psiquiátricos e demais instituicoes públicas e privadas. E como fica a prática psicanalítica?

                Esse é um problema meio-resolvido, meio-ocultado, diz Caztel. Freud nunca respondeu a isso. Os analistas, nos seus interesses próprios, adentraram essas instituicoes, tentando dar respostas. Mas percebeu-se uma luta para dar conta dessa demanda, resultando em discursos diferentes nas instituicoes, nos consultórios e nas sociedades psicanalíticas. Estas, quase funcionando como sindicatos, tentam alocar seus membros na sociedade. O que se vê é instituicoes com analista vindo, em sua maioria, de uma mesma sociedade psicanalítica.

                Mas, ainda, anso se resolveu essa questão. A mudança de ambiente de um consultório com um cliente tipo Yarvis (Young, Attractive, Rich, Verbal, inteligent e sophisticatal)  expressão frequente nos EUA sobre a clientela mais frequente nos consultórios, de um lado, e um grupo de doentes mentais humildes em um hospital psiquiátrico, continua a ser um ousado desafio. De manhã, o psicanalista se mostra como um tecnocrata moderno à serviço da saúde e da cura. À tarde atende em seu consultório como analista tradicional. E à noite se reune com seus colegas na sociedade psicanalítica, discutindo sobre essas práticas contraditórias.

                Enquanto essa questão não se resolve, o papel da sociedade psicanalítica acaba sendo a de alocar seus membros em lugares para fugir do desemprego e difundir a psicanálise, dilema que nem Freud explica.

                O que disso verificamos é que a psicanálise não é sem nunca foi apenas a doutrina de Freud. Desde o início, ela se propagou através dos textos escritos e aliviou partidários, que se reuniram em associacoes e deram origem às instituições psicanalíticas. A hipótese de que a influência exercida pelas idéias de Freud e de seus discípulos sobre o nosso modo de pensar e de sentir foi grande não é exagero. As idéias de Freud frequentemente são consideradas ásperas, mas parece-nos que algo na imprensa, algo nas instituições psicanalíticas, algo nas universidades, enfim, algo no modo como é transmitido, interpretado e até mesmo ensinado esse saber psicanalítico faz com que está aspereza tome força ainda maior, de tal forma que a psicanálise seja assimilada de maneira errônea ou, então, rejeitada sem nenhuma reflexão anterior. É assim que acreditamos surgir a existência de representações ou de imagens da psicanálise. Sabemos que essas representações da psicanálise, bem como do retrato que ela propõe da nossa vida interior, faz hoje parte das condições em que ela é praticada. Dessa forma, parece-nos que a influência da psicanálise deve ser repensada dentro das condições que a sustentaram até hoje  e não simplesmente caluniada. O valor do ensino, por exemplo, que é hoje ministrado para a formação do futuro psicanalista ou mesmo para o leigo (que deseja torna-se conhecedor da teoria psicanalítica), bem como se existe de fato uma implicação verdadeira com a causa psicanalítica ou apenas a reprodução de discursos que em nada podem contribuir para o avanço da psicanálise deve passar, antes de tudo, por no mínimo duas questões: a da interpretação psicanalítica dentro do discurso freudiano e a do conhecimento psicanalítico (essas duas vertentes tomam peso ainda maior quando inseridas no contexto universitário).

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