A CULTURA DO MEDO COMO DETERMINANTE DO PRECONCEITO E DA SEGREGAÇÃO ESPACIAL URBANA
Por: Sylvia Reis • 30/9/2018 • Artigo • 1.795 Palavras (8 Páginas) • 209 Visualizações
A CULTURA DO MEDO COMO DETERMINANTE DO PRECONCEITO E DA SEGREGAÇÃO ESPACIAL URBANA
Sylvia Reis Barbosa[1]
Resumo: A cultura do medo ocasiona e legitima uma radicalização dos processos de segregação espacial, social e étnica, transformando a cidade em espaços urbanos fragmentados, podendo ser a rua, as favelas e mesmo os guetos. A relação percebida entre guetos e favelas é que em ambas existem o estigma de seus habitantes e a ideia de que são necessários para a produção, mas não servem para a socialização. A mídia, que é a maior responsável pela difusão das informações no cotidiano das relações sociais, faz o papel de fiandeiro, ou seja, traz o fato bruto coletado (violência), gerando um desconforto social em relação aos “marginalizados” e tornando natural o julgamento de valor perpetrado sobre as notícias veiculadas. A consequência mais desastrosa dessa falta de cuidado e de observância é uma crise de confiança na vida, uma vez que o mal pode estar em qualquer lugar e que todos podem estar de alguma forma a serviço dele, gerando uma desconfiança de uns com os outros.
Palavras-chave: Preconceito; favela; gueto; violência.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é trazer à luz a apreensão dos conhecimentos acumulados na disciplina de Questão Urbana e Favela no Rio de Janeiro, fazendo uma relação entre a cultura do medo estabelecido na sociedade através, principalmente da mídia, e o preconceito e segregação originados pela sensação de insegurança e impotência supostamente vivenciadas pelas classes dominantes.
A mídia de forma geral diariamente veicula casos de violência ocorridos nas cidades. Quando a reportagem é “ao vivo”, traz mais veracidade e mais tensão, remetendo à possibilidade daquele telespectador ser a próxima vítima. O resultado disso é que as pessoas trocaram qualquer outro tipo de informação e entretenimento para ficarem atentas ao que acontece na cidade de modo instantâneo através, por exemplo, dos aplicativos sobre onde estão ocorrendo confrontos.
Ao longo deste artigo, será levantada uma proposta de reflexão para a desmistificação da cultura do medo, que tem como bicho-papão da atualidade o pobre, o marginalizado, o favelado, que na verdade é tão vítima do Estado neoliberal quanto qualquer outro trabalhador, desprovidos da apropriação dos meios de produção e seus lucros.
DESENVOLVIMENTO
Desde a mais remota antiguidade a sociedade aprendeu a temer o medo e a confiar em criaturas celestiais que trariam proteção e afastamento de tudo o que fazia mal e era mau. A ideia de eliminar monstros, concepções imaginárias que assombravam um quarto escuro ou um sonho, traziam uma sensação de segurança e não mais de ameaça.
O medo sempre teve uma relação intrínseca com o poder. A igreja, por exemplo, associava as infestações por doenças ao pecado da humanidade e punição divina, assim podia controlar o comportamento social. Os pais ameaçam seus filhos de não saírem para as baladas, caso não apresentem boas notas. O medo passa a fazer parte de forma significativa no cotidiano do indivíduo, impedindo-o muitas vezes de analisar uma situação para além do imediato, se limitando apenas a julgamentos preestabelecidos do que é bom ou mau.
Medo é o nome que se dá a inquietação ante a noção de perigo real ou imaginário, ou seja, incerteza, ignorância sobre uma suposta ameaça e do que deve ser feito em relação a ela.
No contexto urbano da atualidade, a violência vem sendo foco da atenção dos moradores das grandes, médias e pequenas cidades. Não importa o tamanho delas, a população vive apreensiva em relação às causas da violência.
Algumas cidades cresceram, expandiram-se e fizeram surgir bairros periféricos – as divisões urbanas não são socialmente neutras, elas atuam apenas em benefício das classes favorecidas – onde as condições precárias de vida dos moradores e a degradação do meio ambiente mostram uma das faces da violência urbana, estes são de fato os espaços mais afetados, por estarem mais expostos aos efeitos negativos da política neoliberal.
Aos que permanecem nos grandes centros – locais de fácil acesso ao trabalho, à cultura e ao lazer –, restou a autossegregação em suas próprias residências, que estão se transformando em verdadeiras fortalezas, este fato é recorrente entre aqueles que possuem recursos para bancarem suas mini-cidades.
A cultura do medo, portanto, ocasiona uma radicalização dos processos de segregação espacial, social e étnica, transformando a cidade em espaços urbanos fragmentados, podendo ser chamados de “Territórios”, tendo em conta o grau de segurança ou de perigo que supostamente oferecem.
Esses “Territórios” podem ser a própria rua, as favelas e mesmo os guetos. Apesar de que no Brasil e especificamente, no Rio de Janeiro, a ideia de gueto não criou raízes, considerando gueto como local de segregação extrema – e exploração por aqueles que estão além dos muros –, tornando-se uma cidade dentro de outra, com suas leis, sociabilidade e crescimentos próprios. As favelas ou comunidades são espaços geográficos com estrutura de saneamento e outros acessos, via Estado, mas que não atendem de forma digna a população que lá reside, não estão isoladas dos demais espaços urbanos, seus moradores trabalham e circulam em outros locais fora dali. O que ocorre é a segregação social e étnica. A maioria das pessoas é negra, de baixa escolaridade e muitos trabalham informalmente.
A favela tem a sua sociabilidade, sua cultura e bastante a oferecer, não apenas pessoas para serem exploradas de forma aviltante pelo capital, através da mão de obra subalternizada, negligenciada, mal formada e trocada como qualquer objeto inservível a qualquer hora.
A relação percebida entre guetos e favelas é que em ambas existem o estigma de seus habitantes e a ideia de que são necessários para a produção, mas não servem para a socialização.
Nestas “(co) relações sociais” da vida cotidiana, os dominados entram na luta de forma isolada, muitas vezes não restando outra escolha a não ser a da aceitação resignada ou revoltada da definição dominante de sua identidade. Há porém aqueles que buscam a assimilação da mesma através do conhecimento da sua história e importância, a qual supõe um trabalho que faça desaparecer todos os sinais destinados a lembrar o estigma a eles imputado.
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