Negociação e Administração de Conflitos
Por: Divaldo Pereira • 26/6/2020 • Trabalho acadêmico • 2.263 Palavras (10 Páginas) • 570 Visualizações
ATIVIDADE INDIVIDUAL
Matriz de análise | |
Disciplina: Negociação e Administração de Conflitos | Módulo: Atividade Individual |
Aluno: Divaldo Oliveira | Turma: T1219-92 |
Tarefa: Análise Hotel Ruanda (2004), de Terry George | |
Introdução | |
Negociar faz parte do nosso cotidiano, saber negociar é absolutamente essencial para o sucesso em qualquer esfera da nossa vida. Uma negociação ruim pode prejudicar um casamento, o negócio de uma empresa, o interesse da população e até as relações entre países. Para os leigos na ciência da negociação e administração de conflitos, as estratégias e resultados de negociações parecem a partida que são obtidos pelo bom senso, com um pouco de sorte, com a ajuda divina e muitas vezes com toques de emoção das partes envolvidas. Por outro lado, aqueles que conhecem a ciência sabem que somente bom senso, emoção, sorte e bençãos divinas não são suficientes para uma negociação bem-sucedida. É preciso planejamento, conhecimento em negociação, da causa a ser negociada, das partes envolvidas e seus interesses, pressupõe fazer o dever de casa sobre o processo de negociação a ser trilhado, demanda inteligência, reflexão e disciplina. Todo mundo está negociando o tempo todo e, as negociações ficam ainda mais exacerbadas e complicadas em um período de crise como esse do coronavírus, que estamos vivendo. O governo federal, por exemplo, negocia com uma infinidade de atores em múltiplas frentes. Entre esses atores, os governos estaduais que, por seu turno, também negociam com uma outra infinidade de atores. O governo federal, bancos públicos e privados, por exemplo, negociam nesse momento pacotes de financiamento e estímulo à economia. Para todos os lugares que olharmos, de indivíduos a organizações mundo afora, todos estão negociando alguma coisa por conta da pandemia que assola o planeta. Empresas negociam o home office, as férias, afastamentos, demissões e outros pontos com seus empregados. Que por seu turno negociam prioridades dentro de casa, contenção de despesas com a família, suspensão de serviços, entre outros. Enquanto o vírus se alastra pelo Brasil, estamos todos vivendo situações em que a compreensão de certas questões é difícil, depende de conhecimento técnico que está além do nosso alcance e que é detido somente por especialistas. A consequência disso são interesses nebulosos, não bem compreendidos, mal formulados, impensados que tornam muitas das negociações em curso, no âmbito das famílias, dentro das empresas, hospitais, governo e organizações, mais complexas do que o normal. A escolha do Hotel Ruanda para este trabalho, se dá pela semelhança de uma crise de grandes dimensões como o coronavírus com a tragédia ocorrida e abordada pelo filme, afetando a tudo e todos em Ruanda, na altura. O filme tem como protagonista o gerente do Hôtel des Mille Collines, Paul Rusesabagina, da etnia hutu e, retrata seus esforços para salvar as vidas de sua esposa, Tatiana, de seus três filhos e mais de mil pessoas abrigadas no hotel. O filme é baseado em fatos e tem como pano de fundo o genocídio promovido contra a etnia tutsi, pela etnia de maioria Hutu. O início do genocídio se dá logo após a morte do presidente de Ruanda, em um acidente de avião, que supostamente, havia sido abatido pelos tutsis, iniciando assim o genocídio. O filme é uma rica fonte de estudos para quem está aprendendo negociação e mediação de conflitos por dar atenção especial ao processo de negociação em circunstâncias muito difíceis. Várias passagens ao longo do filme mostram o uso da negociação com pessoas de comportamento desumano e irracional, numa luta pela vida e pela sobrevivência. Situações em que o protagonista, Paul Rusesabagina, conta apenas com poucos, mas que se mostram valiosos, recursos disponíveis nas situações de negociação, trabalhando unicamente com sua inteligência e perspicácia. | |
Desenvolvimento – análise do processo de negociação representado no filme eleito | |
breve resumo da cena analisada Após escoltar Paul Rusesabagina com sua família e um grupo de pessoas que o acompanhava, de sua casa até o hotel Diplomat, o general ruandês descobre que aqueles que estavam com Paul eram tutsis. O general exige que Paul atire neles. Homens, mulheres e crianças olham nos olhos de Paul. Ele oferece dinheiro ao general para libertar a todos. Após emocionante negociação o general concorda em liberá-los por cem mil francos. classificação das partes envolvidas (atores da negociação) Na cena analisada os atores da negociação são o Paul Rusesabagina e o general. Mas o desenrolar do filme é uma negociação constante de Paul com diversos atores: o General Oliver da ONU, o General Augustin Bizimungu de Ruanda, o comerciante e apoiador da guerrilha tutsi Georges Rutaganda, e até com os próprios empregados do hotel que no início contestavam sua posição e liderança. identificação das fontes de poder, ferramentas e táticas A teoria nos ensina que tempo, poder e informação têm impacto direto na negociação para as partes envolvidas e, que avaliar e entender como está posicionado, cada negociador, em cada um dos três elementos, é primordial para se obter uma negociação bem-sucedida. A cena escolhida, começa com o general apontando uma arma para a cabeça do Paul e exigindo que ele atirasse nas pessoas. Nesse momento, parece que ele não tem saída e que o poder da negociação está totalmente com o general. Porem Paul consegue perceber rapidamente qual é o poder relativo entre ele, naquela situação, acuado, e o general. O general, aparentemente mais forte, tinha o poder com as armas e soldados e, Paul tinha o poder com o objeto de interesse do general, o dinheiro. A negociação na cena se deu pela barganha. Começou com dez mil francos por pessoa e a negociação foi fechada em cem mil francos para a liberação de todos do grupo. A persuasão é um elemento chave utilizado pelo Paul para obter seu intento na negociação. Ele fala com uma expressão jocosa que os reféns não servem para nada para o general, mas que poderiam ser de grande valor para ele ganhar dinheiro, poupando suas vidas. Nesse ponto ele toca no interesse financeiro do general, com ganhos imediatos a partir de coisas que o general dava pouco valor. Ao longo do filme, Paulo recorre a um arsenal de ferramentas e táticas para sobreviver em meio ao horror e ao caos. Percebemos entre outros: exercício da empatia, apelo à autoridade e ao relacionamento, chantagem, blefe, criação de conflito de interesses, táticas de uso do tempo, privação da informação para o outro lado, jogadas com o ego e emoções das pessoas. avaliação das etapas da negociação Um processo normal de negociação possui três fases: planejamento, interação / execução, e controle. Na fase de planejamento se coletam dados, se avaliam os diversos aspectos da negociação, seus atores, as inúmeras possibilidades de cenários e se definem objetos antecipadamente. É na fase de interação / execução que a negociação se desenrola propriamente. Aqui os negociadores interagem, discutem, tratam propostas e alternativas de acordo. A fase de controle é aquela na qual o negociador avalia seu desempenho e os resultados da negociação. Na cena escolhida as fases de planejamento e execução acontecem quase que simultaneamente e de forma célere. Num ritmo e dinâmica alucinante, lutando pela vida das pessoas, Paul, utilizando-se da barganha e da persuasão negocia a liberação do grupo. Ele cede ao general a possibilidade de fazer uma ancoragem no valor para a liberação das pessoas e na sequência trabalha um contra ancoragem conduzindo a negociação para longe dos números inicialmente propostos pelo general. A fase de controle segue imediatamente a seguir com a liberação do grupo. descrição da comunicação verbal e não verbal A comunicação verbal do Paul, na cena, pauta-se em argumentos lógicos, blefe – “não sei usar uma arma” e perspectivas de ganho para o general. Sua comunicação não verbal impressiona. Seus gestos e expressões faciais acompanham a linguagem, sinalizam objetos, num relance desvalorizam as pessoas como mercadoria, no calor da negociação, demonstram espanto. É perceptível o posicionamento do seu corpo enquanto estava submisso na negociação e após tomar as rédeas da situação. A comunicação verbal do general começa na cena repleta de ameaças e truculência e à medida que evolui a negociação, para a obtenção do seu intento, ele vai se acalmando. Os gestos, expressões faciais e linguagem corporal acompanham a evolução da linguagem verbal. avaliação dos aspectos positivos da negociação observada e sugestão de melhorias Não somente na cena escolhida, mas ao longo do filme, Paul Rusesabagina mostra ser um excelente negociador, apesar de muitas das suas ferramentas e atitudes não serem abonadoras. Sua capacidade de mudar a abordagem e o estilo, dependendo da circunstância, e de usar todas as estratégias e técnicas de negociação disponíveis, mostrando empatia nas situações que assim indicavam e decepção quando necessário o fizeram ter sucesso nas suas negociações. Embora tivesse como propósito moral proteger os outros, ele não era moralista nas suas negociações. Ele trabalhou de forma pragmática para criar zonas de possível acordo em todas as negociações que entrou ao longo do filme. A negociação da cena escolhida, assim como em outras ao longo do filme, trata de vidas humanas. A cena não reflete uma negociação baseada em princípios nem tampouco integrativa e, com certeza, o resultado obtido por Paul foi a melhor alternativa à negociação de um acordo. Na cena Paul segue a cartilha da boa negociação: separando as pessoas do problema, focando nos interesses e não em posições, gerando opções de “ganhos” mútuos, com critérios objetivos. E por consequência consegue salvar a vida muitas pessoas. Teria cabimento, sugestões de melhorias, no que diz respeito principalmente a ética e a moral no processo de negociação, se ele tivesse ocorrido num ambiente civilizado e, que não representasse riscos a vida humana. O que não é o caso. estabelecimento de um paralelo com sua realidade profissional A maioria dos processos de negociação que participo profissionalmente exigem grande esforço na etapa de planejamento. Esse esforço é gasto principalmente em entender os interesses dos clientes, suas dores, elaborar uma proposta de valor que caiba no orçamento deles e que os surpreenda. Conviver no cotidiano com os clientes, criar um bom relacionamento com as pessoas dos clientes, fazer rapport com decisores e influenciadores é essencial para termos a leitura correta dos contextos de oportunidades de negócio que estamos trabalhando e adicionalmente ter aliados nos processos de negociação. O ambiente em que fazemos negócios, projetos de TI em grandes empresas, tem sido pesado, competitivo e as vezes selvagem. O filme mostra como, apesar do ambiente extremamente selvagem, sanguinário e turbulento, Paul Rusesabaniga, negocia, colhe informações, mantem seu pessoal motivado, enfrenta grandes problemas humanitários, salva a vida de milhares de pessoas, e mesmo com toda a pressão obtém sucesso em negociações que as vezes parecem impossíveis. No nosso negócio, informação e relacionamentos é poder e trabalhamos muito para obtê-los. Paul, como um bom negociador sabe como obter informações e cultivar relacionamentos. Em uma conversa com sua esposa ele mostra a ela como coletar informações e desenvolver relacionamentos, uma característica imprescindível de quem negocia: “Esforço-me o dia inteiro para agradar a um oficial, diplomata, turista e acumular favores. Caso precisemos de ajuda a qualquer momento, teremos pessoas poderosas para ligar...”. A etapa de execução demanda menos esforço pois se trata principalmente de ajustes de escopo, tempo e valores. A etapa de controle é importante e documentada para termos elementos de revisão de ganhos e perdas. | |
Considerações finais | |
Ao assistirmos o filme e observarmos Paul Rusesabagina manobrando, manipulando e negociando pela vida, da melhor maneira possível, tornamos a maioria das nossas negociações parecerem irrelevantes. Ele é um exemplo de como transformar a desvantagem e a adversidade em vantagem. Seu foco, o tempo todo é para a obtenção de resultados efetivos. Muitos de nós, nas negociações do cotidiano, as vezes nos sentimos solitários e pouco apoiados. Paul por seu turno é forçado a confiar única e exclusivamente na sua capacidade, velocidade e habilidades e em momento algum pode contar com o poder da autoridade, de força ou apoio externos em seu auxílio. O então secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, fez um comentário sobre a preparação para a Guerra do Iraque, para a qual foi encarregado, aplicável à negociação. Ele disse: “você vai à guerra com o exército que você tem, não com o exército que você gostaria que tivesse…”. Literalmente Paul fez sua guerra com os únicos recursos que tinha. Assim como Paul, geralmente começamos nossas negociações somente com a nossa própria inteligência, sem o poder e a autoridade que desejamos e raramente encontramos a pessoa com quem gostariamos de lidar para negociar. Certamente as circunstâncias do genocídio de Ruanda são extremas e a abordagem de negociação é até certo ponto distorcida. Por outro lado, é importante reconhecer que muitos conflitos diários com os quais lidamos, embora muitíssimo menos graves, são encarados pelas pessoas envolvidas como um grande problema por não o abordar adequadamente, não focando no cerne da questão, não focando nos interesses. Um ponto importante para um negociador é a habilidade de revelar seus interesses pessoais no timing certo. Paul trabalhou esse ponto com maestria. Compaixão, zelo pela vida dos seus semelhantes e seus valores eram os seus maiores interesses e eles não foram explicitamente mencionados ou percebidos pelos seus oponentes no filme. Vivemos um período crítico no Brasil e no mundo, no qual a arte, o conhecimento e a habilidade de negociação das pessoas nunca foram tão importantes para o sucesso delas, das suas famílias, das empresas, organizações e dos países como agora. Espero que a sabedoria do Paul esteja presente nas grandes negociações reservadas ao nosso país nesse momento de crise com o coronavírus. | |
Referências bibliográficas | |
¿Quieres aprender a negociar? Ve Hotel Rwanda. Disponível em: https://www.ibercampus.es/quieres-aprender-a-negociar-ve-hotel-rwanda-26985.htm .Acesso em: 25 março 2020 CASTRO, M. Negociação e administração de conflitos. Ed. FGV, Educação Executiva CARVALHAL, E. Negociação: fortalecendo o processo. 4. ed. Rio de Janeiro: Vision, 2010. Hotel Rwanda and the Guerrilla Negotiator. Disponível em: https://www.mediate.com/articles/benjamin18.cfm . Acesso em: 25 março 2020 Ury,William,Fisher,Roger,Patton,Bruce. Como Chegar Ao Sim - Como Negociar Acordos Sem Fazer Concessões. ed. Sextante, 2018 |
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