Negociação e Administração de Conflitos
Por: Gustavo Caberlon Lain • 25/11/2020 • Trabalho acadêmico • 4.005 Palavras (17 Páginas) • 186 Visualizações
ATIVIDADE INDIVIDUAL
Matriz de análise | |
Disciplina: Negociação e Administração de Conflitos | Módulo: Atividade Individual |
Aluno: | Turma: |
Tarefa: Análise da dinâmica de negociação no filme O Senhor das Armas. | |
Introdução | |
O ato de negociar faz parte da vida em sociedade de qualquer ser humano. Engana-se, e muito, quem pensa que negociação é ocupação de profissionais de áreas comerciais, ou que negociamos apenas quando estamos adquirindo um bem. Praticamos negociação o tempo todo, seja em âmbito profissional ou pessoal, com colegas, chefes e clientes, ou com amigos, cônjuges e familiares. Um bebê que chora porque está com fome também está, em sua essência, negociando. Negociar é, basicamente, comunicar-se com pessoas para que os interesses de todos sejam atendidos. Sob essa ótica, fica fácil perceber que a negociação vai muito além do âmbito profissional e, sendo assim, é assunto de interesse para qualquer pessoa. Neste trabalho fez-se uma análise aprofundada do tema negociação baseando-se no filme Senhor das Armas, de 2005, dirigido por Andrew Niccol. Na película, o protagonista Yuri Orlov (interpretado por Nicolas Cage) é um comerciante/contrabandista internacional de armas e equipamentos bélicos, que negocia com fornecedores e clientes constantemente. Yuri é um imigrante ucraniano que cresceu nos Estados Unidos, e enxergou o ramo de armamentos como uma oportunidade para atingir o sucesso e riqueza que sempre almejou. | |
Desenvolvimento – análise do processo de negociação representado no filme eleito | |
Breve resumo da cena analisada. Embora o filme apresente negociações em diversos momentos, com diferentes interlocutores e objetivos, uma trama específica do filme foi escolhida para análise aprofundada sob a ótica teórica dos processos de negociação, devido à sua riqueza de detalhes e importância na obra. A cena em questão é a primeira negociação pessoal e presencial entre Yuri Orlov (protagonista do filme e comerciante/contrabandista de armas) e André Baptiste, ditador (que se auto-intitula presidente) em comando da Libéria, um país que passa por uma guerra civil violenta – um verdadeiro banho de sangue. Embora Yuri informe momentos antes da negociação que a Libéria é seu maior cliente, ele nunca havia negociado direta e presencialmente com o comandante daquele país, e evitava fazê-lo, devido à sua fama de ser uma pessoa cruel e intolerante. Classificação das partes envolvidas (atores da negociação). Para a classificação das partes envolvidas na negociação (atores da negociação), podemos seguir o modelo apresentado por Castro (2020), que divide os atores em Aliados, Oponentes, Interlocutores e Adversários. Segundo esta divisão, podemos classificar os dois principais atores envolvidos, Yuri Orlov e André Baptiste, como aliados. Embora haja um clima de tensão constante no ar (afinal, estão negociando armas contrabandeadas em um país que passa por uma guerra civil), há um certo nível de confiança entre as partes (já realizaram negócios), e existe uma convergência de idéias, uma vez que ambos têm interesses correlatos. Como apontado por Castro (2020), são atores da negociação não apenas as pessoas que participam ativamente das decisões, mas todos aqueles que, de alguma forma, participam do processo negocial e influenciam as partes. Carvalhal (2017) nomeia estes outros atores como “fantasmas” que, embora não estejam na mesa de negociação, influenciam diretamente os interesses, diretrizes, metas e estratégias das partes. Assim, outros atores importantes da negociação apresentada no filme são:
É importante observar também o contexto cultural de cada um dos atores. Enquanto Yuri se posiciona de forma “neutra” em relação aos conflitos (ele apenas vende as armas, cada cliente as usa conforme seus interesses), e não se envolve com o uso de suas mercadorias (também como consequência da influencia de Ava, que pede para que Yuri nunca deixe seus negócios afetarem sua família), André, por outro lado, além de ser um dos principais provocadores/incentivadores do conflito da Libéria, é tido como um home sádico e cruel, que costuma matar ou mutilar qualquer um que atrapalhe seus objetivos. Identificação das fontes de poder, ferramentas e táticas. Conforme apontado por Carvalhal (2017), as bases de poder podem ser originárias de uma organização/sistema (poder coercitivo, de conexões e de recompensas), ou do indivíduo (referência, informações ou poder de especialista). Existe ainda o poder misto, sendo advindo da organização/sistema e sustentado por outras partes. A base de poder de André perante Yuri é originária de um sistema, e é baseada em poder coercitivo, de conexões e de recompensas. André é o ditador por tras de uma nação em plena guerra civil, tendo acesso e controle sobre exércitos, riquezas e conexões diversas no meio dos conflitos que permeiam a Africa nos anos 80 e 90. André tem um poder que é real e perceptível (aparente), e usa isso como estratégia durante suas negociações. Yuri por outro lado tem uma base de poder mista. Embora não tenha um pode real equiparável ao de André, tem bases de poder perante este originárias no indivíduo: o poder de especialista – em contrabando de armamentos – e de informação – acesso aos armamentos que André está buscando. Além destes, Yuri tem um poder baseado em uma organização, através de suas conexões e influências dentro de órgãos de fiscalização internacional, governos e militares corruptos. Yuri demonstra seu poder através de suas atitudes, agindo sempre com total confiança em si mesmo e no que faz. Outra estratégia de Yuri é tentar ser agradável com as pessoas com quem negocia, utilizando de sorrisos e bom humor mesmo em situações delicadas, tentando ganhar a preferência de seus parceiros de negociação através da persuasão (CARVALHAL, 2017, p.94). No início da negociação, André se vale de uma tática bastante agressiva para “testar” Yuri, utilizando uma arma que lhe estava sendo apresentada para matar um de seus soldados. Yuri se assusta e grita com André que, não gostando de ser desaprovado por Yuri, aponta-lhe a arma na cabeça. Yuri, em segundos, retoma seu equilíbrio emocional, e finge que o desgosto com André foi por este ter disparado uma arma que era nova, dizendo que esta já não poderia mais ser vendida como tal e que André agora era obrigado a compra-la, já que a tinha usado. Yuri, ao contornar a situação, demonstra equilíbrio emocional perante uma situação de tensão e compatibilidade de valores com André (indiferença pela vida humana), o que faz André ganhar bastante confiança em Yuri, abrindo-lhe um largo sorriso e estendendo-lhe a mão, em sinal de aprovação do relacionamento comercial entre as partes. É importante notar que, durante todo o processo negocial, André é quem tem as armas em mãos, além de homens armados por perto. Yuri não se deixa intimidar por este fato, inclusive contrariando André quando julga necessário. Este posicionamento de Yuri mantem o poder equilibrado durante a negociação, o que é fundamental para o desfecho positivo. Outras táticas são utilizadas no momento da negociação de preços, quando André diz que o mercado está inundado de armas e, portanto, estas não valem o preço pedido por Yuri, o que caracteriza uma tática de desvalorização da oferta (DUZERT e SPINOLA, 2018, p.96). Yuri, em contrapartida, transfere o foco da negociação do valor do produto para o valor do serviço, enaltecendo os custos para emissão de certificados falsificados, suborno de agentes e transporte de cargas ilegais, mostrando a André que o valor não está apenas no produto, mas no processo de faze-lo chegar até os soldados da Libéria. Yuri notadamente utiliza uma boa argumentação baseada em fatores racionais para justificar seus preços. Avaliação das etapas da negociação. Conforme Carvalhal (2017), o processo da negociação pode ser dividido em três etapas distintas: planejamento, execução e controle. Sob a ótica destas três fases, iremos analisar a negociação ocorrida entre Yuri Orlov e André Baptiste. A fase de planejamento requer um estudo para entendimento do cenário e da situação da negociação. Deve-se buscar conhecer os atores da negociação, o objeto e o contexto. Com isso, pode-se montar uma estratégia de negociação, levando em consideração limites, concessões, argumentos, etc. Embora o filme não mostre Yuri construindo o planejamento desta negociação, podemos entender que ele, de fato, o fez. No princípio do processo, quando Yuri é convidado a conhecer André Baptiste, ele tenta fugir do encontro, explicando ao espectador (no papel de narrador da própria história) os motivos dessa tentativa de fuga. Notadamente Yuri, embora não conhecesse André, já sabia com quem estava lidando. Yuri conhece os objetos da negociação, os interesses da outra parte, as ameaças à que estava exposto e sabia o que poderia oferecer e pedir em troca. Isso fica claro quando Yuri contorna uma situação de tensão buscando dar legitimidade à atitude de André (não discordando deste em uma discussão em que nada teria a ganhar – assassinato do solado), e quando Yuri aceita pagamento em diamantes, que precisarão ser revendidos, sabendo que exigir o que lhe é mais comodo (dinheiro em espécie) pode não ser possível a André. A fase de execução é dividida por Carvalhal (2017) em 4 estágios distintos: preliminar, abertura, exploração e encerramento. O estágio preliminar consiste no início do relacionamento, onde busca-se criar o clima da negociação e firmar valores. É onde as pessoas se conhecem, e os mecanismos de persuasão e preferência começam a se fazer presentes. Já existe um relacionamento entre Yuri e André, uma vez que já são parceiros de negócios, embora não se conheçam pessoalmente ainda. O estágio preliminar começa quando Yuri é convidado a conhecer André por seu filho, André Baptiste Júnior, com um convite que não é opcional. Em um carro conversível, ocupado por armas e mulheres, Yuri rapidamente percebe a cultura e os valores da parte com quem vai negociar. Yuri, por outro lado, utiliza de bom humor para aceitar o convite não opcional, criando um ambiente positivo entre as pessoas envolvidas. O estágio de abertura é onde há a confirmação e exposição de interesses, e onde são posicionadas as primeiras propostas e ofertas, sempre com fundamentação para legitimação do que é proposto. Este momento começa quando Yuri está apresentando algumas armas à André (começa a apresentar o seu produto), e é quando este assassina o soldado para ‘testar’ Yuri, que, como explicado anteriormente, rapidamente transforma uma reação impulsiva de desaprovação em aprovação, mostrando compatibilidade de valores com André. Neste momento André aprova formalmente o relacionamento com Yuri, e termina o dia enviando-o a um hotel afastado, com dois “presentes” – duas prostitutas no quarto de Yuri à sua disposição. Yuri considera os presentes uma “brincadeira de André”, já que, numa das regiões com o maior índice de AIDS no mundo, lhe são ofertadas duas prostitutas, sem acesso nenhum a preservativos. Os presentes, nesse caso, podem ser entendidos como tática de André para exercer seu poder sobre Yuri, intimidando-o e tentando causar-lhe algum abalo emocional. Neste ponto, pode-se entender que André já está decidido a fazer negócios com Yuri, mas tenta persuadi-lo e manipulá-lo para buscar acordos melhores. O estágio seguinte é o de exploração, onde busca-se gerar opções para o acordo. Aqui é onde são feitas concessões de ambas as partes para tornar o acordo possível e positivo para ambos os lados. No melhor cenário, é onde ocorre a negociação de integração, que gera ganhos mútuos. Na negociação em análise, a exploração ocorre quando André diz que se recusa a pagar o preço pedido por Yuri, alegando alta oferta de produto no mercado. Aqui Yuri utiliza argumentos inteligentes e sólidos, mostrando que o valor que pede não é caro, ao se considerar os custos envolvidos em entregar as armas para André, que contemplam transportes, falsificação de documentos e subornos. Entende-se que André aceita o preço pedido por Yuri, e propõe o pagamento em madeira ou diamantes. Para Yuri, o melhor seria pagamento em dinheiro, já que aceitar produtos vão requerer novas transações comerciais para vende-los futuramente. Entretanto, frente a todo o processo negocial decorrido até aqui, e Yuri sabendo que vender diamantes não deve ser algo muito complicado (principalmente para alguém que já opera naturalmente no mercado negro), aceita o pagamento desta forma. Aqui Yuri toma uma decisão baseada em uma inteligente análise: sabendo que André não é um homem a ser contrariado, e que o aceite de pagamento em diamantes pode ser entendido como uma concessão do tipo 4, que tem baixo custo para Yuri (não terá dificuldade em vender os diamantes), e alto valor para André (que consegue diamantes com certa facilidade), Yuri prontamente aceita o pagamento, dando um desfecho positivo para a negociação. Por fim, o estágio final é o encerramento, onde há de fato a celebração do acordo negociado e confirmação do entendimento entre as partes. Neste momento, Yuri e André demonstram contentamento pelo acordo fechado e, sendo o hábil negociador que é, Yuri aproveita o momento positivo para já iniciar conversas sobre futuros negócios, oferecendo a André carros de combate, que podem ser muito úteis em futuras ações militares. A última fase da negociação é a chamada de controle, que ocorre após o encerramento da negociação. O objetivo aqui é avaliar todo o processo, controlar as etapas posteriores, analisar tudo o que foi feito e buscar aprender para evoluir em negociações futuras. Além disso, faz parte do controle o acompanhamento do cumprimento pelas partes daquilo que foi acordado, o que solidifica o relacionamento. O filme não retrata em detalhes a etapa de controle, mas mostra que o relacionamento entre Yuri e André continua a ocorrer de maneira satisfatória para ambos os lados, o que mostra que os acordos estão sendo cumpridos a contento de ambas as partes. De fato, em interações futuras, Yuri presenteita o filho de André com a arma do Rambo, um pedido especial de Júnior. André, por outro lado, entrega Simeon Weisz a Yuri, seu principal concorrente de negócios e responsável pela morte de seu tio. Sendo Simeon um grande mercador de armas e, portanto, um potencial fornecedor para André, a escolha de André por matá-lo como presente à Yuri demonstra o alto grau de relacionamento e confiança estabelecido entre as partes. Descrição da comunicação verbal e não verbal A comunicação verbal é bastante clara e direta nos momentos em que é utilizada na negociação entre Yuri e André, mas a comunicação não verbal é um dos pontos altos da trama, e de fundamental importância para o decorrer desta. Não era de se esperar o contrário, já que, conforme apontado por Castro (2020) e Carvalhal (2017), e defendido também por diversos outros autores, uma parte significativa – e muito importante – de nossa comunicação é não verbal. Na comunicação verbal, Yuri evita ao máximo o uso da palavra não à André que, por outro lado, a utiliza com ênfase quando discorda do preço pedido por Yuri, na tentativa de reforçar seu posicionamento contrário à proposta original, e causar uma sensação ruim/negativa em Yuri. No âmbito da comunicação não verbal, o filme apresenta diversos momentos interessantes, que merecem ser analisados em detalhe.
Avaliação dos aspectos positivos da negociação observada e sugestão de melhorias Como aspectos positivos, podemos destacar:
Para sugestões de melhorias à Yuri, podemos citar:
Estabelecimento de um paralelo com sua realidade profissional. O filme aborda negociações em ambientes cercados por hostilidade, ilegalidades e constante pressão de agentes dos mais diversos tipos e poderes, como organizações de polícia e fiscalização, agentes governamentais, exércitos, ditadores, contrabandistas, entre outros. A distância da realidade do filme com minha realidade profissional é bastante grande, e pode-se dizer que são universos diferentes de relacionamento. Entretanto, o filme deixa algumas lições que podem ser aplicadas em qualquer âmbito de negociação, mesmo em realidades mais ‘mundanas’ e de profissões e negócios mais tradicionais e menos obscuros. Uma delas é a alta habilidade com que Yuri lida durante suas negociações, ensinando que postura e consistência são sempre bem vindas. Além disso, Yuri mostra a importância de ouvir atentamente a outra parte e buscar criar laços de relacionamento com esta. Na cena de negociação analisada não foi possível ver, mas em outras negociações que realiza ao longo do filme, Yuri seguidamente conversa com seus interlocutores nos idiomas nativos destes, buscando justamente criar laços de proximidade e confiança. Em paralelo à minha realidade profissional, nota-se o esforço de Yuri em criar sólidos relacionamentos com seus clientes, buscando não apenas realizar uma venda, mas estreitar laços e construir parcerias de negócios. Yuri consegue isso tentando, sempre que possível, concluir as negociações de forma integrativa, entregando valor às duas partes e fechando acordos do tipo ganha-ganha. Embora, como citado anteriormente, o filme se passe em um cenário muito peculiar e específico, essas lições e o perfil negociador de Yuri servem de modelo e podem ser replicados em qualquer situação de negociação. | |
Considerações finais | |
Embora o filme seja uma obra de ficção, o mesmo foi inspirado na história do traficante de armas russo Viktor Bout. Ao contrário da história contada no filme, Viktor não teve um desfecho positivo em seus negócios, acabando por ser condenado a 25 anos de prisão. Entretanto, em relação ao filme, podemos concluir que seu protagonista foi bem sucedido em suas negociações. Analisando os processos de negociação de maneira crítica, pode-se perceber que Yuri estava sempre preparado para negociar, e lançava mão de recursos de persuasão e comunicação diversos para atingir seus objetivos. Além disso, é interessante acompanhar, no decorrer da obra, a evolução de Yuri como negociador. As habilidades de negociação, tanto na obra de ficção analisada, como na vida real de qualquer pessoa, podem ser aperfeiçoadas através de aprendizagem contínua, através da análise de negociações concluídas, seus erros e acertos. Além desse método, se colocar como observador de outros processos de negociação (como filmes que abordam o assunto), também é uma ótima ferramenta de aprendizado, permitindo ao espectador o aprendizado pela observação. Por este método, o filme analisado mostrou-se uma fonte muito valiosa de conhecimento, se analisado criticamente. Por se tratar de negociações em cenários de alta complexidade, com valores e riscos elevados, e situações de equilíbrio de poder bastante delicadas, os detalhes sutis de cada negociação são de extremo valor para o aprendizado do espectador. | |
Referências bibliográficas | |
CASTRO, Marcela Souto. Negociação e Administração de Conflitos. Apostila de sala de aula. Fundação Getúlio Vargas: Agosto de 2020. CARVALHAL, Eugênio do. Et Al. Negociação e Administração de Conflitos. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2017 DUZERT, Yann. SPINOLA, Ana Tereza Schlaepfer. Negociação e Administração de Conflitos. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2018. |
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