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DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Por:   •  24/11/2018  •  Trabalho acadêmico  •  8.094 Palavras (33 Páginas)  •  519 Visualizações

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DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS; 1.1. DIREITO À DIFERENÇA; 1.2. DISCRIMINAÇÃO E DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS; 1.3. COMBATE AO RACISMO; 1.4. AÇÕES AFIRMATIVAS

 

introdução – igualdade, diferença e vulnerabilidade ( bruNo GaliNDo)

 Falar sobre igualdade é tratar de um princípio que esteve na base da história das lutas políticas. Desde tempos imemoriais, a luta por uma sociedade mais igualitária e menos excludente esteve direta ou indiretamente associada a clamores de setores expressivos dos povos, resultando na insubmissão de muitos homens e mulheres às desigualdades discriminatórias, que os torna(va)m grupos vulneráveis. Como afirmei em outra opor- tunidade, seja na revolta contra Roma dos escravos liderados por Spartacus, seja no lema da Revolução Francesa e até mesmo na bela e sutil arte cinematográfica de Krzysztof Kieslowski (A igualdade é branca), a igualdade sempre foi um brado contra as injustiças das discriminações pejorativas que, com fundamento em uma desigualdade “natural” de caráter étnico, racial, sexual (incluída a questão da “preferência”/“orientação”), classista ou social, estiveram e estão presentes entre nós.

Igualdade:edificação de um princípio constitucional fundamental. a “metamorfose” pela diferença em reforço à igualdade material

No constitucionalismo ocidental são comuns as referências à existência, expres- sa ou implícita, da igualdade como princípio constitucional fundamental. Em verda- de, a própria ideia de Estado democrático de direito é indissociável do princípio da igualdade. O principal problema surge quando precisamos delimitar o que se pode

entender por igualdade, expressão vaga e ambígua e de forte conotação retórica.2

Concordo com Marcelo Neves quando ele afirma que deve ser afastada de pla- no a concepção de que a referida igualdade seja uma “igualdade de fato”. Segundo este autor, o princípio da igualdade surge exatamente como instituição apropriada a neutralizar as desigualdades concretas no âmbito do exercício dos direitos.3 De fato, ao considerarmos as diferenças reais existentes nos homens e na natureza, não é de difícil constatação que a desigualdade é a regra geral. As próprias assertivas jurídico- -políticas que exortam a igualdade nas diversas constituições e declarações de direitos não podem ser lidas como proposições de fato, mas como reivindicações de natureza moral, igualdade social e politicamente construída.4

A concreta aspiração a uma igualdade entre as pessoas não visa em princípio es- tipular qualquer homogeneidade social e cultural, mas evitar as discriminações arbi- trárias e/ou calcadas em diferenciações construídas a partir de critérios culturalmente considerados injustos, tais como a cor da pele, a raça, o sexo, a religião, a ascendência, a situação econômica e outros congêneres. Ainda assim, mesmo essa concepção está assentada em pressupostos filosóficos e culturais que não são os mesmos em todo tempo e lugar.

 

O princípio da igualdade toma contornos diversos a partir do iluminismo, espe- cialmente no século XVIII. No caso dos franceses, a obra de Rousseau criticando as desigualdades entre os homens com a ideia de que os mesmos nascem bons e a socie- dade os corrompe (a concepção do “bom selvagem”), culminando na necessidade de um contrato social que possa restabelecer as liberdades e a vontade geral sem o des- potismo absolutista.8 Kant, por sua vez, estabelece o princípio da igualdade associado à ideia de dignidade humana, asseverando que todas as pessoas devam ser tratadas com igual respeito e consideração, já que são cidadãos do mundo e possuem direito a uma “hospitalidade universal”.9 Tal ideário pode se tornar, sem maiores problemas teóricos, um “imperativo categórico”, ou seja, um agir segundo uma máxima tal que possamos ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.10 Em termos: a filosofia kantiana permite um desenvolvimento diferente do princípio da igualdade, cujos contornos políticos começam a tomar corpo com a famosa trilogia ideológica da Revolução Francesa – liberdade, igualdade, fraternidade –, sendo o princípio da égalité um topos retórico que ensejará contradições entre sua afirmação formal nas cartas po- líticas e a manutenção de políticas públicas pejorativamente discriminatórias, como o voto censitário na França e a escravidão nos EUA.

A caracterização do princípio da igualdade como reivindicação moral conduz, por- tanto, a perspectivas contraditórias. Mesmo após formalmente extinta a escravidão nos EUA, a jurisprudência da Suprema Corte deste país oscilou na interpretação das leis de segregação racial impostas pelos Estados-membros da federação norte-ameri- cana. No julgamento do Caso Plessy vs. Ferguson, em 1896, afirma que não violava o princípio da igualdade a Lei do Estado da Louisiana que estabelecia que as companhias ferroviárias deveriam prover acomodações iguais, porém separadas, para as pessoas brancas e não brancas, decisão que ficou conhecida como doutrina dos “separados mas iguais” (separate but equal) e que forneceu amparo constitucional à segregação ra- cial em território norte-americano. A mesma Suprema Corte dos EUA, com outros juí- zes em 1954, reviu esta posição no Caso Brown vs. Board of Education of Topeka/Kansas, decisão em que proibiu discriminações em relação ao sistema educacional baseadas no critério racial, o que possibilitou, com o mesmo fundamento no princípio da igual- dade, o acesso das crianças negras às mesmas escolas frequentadas pelos brancos, e o consequente abandono da doutrina suprarreferida.11 Tais discussões levam os jusfilósofos norte-americanos a debaterem o princípio da igualdade como definidor das liberdades individuais fundamentais, calibrado por outro princípio de justiça, o princípio da diferença, com a ideia básica de equitativa igualdade de oportunidades combinada com desigualdades sociais e econômicas socialmente vantajosas (ainda que suscite desvantagens pontuais e individuais) nos limites de uma razoabilidade em que a sociedade como um todo seja beneficiada.12

Também no Brasil, o princípio da igualdade passa por assimilação problemática. Ainda na questão racial, e aludindo a uma questão bastante atual, vem sendo admi- tida na conjuntura brasileira a adoção da denominada “discriminação positiva”. Esta consiste em buscar políticas de ação afirmativa (com inspiração claramente norte- -americana) que visem à inclusão política e social de grupos vulneráveis em virtude de racismos socioculturais, particularmente relevantes no caso dos negros, já que, apesar de a escravidão ter sido abolida no país há mais de um século, a discrimi- nação racial, ao lado de outras, permanece como um sério óbice à ascensão social das mulheres e homens negros.13 Em virtude dessa constatação, e com fundamento no princípio da igualdade, setores se opõem em relação aos caminhos a serem per- corridos em busca de uma maior igualdade racial no Brasil: muitos defendem, por exemplo, as cotas pré-fixadas para vestibulandos que se declarem negros na inscrição do vestibular nas universidades públicas; outros atacam a referida política de cotas  

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