Direito Privado Geral Da lesão
Por: Thais Azevedo • 6/3/2016 • Resenha • 1.956 Palavras (8 Páginas) • 415 Visualizações
DA LESÃO
Sob uma nova ótica do direito constitucional como centro do ordenamento jurídico mas não seu ponto longínquo, o legislador nos trouxe o Código Civil de 2002 com algumas inovações pontuais no que diz respeito à proteção contratual das partes, o que se faz à luz de preceitos constitucionais que observam, em um primeiro plano, princípios como o respeito à dignidade da pessoa humana, matriz natural do ordenamento, e seus ramificados instrumentos nas mais diversas searas do Direito brasileiro.
A nova ordem constitucional nos trouxe, como princípio informativo incorporado ao texto do CC/2002 o princípio da função social dos contratos, e dele perfilharam alguns institutos que visem à proteção dos contratantes que incorram em qualquer tipo de característica ou condição, subjetiva ou objetiva, que dela resulte um latente, ou desvelado, dano ao patrimônio da parte contratante.
Tem-se, então, como objeto do presente trabalho, a “lesão”, prevista no artigo 157, do novo Còdigo Civil.
Materialmente falando, o instituto que aqui se estuda basicamente busca prevenir que um contrato leve uma das partes a uma desvantagem fatal, o que não é do interesse do Direito, vez que não observa a função social dos contratos.
Conforme as palavras do mestre Flávio Tartuce, o vício da “lesão” fora previsto em lei a fim de que se evitasse o “massacre patromonial”[1] de uma das partes, que, por necessidade ou inexperiência, submete-se a prestação desproporcional ao valor da prestação oposta. Isso significa dizer que, a partir do novo código, o Direito busca, com acerto, aplicar preceitos constitucionais na prevenção de práticas socialmente indesejadas, mesmo no interior de um sistema antes tratado como integralmente privado.
Importa reconhecer que tal vício possui algumas peculiaridades que o tornam mais específico e preciso aos olhos do jurista, que apenas acusá-lo buscando sua finalidade: os elementos subjetivo e objetivo.
O elemento subjetivo caracteriza-se pela “premente necessidade ou inexperiência”, fator intrínseco à parte contratante vítima da lesão. Esta parte, por sua vez, em virtude do elemento subjetivo, exterioriza sua vontade de modo viciado e proposital, torto, submetendo-se a uma prestação desproporcional (elemento objetivo) por não lhe restar alternativa, consciente (já que sabe de sua necessidade) ou inconscientemente (já que sua inexperiência o faz acreditar estar fazendo um “bom negócio”).
Cronologicamente falando, o que verdadeiramente determina a caracterização do instituto, tornando-o evidente no caso concreto, seria a capacidade de se extrair dos fatos o exato momento em que ocorreu o vício contratual. Tendo este natureza de “vício de formação”, apenas caracterizar-se-á no momento em que as partes manifestam vontade e a firmam.
Ou seja, caso o vício que traga desequilíbrio contratual ocorra em momento posterior ao da formação do pacto, será aplicada a teoria da imprevisibilidade (art.317, CC/2002) como fundamento jurídico a uma ação de conhecimento que busque a revisão contratual, com o objetivo de buscar o reequilíbrio contratual e suprimir uma superveniente onerosidade excessiva (art. 478, CC/2002).
Nesse sentido, há de se observar o seguinte julgado, a título de exemplificação concreta:
“AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ARREMATAÇÃO EXTRAJUDICIAL EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BEM IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE PREÇO VIL. CARACTERIZAÇÃO DO INSTITUTO DA LESÃO (Código Civil, 157). Alegação do preço vil não é senão o instituto da lesão, aplicável aos negócios jurídicos em geral, projetado nas disposições do Código de Processo Civil para as alienações judiciais destinadas ao pagamento do valor devido, em que o valor da alienação não pode ser sensivelmente inferior ao valor do imóvel em si. Desde que a petição inicial tenha exposto os fatos e fundamentos do pedido, propiciando a defesa, não importa a classificação que tenha dado ao pedido. Nas circunstâncias do caso, as partes demandantes, para concluir edificação de valor vultoso, tomaram emprestado valor muito menor, negócio jurídico expresso em alienação fiduciária em garantia. Com o inadimplemento das mensalidades, o imóvel foi alienado em arrematação extrajudicial pelo preço de R$ 200.000,00, servindo ao pagamento da dívida de R$ 96.000,00 e sendo posto à venda pelo arrematante por R$ 690.000,00. O instituto da lesão enorme é um instrumento de tutela do equilíbrio contratual e configura-se na desproporção dos valores negociados, desproporcionais deste a celebração do negócio jurídico, aliada à premente necessidade do devedor, que necessitava de dinheiro para concluir a construção, formalizando o imóvel como garantia por dívida muito inferior, em situação lesionária, que se concretizou com a arrematação extrajudicial. Caracterizada a situação da lesão, justifica-se a anulação da arrematação extrajudicial, que poderá se repetir em situação que não seja lesiva ao devedor. APELAÇÃO PROVIDA.[2]”(grifado)
Ou seja, no caso concreto é possível notar que o julgador observa as regras do Código Civil de modo a buscar aniquilar o vício contratual que se configurou, uma vez que a parte lesada buscou alienar um imóvel por arrematação extrajudicial para o pagamento de uma dívida de valor bem inferior, mas a arrematação foi feita em valor absurdamente mais baixo que o de mercado, o que se demonstrou pela alienação posterior feita pelo arrematante, onde se caracterizou, nitidamente, lesão.
Observemos, ainda, este julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. EMBARGOS A EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CRÉDITO EDUCATIVO. BOLSA DE ESTUDOS. LESÃO NÃO CONFIGURADA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE NAS DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1.Preambularmente, é preciso consignar que os serviços educacionais estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. 2.Contudo, na hipótese específica de crédito educativo, programa governamental instituído em benefício do estudante, sem característica de serviço bancário, é inaplicável o diploma consumerista. Precedentes do STJ. 3.Inexiste desproporção nas prestações, a gerar lucro demasiado a exeqüente, nem qualquer indício de que o embargante fosse inexperiente ou estivesse em estado de premente necessidade e, menos ainda, de que a exeqüente teria pretendido beneficiar-se destas situações. Lesão não configurada. Inteligência do artigo 157 do Código Civil. 4.A correção monetária é calculada mediante a devolução pelo bolsista do custo atual das horas-aula desfrutadas, a fim de que a instituição de ensino cubra o valor do contrato de outro beneficiário que também necessite deste tipo de crédito. Método de atualização monetária que possibilita a continuidade de concessão de novos mútuos e, conseqüentemente, a rotatividade do crédito. 5.Portanto, sob este viés não há ganho com a atualização definida neste mútuo, mas simplesmente reposição de valores para que outro estudante possa ser beneficiado com este sistema, de sorte que há a mais pura aplicação da eqüidade com o pleno atendimento aos fins sociais que se destina este tipo de contrato, o qual está consagrada no artigo 5º da LICC. 6.Não há previsão de cobrança de juros remuneratórios nos contratos em tela e, consequentemente, da capitalização destes. Ressalte-se que inexiste no feito qualquer adminículo de prova neste sentido, ônus que se impunha a parte embargante demonstrar e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. 7.As taxas de administração estão previstas contratualmente e não se mostram abusivas. Tal rubrica pretende resguardar a manutenção do crédito educativo. 8. A previsão de incidência sobre o montante do débito de juros à taxa de 1% ao mês e a multa moratória de 2% não são abusivas. 9.Os instrumentos particulares de concessão de bolsa rotativa de estudos, em exame, não apresentam qualquer irregularidade ou ilegalidade passível de ser corrigida pelo Poder Judiciário, ao contrário, trata-se de contratos de financiamento que tem permitido a inclusão social e o acesso de brasileiros com menor poder aquisitivo ao ensino superior, não sendo crível que alguém que se beneficiou deste sistema venha agora tentar impedir o ingresso de outro estudante nele ao inadimplir a prestação que se obrigou. 10.Verba honorária reduzida, tendo em vista a natureza da causa e o trabalho desenvolvido pelo procurador que atuou no feito, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Dado parcial provimento ao apelo[3].” (grifado)
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