EXMO SR. JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE CAMPO GRANDE (MS)
Por: Bruno Cavalcanti • 20/11/2017 • Trabalho acadêmico • 1.482 Palavras (6 Páginas) • 542 Visualizações
EXMO SR. JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE CAMPO GRANDE (MS)
Processo nº: 0123456-78.2017.8.12.0001
Autor: Ministério Público Estadual
Réu: João Carlos Lopes
JOÃO CARLOS LOPES, já qualificado nos autos em epígrafe, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência por intermédio de seu advogado Bruno Cavalcanti Figueiredo que esta subscreve, com fundamento no artigo 403, §3º do Código de Processo Penal, apresentar alegações finais por meio de MEMORIAIS, sustentando desde já sua inocência consubstanciada nas razões fáticas e fundamentos jurídicos a seguir expostos:
- DOS FATOS
Na peça acusatória consta que no dia 03 de março de 2013, na residência de Nair Macedo Rosa, localizada na Rua Dom João VI, Jardim Noroeste, nesta capital, aproximadamente às 20h20min.; teria o acusado esfaqueado a vítima JOÃO DA SILVA logo após uma discussão com uma faca de tamanho médio, o que ocasionou a morte desta. Em seguida, teria ele evadido do local em razão do tumulto gerado pelo ferimento da vítima.
O ocorrido acima mencionado deu-se porque ambos, sabidamente desafetos, encontraram-se no período da noite na casa de Nair, ocasião em que, apesar de inicialmente ambos terem ficado em extremidades opostas do imóvel (um na frente da casa e o réu nos fundos) a vítima dirigiu-se para onde encontrava-se o réu e seu tio Raimundo (cônjuge da dona da casa) e começou a exaltar-se com este último. Em defesa de seu tio e tendo então a ira da vítima voltada contra si, o autor do fato utilizou-se do único instrumento que tinha em mãos para sua defesa, fato este que deu causa ao óbito de quem o atacava.
- DO DIREITO
Durante a instrução probatória, apesar de comprovada a materialidade do fato como consta na peça acusatória, não deve ser aplicada qualquer punição ao acusado; uma vez que restou comprovada a ausência de intenção de matar (animus necandi); além de ter-se configurado legítima defesa em prol do réu, o que incide na aplicação de uma excludente de ilicitude.
A depoente Deise N. de Macedo, sogra da vítima, declara o perfil violento e possessivo que esta possuía; e que foi João da Silva quem dirigiu-se ao ambiente da casa onde encontrava-se seu desafeto, além de que também foi ele, a vítima, que deu início à agressão do marido da referida testemunha – o que motivou a intervenção do acusado, tendo este agido portanto apenas e na medida necessária para defender seu tio (conforme consta às fls. 29). Ademais, depõe Deise que o acusado já tinha sofrido várias ameaças por parte da suposta vítima.
Qualquer tentativa de imputar ao réu uma conduta passível de punição não encontra qualquer respaldo no conjunto probatório que reflete a realidade dos fatos; uma vez que, pelos depoimentos, ficou demonstrado que o réu não sabia inicialmente que seu desafeto encontrava-se naquele ambiente (fls. 21), que estava de posse da faca apenas porque mais cedo, naquele dia, ele esteve num churrasco (fls. 28), que manteve-se durante todo o tempo em ambiente afastado da suposta vítima (fls. 23), que apenas agiu contra seu desafeto no momento em que este agrediu fisicamente o seu tio, e que desferiu apenas um golpe – o que reflete que este não teve a intenção de matar pois não haveria como, de tal modo, assegurar a ocorrência do resultado morte.
De acordo com previsão do art. 415, III do CPP, “o juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: III – o fato não constituir infração penal” e em consonância com a previsão do art. 23, II do CP que dispõe que “não há crime quando o agente pratica o fato: II – em legítima defesa”; não há meios de se responsabilizar o réu por uma conduta que foi resultado de injusta agressão por parte da vítima, ainda que tenha sido contra terceiro – no caso, seu tio.
Sobre tal aspecto, posiciona-se a atual jurisprudência:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO SIMPLES. NULIDADE DA PRONÚNCIA. QUESTÃO DE MÉRITO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA. NÃO OCORRÊNCIA. LEGÍTIMA DEFEDA DE TERCEIRO. COMPROVAÇÃO INCONTESTÁVEL. 1- Se a legítima defesa de terceiro restou demonstrada, pelo conjunto probatório dos autos, na medida em que configurada a agressão injusta da vítima contra outra pessoa, a qual só pôde ser descontinuada após a reação do acusado, deve ele ser absolvido sumariamente. 3- Recurso conhecido e provido. (TJ-GO – RES:02967915920098090049. Relator: DR (A) SIVAL GUERRA PIRES, Data de Julgamento:20/07/2017, 1ª CÂMARA CRIMINAL. Data de Publicação: DJ 2329 de 16/08/2017).
Como demonstrado acima, não deve ser decidido pela pronúncia do acusado; tendo em vista a evidente configuração da excludente de ilicitude de legítima defesa em favor de terceiros que não admite a responsabilização do autor da infração.
Também configuraria medida de justiça a absolvição do réu com fulcro no art. 386, III do CPP, uma vez que após a análise do conjunto probatório restou-se comprovado que o fato ocorrido não constituiu infração penal; pois encontra-se resguardado por uma excludente de ilicitude que implica em ausência de tipo – e portanto, retirando qualquer possibilidade de se punir o acusado.
Ademais, a ausência de animus necandi implica na não configuração da conduta tipificada na denúncia de homicídio doloso, sendo possível portanto a desclassificação do delito para o de homicídio culposo (haja vista a ausência de intenção de matar consubstanciada no fato do único golpe desferido, sem qualquer previsão de onde o instrumento utilizado iria ferir a vítima e sem assegurar que ela viesse efetivamente a óbito), com previsão no art. 121, § 3° do CP.
A ausência de animus necandi ainda dá a possibilidade de desclassificação do crime de homicídio doloso para o de lesão corporal seguida de morte; consubstanciada no art. 129, § 3º do CP. É preciso salientar que, ainda que a suposta vítima fosse desafeto do ora réu, este jamais procurou confusão com aquele, e evitava de todas as formas confrontá-lo justamente para que não houvesse agressão. A mera ocorrência do fato descrito na denúncia não implica em dolo por parte do acusado.
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