Fichamento Teoria das formas de Governo - Norberto Bobbio - Montesquieu
Por: Gabriel G.R.R • 29/10/2019 • Resenha • 1.836 Palavras (8 Páginas) • 312 Visualizações
Universidade Federal de Santa Catarina
Direito
Teoria Política
Gabriel Garcia Rafaelli Rigoni – gabrielgarciarigoni@gmail.com
FICHAMENTO 15: MONTESQUIEU
Montesquieu escreve seu mais famoso livro L'Esprit des Lois (O Espirito das Leis) em 1748. Não se trata de uma obra de teoria política, embora exista uma e será o que abordaremos exclusivamente nesta análise. Das possíveis interpretações deste livro, o que Bobbio considera é de uma teoria geral da sociedade. Como Vico, Montesquieu propõe também o problema de saber se há leis gerais que presidem à formação e ao desenvolvimento da sociedade humana, de modo geral, e das sociedades, consideradas em particular, com ênfase no mundo extra europeu (principalmente no que concerne ao despotismo), o que difere de Vico.
A dimensão de Montesquieu é sobretudo espacial ou geográfica – o que Bobbio define como teoria geral da sociedade. Montesquieu busca a explicação da variedade das sociedades humanas e seus respectivos governos, não só no tempo, mas também no espaço.
Montesquieu, logo nas primeiras linhas de seu livro, mostra que o seu interesse é principalmente a descoberta das leis que governam o movimento e as formas das sociedades humanas, para tornar possível a elaboração de uma teoria da sociedade:
“No seu significado mais amplo, as leis constituem as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; neste sentido, todos os seres têm suas próprias leis: a divindade, o mundo material, as inteligências superiores ao homem, os animais, os seres humanos”.
Logo temos duas opções - todos os seres do mundo (inclusive Deus) são governadas por leis; têm se uma lei sempre que há relações entre duas pessoas cujo o melhor exemplo é a relação de casualidade. Destas duas definições Montesquieu extrai uma consequência que sustenta sua tese: o mundo não é governado por “cega fatalidade”.
“Há, portanto, uma razão primitiva, e as leis são as relações entre ela e os vários seres, bem como as relações destes últimos entre si”.
Isto permite que Montesquieu considere semelhanças entre o funcionamento do mundo dos homens e o universo natural. O primeiro é mais complexo pois “o mundo da inteligência está bem longe de ser tão bem governado quanto o mundo físico”. Isto deve-se ao fato de que o homem se inclina, pela sua própria natureza, a desobedecer as leis naturais, tem uma consequência que distingue nitidamente o mundo físico do humano: para assegurar o respeito às leis naturais, os homens foram obrigados a dar-se outras leis - as leis positivas, promulgadas em todas as sociedades pela autoridade à qual incumbe manter a coesão do grupo. O mundo natural, com leis exclusivas (as naturais) são mais fáceis de compreender pois são mais regulares e uniformes. Já no mundo dos homens temos além das leis naturais, as leis positivadas o que nesta citação se explica perfeitamente:
“A lei é a razão humana enquanto governa todos os povos da terra; e as leis políticas e civis de todas as nações não devem ser senão os casos particulares em que se aplica essa razão humana”.
Montesquieu distingue três espécies de leis positivas: o direito das gentes, ou seja, o direito entre Estados (direito internacional), o direito político, entre governantes e governados (direito público) e o direito civil, entre governados (que ainda hoje conhecemos por esse nome).
O universo humano exige, ao contrário do natural, o conhecimento mais amplo possível das leis positivas, isto é, das leis que mudam com o tempo e o lugar. Só se pode elaborar uma teoria geral da sociedade com base no estudo das sociedades particulares. O objetivo de Montesquieu é construir uma teoria geral da sociedade a partir da consideração do maior número possível de sociedades históricas. A intenção é explicar a variedade. O tema da multiplicidade das leis - que faz com que o que é justo de um lado dos Alpes seja injusto do outro lado - é tão antigo quanto a reflexão sobre as sociedades humanas. A multiplicidade das leis tem uma razão, cujas raízes podem ser encontradas. Pelo enorme número de dados, Montesquieu afirma que as causas da variedade das leis são de três categorias: "físicas" ou "naturais", como o clima, a maior ou menor fertilidade do solo; "econômico-sociais" como o modo de subsistência (distinguindo-se, sob este prisma, os povos selvagens, caçadores; bárbaros, pastores; civis; agricultores e depois comerciantes); e "espirituais", como a religião.
Após a leve introdução do significado da obra de Montesquieu, Bobbio parte para o cerne da temática de sua análise: as formas de governo. O que muda em Montesquieu é o conteúdo da tipologia, que não corresponde mais nem à classificação tradicional (a tripartição, com base no "quem" e no "como") nem à tipologia maquiaveliana (a bipartição em principados e repúblicas). A divisão é prevista, por Montesquieu, em três espécies: república (democrática ou aristocrática), monarquia e governo despótico. O Livro II tem início com um capítulo intitulado "Da Natureza dos Três Diferentes Tipos de Governo", que convém reproduzir:
“Há três espécies de governo: o 'republicano', o 'monárquico' e o 'despótico'... Estou pressupondo três definições- ou melhor, três fatos: o governo republicano é aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detém o poder supremo; o monárquico é aquele em que governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas; no governo despótico, um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios”.
As primeiras duas formas correspondem às duas formas de Maquiavel: a "república", tanto a aristocracia quanto a democracia, conforme o poder seja exercido por "todo o povo" ou só uma parte. A terceira forma de governo de Montesquieu corresponde, na teoria clássica, a uma das formas corrompidas. Bobbio analisa a tipologia que descreve como bastante anômala, que consistia no fato de que mistura dois critérios diferentes - o dos sujeitos do poder soberano, que permite distinguir a monarquia da república, e o do modo de governar, que leva à distinção entre monarquia e despotismo. Montesquieu utiliza simultaneamente os dois critérios tradicionais - um deles para caracterizar a primeira forma com relação à segunda, o outro para distinguir a segunda da terceira. Além disso, a teoria pode aparentar estar incompleta pois apresenta o despotismo como única forma degenerada, deixando a entender que não há formas corrompidas de república, quando na verdade a história e seu próprio livro incluem esta ideia. O que justificativa essa tese apoia-se na realidade histórica a que se prendia o autor: Montesquieu dedicava-se ao estudo das civilizações extra europeias, onde forma mais comum era a despótica, o que elevou essa vertente a uma categoria independente dos demais governos monárquicos, incluindo, portanto, o mundo oriental à realidade europeia e à tradição romana das composições de poder.
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