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O Direito do Consumidor

Por:   •  21/5/2019  •  Artigo  •  29.163 Palavras (117 Páginas)  •  150 Visualizações

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MARIA CAROLINA RIBEIRO

2017.1

        

DIREITO DO CONSUMIDOR

AURISVALDO SAMPAIO


🙡 DIREITO DO CONSUMIDOR 🙣

Antes do Código de Defesa do Consumidor, não havia direito do consumidor. O direito do consumidor é fruto do sistema de produção capitalista e, é um ramo do direito que se justifica por conta do sistema de produção e consumo em larga escala. Somente no início do século XX é que a preocupação em se criar um tratamento disciplinado para essa temática surgiu. Antes do Código de Defesa do Consumidor, haviam normas de proteção ao consumidor, mas não havia a preocupação em se estabelecer uma política pública de defesa do consumidor – o que haviam eram preocupações pontuais. Uma das primeiras preocupações com a defesa do consumidor era visualizada no Código de Hamurabi, onde haviam normas de proteção ao adquirente de embarcações: aquele que adquirisse embarcação com defeitos estruturais poderia exigir do fabricante que o refizesse às suas expensas. Haviam ainda outras preocupações do Código de Hamurabi: em relação à construção, tinha-se que se a construção ruísse sobre um servo do proprietário, um servo do construtor seria dado em substituição; se houvesse ferimento ou morte de um filho do proprietário, seria também ferido ou morto o filho do construtor e, havendo morte do proprietário, o próprio construtor morreria. O Código de Manu na Índia também traz proteção ao consumidor de gêneros alimentícios. Os romanos trouxeram a proteção redibitória, impuseram o congelamento de preços em áreas ocupadas. Na França da Idade Média, punia-se com banho escaldante aquele que adicionasse água ao leite ou pedra à manteiga. Nas Ordenações também se visualizava essa preocupação com o consumidor – se impunha o degredo ao advogado que por desídia ocasionasse a perda da causa. No Brasil, já no século XIX, havia uma preocupação em relação à indústria de medicamentos: os medicamentos eram de péssima qualidade e beiravam a fraude, mas eram os medicamentos que existiam à época. Havia muito anúncio indicando falsas propriedades desses medicamentos, logo, surgiu normatização proibindo a divulgações de propriedades não comprovadas dos medicamentos. No século XX a preocupação com a defesa do consumidor foi crescente, podendo-se indicar a Lei de Usura e a criação dos PROCON. Ainda assim, essas eram manifestações pontuais com a defesa do consumidor, não existindo ainda a preocupação em se estabelecer uma política pública de proteção ao consumidor. A doutrina indica que, o marco do surgimento dessa preocupação em termos planetários se deu na década de sessenta do século XX, nos Estados Unidos: John Kennedy encaminhou para o congresso americano uma série de medidas de proteção ao consumidor e, anuncia os princípios do direito do consumidor nesses projetos. Posteriormente a preocupação com o consumidor chega à Europa, onde é bastante desenvolvida. No Brasil, a proteção se solidifica a partir da Constituição Federal de 1988, que traz consigo três importantes artigos: art. 5º, XXXII; art. 170, V e art. 48 do ADCT. Posteriormente, em 1990, surge o Código de Defesa do Consumidor. Questiona-se porque a proteção ao direito do consumidor ocorreu de forma tão tardia no Brasil, e porque a preocupação com o direito do consumidor primeiro surgiu nos Estados Unidos, depois na Europa, e somente após a segunda metade do século XX no Brasil. A cronologia do surgimento da preocupação com o consumidor pelo mundo, reforça a ideal de que o direito do consumidor é fruto do sistema de produção capitalista. O direito do consumidor é um mecanismo para compatibilizar o sistema de produção capitalista com a proteção humana no âmbito das relações jurídicas de consumo. No passado, se alguém precisasse de medicamento, o sujeito se dirigia a farmácia e pedia para que o medicamento fosse formulado – se o remédio fosse mal formulado, haveria dano somente ao sujeito que solicitou a produção do medicamento. Atualmente, um único medicamento tem o potencial de causar dano a um número indeterminado de pessoas. Houve a democratização dos riscos, ou seja, os riscos foram pulverizados. A sociedade de consumo é uma sociedade de risco, pois, consumir envolve risco e, o sistema de produção capitalista, que traz a produção em massa, amplia o risco. É necessário proteger o consumidor em face do próprio sistema de produção. Por outro lado, os economistas indicam que foi o próprio sistema capitalista que permitiu que se alcançasse a chamada Era da Afluência. Nessa Era, as necessidades básicas das populações estão satisfeitas e, satisfeitas essas necessidades básicas, é possível o surgimento de preocupação com qualidade, segurança, informação, entre outros. No Brasil, nem todos atingiram esse estágio da afluência. A sociedade afluente, como dito, é fruto do sistema capitalista e, traz a possibilidade de que se demande algo além da satisfação de necessidades básicas – essa é a razão do surgimento tardio do direito do consumidor no Brasil. Antes, o sistema econômico vigente não demandava a proteção ao consumidor e, isso explica o surgimento do direito do consumidor de forma tardia no Brasil. Com essa perspectiva é que deve ser visto o direito do consumidor: como um direito que busca compatibilizar o sistema de produção capitalista com a proteção humana – por isso o direito do consumidor é um ramo do direito tão protetista.

FONTES CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR: O direito do consumidor é uma forma de compatibilizar o sistema capitalista e a produção em larga escala com o princípio da proteção à dignidade da pessoa humana. É possível inferir isso da própria ordem constitucional.

  • Art. 170, V, Constituição Federal: O art. 170 da Constituição Federal dispõe que, “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: defesa do consumidor”. No Brasil, adotou-se o sistema capitalista e, isso não é somente uma realidade fática, mas uma opção do legislador constitucional – isso pode ser visto diante da proteção à propriedade privada, livre concorrência e livre iniciativa. O capitalismo adotado tem o fim de conferir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social: os valores da pessoa humana se sobrelevam em relação ao lucro. Acima do interesse legitimo do lucro, estão os valores essenciais da pessoa humana. Os valores que são intrinsecamente humanos estão acima da busca natural e legítima do lucro. Para que de fato a ordem econômica atinja o objetivo de assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social, o próprio art. 170 dispõe a necessidade de observância de determinados princípios e, um desses princípios é a defesa do consumidor. Dentre os valores que devem pautar a ordem econômica entendida como o conjunto de agentes que atuam no mercado, está a defesa do consumidor. Impondo esse princípio como um princípio da ordem econômica, a Constituição Federal impõe à ordem econômica deveres positivos e negativos. Do ponto de vista negativo, a ordem econômica não pode atuar em prejuízo do consumidor. Do ponto de vista positivo, toda atuação da ordem econômica deve ser no sentido de satisfazer o consumidor e suas necessidades. Nesse sentido, é o direito do consumidor um mecanismo de compatibilização do sistema de produção capitalista com a proteção da pessoa humana no âmbito das relações de consumo.
  • Art. 5º, XXXII, Constituição Federal: O principal artigo que trata do direito do consumidor é o art. 5º, XXXII da Constituição, onde se indica que o direito do consumidor é um direito fundamental, reforçando a ligação entre proteção ao consumidor e proteção à dignidade da pessoa humana: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Esse dispositivo não está determinando a edição de uma lei de defesa do consumidor – na verdade a imposição é no sentido de que o Estado brasileiro mantenha uma política pública de proteção ao consumidor. No passado, haviam manifestações pontuais de preocupação com o consumidor, mas, a partir da Constituição Federal se determina que o Estado brasileiro mantenha uma política pública de defesa do direito do consumidor. Nesse sentido, contraria a ordem constitucional qualquer iniciativa do Estado brasileiro que implicar em desproteção ao consumidor, seja na seara legislativa, executiva ou em qualquer outra. Esse dispositivo constitucional reforça a proibição do retrocesso em âmbito de direito do consumidor. Esse princípio que se aplica a qualquer direito social é reforçado diante do direito do consumidor, na medida em que o Estado deve proteger o consumidor. Mitigar a proteção ao consumidor seria atuar contrariando o mandamento constitucional no sentido de promoção ao consumidor. Mais do que isso, esse dispositivo reconhece a vulnerabilidade do consumidor. O princípio da vulnerabilidade é um princípio infraconstitucional expresso (art. 4º, CDC) e um princípio constitucional implícito – isso porque, o art. 5º, XXXII determina a defesa do consumidor e, quem precisa de defesa é aquele que é frágil. Ao determinar a promoção da defesa do consumidor, a Constituição reconhece o estado de fragilidade do consumidor e, fragilidade é o mesmo que vulnerabilidade. Desse dispositivo, é possível perceber que o legislador constitucional quis assegurar ao consumidor o grau de proteção máxima do ordenamento jurídico, isso inclusive é uma consequência do reconhecimento da vulnerabilidade. Nenhum outro sujeito de direito estando na mesma situação que o consumidor ou em situação mais privilegiada que ele, deverá ser destinatário de grau de tutela maior – se o for, a tutela do consumidor deve ser estendida para alcança-lo.

Exemplo: O art. 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Já o art. 927 do Código Civil de 2002, em seu parágrafo único, dispõe que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em li, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.  Diante de atividade de risco exercida por profissional liberal, questiona-se se a sua responsabilidade será objetiva ou subjetiva, em caso de dano causado por este. Da análise dos dois dispositivos, percebe-se a existência de um conflito aparente de normas. O Código de Defesa de Consumidor, por ser norma especial, em regra deve predominar, no entanto, diante da necessidade de ampla proteção, quando uma norma inferior traz maior proteção, ela deve se estender ao consumidor. A responsabilização do profissional liberal em relação de consumo, em princípio seria subjetiva. O Código Civil, por outro lado, indica que diante do exercício de atividade de risco, a responsabilização terá caráter objetivo. A proteção trazida pelo Código Civil se estende ao direito do consumidor, visto que é mais ampla. Dessa forma, o profissional liberal que exerce atividade de risco dentro de relação de consumo, responde objetivamente pelos danos causados. O grau de proteção dado ao consumidor precisa ser ampliado para atingir a norma mais protetiva. É difícil para o consumidor fazer a prova de culpa.

A vulnerabilidade é multifacetária – a vulnerabilidade do consumidor não deve ser vista somente do aspecto econômico. Os consumidores são vulneráveis, mas, em algumas situações há uma hipervulnerabilidade – um exemplo é o paciente em relação ao médico.

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