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O mito da verdade. In A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial

Por:   •  22/10/2017  •  Resenha  •  938 Palavras (4 Páginas)  •  554 Visualizações

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Khaled, Salah H, Jr. O mito da verdade. In A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013

Consuelo Chaves[1]

O professor assistente de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, em capítulo de seu livro “A busca da verdade no processo penal”, reflete sobre a figura do mito no universo da persecução no processo penal, que tem o juiz como ícone representativo da jurisdição do Estado. A leitura é densa, a redação confusa e, às vezes, prolixa, mas rica em referências bibliográficas.

Sem querer entrar nos meandros da Antropologia, campo que mais profundamente discute o conceito de “mito”, em ícones como Lévi-Strauss, o autor parte da noção de mito como elemento de convicção na busca da verdade, que, embora seja ilusão metafísica, traz efeitos reais ao imaginário social, por criar e se sustentar em dogmas.

O objetivo do autor é questionar o lugar atribuído ao juiz na busca da verdade, que alcança status de mito, através do rito simbólico do processo inquisitório.  Para tal, ele procede a uma revisão de literatura, trazendo Paz, Elíade, Ricouer, Mauss, Thums, Garapson, Ginzburg, Leenhardt, Vernant, Chauí, Geertz, Chartier, Gerber, Carvalho e outros.

Por rito, entende-se um sistema cultural de comunicação simbólica, formado por seqüências ordenadas e padronizadas e atos expressos de formas variadas e com diferentes graus de convenções, rigidez, fusão e repetição. O rito situa o indivíduo no lugar, enquanto o mito amplia no tempo (Ricouer).

Para Paz, a pretensão de articular o dogma da busca da verdade ao mito usa de estratégias que mudam de acordo com as utopias políticas, tecnológicas, eróticas etc. Já para Elíade, a perpetuação dos mitos, ao longo da história, considerados como sagrados, cria as bases das construções paradigmáticas, moldando formas de pensar e de agir dos homens, inseridos numa realidade objetivada, com estrutura de significados e processos simbólicos socialmente compartilhados. As narrativas míticas têm função exemplar e pedagógica, legitimando também as relações de poder de determinado grupo social.

Lembra Eymerich que o “mito “da imposição da verdade legitima o juiz na busca de uma verdade inquisitória, que reforça o mito da infalibilidade do magistrado ao proferir seu veredicto e legitima toda a estrutura do poder judiciário. O ritual do uso da “toga” eleva o juiz a um patamar além dos mortais, que não deixa de se revelar uma violência discursiva ao mostrar sua superioridade às outras partes (Garapon). Ou seja, o julgamento é exercido por uma instituição revestida de sacralidade, cujos ritos são aceitos sem crítica pelos próprios operadores de Direito e pela sociedade, por habitus reiterados, perpetuados através de ignorância própria de uma massa que se submete aos meandros de quem exerce poder ideológico em campos de representação definidos (Bourdieu).

No entanto, este processo mítico da busca da verdade, fundante no processo penal, não reconhece sua vinculação com regimes inquisitórios e regimes autoritários, embora aceite a confortável reiteração da autoridade legitimada pelo sagrado, sem questionamentos.  O poder se amplia quando o juiz, ao sentenciar, fornece a resposta dogmática do Estado, legitimado pelo processo jurisdicional.  Eis aí o paradoxo: o estado constitucionalista, que se quer democrático, acaba por legitimar o poder autoritário. O mito reveste-se, portanto, de um sentido utilitarista, incompatível com o estado democrático de direito.

O mito é, pois, um instrumento de dominação (Ginzberg).  Desde a Grécia antiga, Platão e Sócrates já defendiam que o mito, enquanto mentira, era reservado aos líderes e direcionado ao bem comum. Também Aristóteles analisava que os homens são dominados por paixões e ignorâncias, dominados por religião e mitos introduzidos pelos homens sábios.  

A partir destas considerações, o autor discorre sobre os mecanismos de convencimento e permanência do mito. São eles: deslocamento e renovações de sentido para se atualizar (1); discursos simbólicos reprodutivos (2); repetição e readaptação (3); linguagem que alterna prazer de ouvir e a escrita (logos) (4) e a própria ignorância (5).  

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