RESENHA - O Estado de Direito Entre o Passado e o Futuro
Por: Rodrigo Tavares • 5/3/2020 • Resenha • 1.291 Palavras (6 Páginas) • 276 Visualizações
RESENHA - O Estado de Direito entre o passado e o futuro - Luigi Ferrajoli
No texto “ O Estado de Direito entre o passado e o futuro” de Ferrajoli (2006), o autor sustenta a tese de que os dois diversos significados para a expressão “Estado de Direito”, correspondem a dois modelos distintos, mas que refletem duas experiências históricas desenvolvidas no continente europeu. O primeiro modelo relacionado com o sentido formal ou amplo da própria expressão, atenta toda e qualquer forma de organização no poder público seja ele liberal ou não — liberal, sustentados pela legalidade através de uma fonte e forma.
Já o segundo modelo, pensa o sentido da expressão de maneira substancial ou forte, focado no entendimento de que o Estado de Direito é designado àqueles ordenamentos nos quais os poderes públicos estão igualmente sujeitos à lei (limitados e vinculados a ela), não apenas quanto as formas, mas também, quanto aos conteúdos do seu exercício.
Esses dois modelos na perspectiva de Ferrajoli, são resultados das mudanças de paradigmas nas condições de existência e de validade das normas jurídicas, o modelo paleojuspositivista do Estado legislativo de Direito, sendo a afirmação do princípio de legalidade como norma de reconhecimento do direito existente e o modelo neojuspositivista do Estado constitucional de Direito que, por seu lado, prioriza a rigidez constitucional e do controle jurisdicional de constitucionalidade sobre as leis ordinárias como reconhecimento de direito válido.
Essas duas produções de pensamento foram proporcionadas através de três alterações significativas, são elas: a) na natureza do direito, b) na natureza da ciência jurídica e c) na natureza da jurisdição; Ferrajoli também identifica consequentemente três paradigmas da análise das alterações mencionadas, o direito pré — moderno, o Estado legislativo de Direito e o Estado constitucional de Direito.
Ao debruçar-se sobre o primeiro modelo de Estado legislativo de Direito e positivismo jurídico, o autor percebe que a teoria jusnaturalista pré — moderna era preponderantemente jurisprudencial e doutrinária, dificultando assim a legitimação da fonte formal e de sua consistência unitária. Diante disso, Ferrajoli verifica esse paradigma pré — moderno por meio da teoria da validade na natureza do direito e constata que na carência de um sistema exaustivo e exclusivo de fontes positivas, uma norma jurídica é válida não por força da autoridade de quem a propõe, mas na identidade da norma com a sua “verdade” em sentido amplo, conforme a racionalidade e ao senso comum de justiça.
A segunda implicação percebida é a natureza da ciência jurídica e da sua relação com o direito, achando-se ela imediatamente normativa e idêntica com o próprio direito. O que se estende a uma terceira implicação, a jurisdição não consiste em um direito “dado” e autônomo existente como no sistema jusnaturalista, segundo o qual o juiz estaria apenas sujeito à lei, mas em sentido contrário, ou seja, na produção jurisprudencial do próprio direito.
Em seguida com a refundação sobre o direito a respeito do princípio da legalidade (defendido pelos juspositivistas) como metanorma de reconhecimento do direito existente e como primeiro e insubstituível limite contra o arbítrio, colabora para o nascimento do então Estado de Direito moderno na forma do “Estado legislativo de Direito”, saindo de um pré — moderno direito jurisprudencial. A noção aqui de validade da norma no Estado legislativo de Direito se dissocia da “verdade” acima mencionada e se aproxima do critério de identificação que passa ser a forma da lei por sujeitos habilitados por ela, o que separa a primeiro momento o “Direito da moral”, ou seja, o que valida o direito não é mais o senso comum de justiça ou verdade, mas a fonte legal de sua validação.
Após essa inicial mudança de paradigma do direito com o debate em torno do princípio da legalidade, houve uma racionalização desse princípio para um parâmetro mais complexo de legitimidade e garantia a lei hierarquicamente superior: a constituição. O resultado disso, o modelo do Estado legislativo de Direito passou por três alterações, são elas: a) no plano da natureza do direito; b) no plano da interpretação e da aplicação da lei; e, c) no plano da ciência jurídica.
Além do caráter positivo da norma quanto a natureza do direito que separa validade e vigor, no plano da interpretação da lei, o papel do juiz modificou-se na forma e na sua sujeição a lei, em consequência, transformou a ciência jurídica não mais em apenas descritiva, mas crítica com relação a seu próprio objeto. O que leva ao novo momento do Estado de Direito, transitando do legislativo ao “Estado constitucional de Direito” que disciplina não apenas as formas da produção jurídica, mas também, os significados normativos produzidos, possibilitando a melhor análise e resposta a sociedade sobre problemas como antinomias e lacunas da lei.
A dimensão substancial da validade no Estado constitucional de Direito se traduz em uma dimensão substancial também da democracia, uma vez que, os princípios e os direitos fundamentais vincularam-se a legislação do Estado. Condicionando a legitimidade do próprio sistema político a sua tutela, com isso, confere uma espécie de garantismo constitucional para as condições de “existência” e de “validade” através da subordinação do poder legislativo à lei, por força da qual, uma norma só poderá ser válida (além de vigente) se o seu conteúdo não divergir dos princípios e direitos fundamentais estabelecidos pela constituição.
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