A Teoria das Relações Internacionais
Por: Kairo Nogueira • 6/2/2018 • Ensaio • 1.552 Palavras (7 Páginas) • 306 Visualizações
No mainstream da Teoria das Relações Internacionais, caracterizado principalmente pelas correntes Realista e Liberal, as procedências clássicas, destinadas a identificar regularidades históricas através de princípios universais, são extremamente valorizadas. O artigo de Graham Allison, popularizou-se pela “armadilha de Tucídides”, resgatando uma das mais importantes procedências realistas, apresentada na obra de Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso. A partir do confronto entre Atenas e Esparta, Allison caracteriza a “armadilha” como o reconhecimento da potência hegemônica, e sua apreensão, quanto à ascensão de uma nova potência, que pode ameaçar seus interesses, levando a um conflito bélico.
Na carta de Keith Tidman, Allison associa, no contexto do século XXI, Esparta aos EUA, como a potência que vê sua posição ameaçada, e China à Atenas, como a nova ameaça do Sistema. Contudo, essa análise, essencialmente realista, apresenta brechas passíveis de muitas críticas das ramificações das Teorias de RI, por ser, no contexto internacional atual, simplista e, ainda, anacrônica.
Sob a ótica da Escola Inglesa, representada por Headley Bull, a situação interpretada por Allison como uma “rota de colisão para a guerra” – uma armadilha - pode ser atenuada a partir do “middle course” em que se encontra a Sociedade Internacional. Ao contrário das relações entre Esparta e Atenas e da análise de Allison, a relação entre China e EUA é muito mais profunda, o que pode ser percebido através das relações econômicas, comerciais, e diplomáticas, fortificadas pelas instituições as quais compartilham – isso gera uma situação de interdependência que torna muito mais complexo o cálculo racional estatal a respeito da possibilidade de um conflito, já que ambos os lados possuem interesses em pauta. Nessa Sociedade, apesar da potência hegemônica estar constantemente em disputa, a partir da análise de Bull, ela também se torna mais cautelosa para proteger seus interesses. Destarte, os valores comuns e a cooperação em instituições conferem maior estabilidade ao Sistema, o que imputa maiores obstáculos à falência de China e EUA em uma “armadilha” caracterizada simploriamente pelo aumento de poder do outro.
Tidman ressalta, o fator da recorrência da “armadilha de Tucídides” apresentado por Allison. Contudo, ao passo em que procura, na história, a construção de um argumento que corrobore com a padronização de guerras em decorrência da “armadilha”, Allison não analisa as causas que levariam a tal situação – em outra palavras, as guerras citadas por ele não ocorreram pelos mesmos motivos. A partir do pensamento francês, representado principalmente por Jean-Baptiste Duroselle, tem-se, para além da ideia de explicação, a valorização do entendimento histórico, o que permitiria compreender os fenômenos citados por Allison com uma profundidade maior do que a “armadilha de Tucídides” permite. No pensamento francês, a presença de um sistema de causalidades, é caracterizada por forças profundas - causas potenciais responsáveis pelos movimentos da coletividade, pacíficos ou conflituosos. Assim, são essas forças - podendo ser desde movimentos demográficos à nacionais -, que tem recorrência na história a longo prazo, diante da sua capacidade de impactar as ações da coletividade e o Sistema. Assim, o entendimento da Escola Francesa permite transcender o conceito de “armadilha”, e compreender, de fato, o sistema de causalidades que levaria à recorrência de guerras.
Analisando-se o conceito de "Armadilha de Tucídides" apresentado por Allison sob a ótica do pensamento de Waltz a respeito da Teoria Política Internacional, pode-se observar que a simples correlação de fatos não prova verdadeiramente um achado teórico ou algo similar. O simples acúmulo de informações e a sua correlação - um método muito utilizado, onde a formulação de uma hipótese é dada como verdadeira a partir da acumulação de dados correspondentes - não comprovam ou explicam um acontecimento. Waltz evidencia que os estudantes de política Internacional reúnem múltiplos dados buscando uma conexão, isto é, uma espécie de padrão, e a partir desta mera correspondência é definido como a realidade funciona - o que para Watlz é totalmente inválido. Isso porque o aumento de correlações não aumenta causalidades - para que estas ocorram e criem um padrão e assim, expectativas de repetição, é necessário que causas e consequências estejam envolvidas. Nesse sentido, Waltz denomina este fato de "Inductivist illusion", onde o acúmulo de dados - como peças de um quebra-cabeça - não necessariamente levará a uma descoberta, ou seja, a uma explicação.
As leis estabelecem relações entre as variáveis, mas estas podem mudar com o envolvimento de uma variável interveniente. Ao afirmar que China e EUA estão em uma "rota de colisão para a guerra", utilizando-se a Guerra do Peloponeso como parâmetro, Allison desmerece completamente a possível interferência de variáveis intervenientes e leva apenas em consideração a simples correspondência de dados similares; o que comprova o pensamento de Waltz de que o fato de haver uma correlação não se traduz em um padrão. Assim, uma vez que EUA e China cooperam e fazem alianças - um exemplo de variável interveniente defendido por Waltz (balancing) - como, por exemplo, um acordo comercial, estes ficam cada vez mais distantes do pensamento de Allison em se envolverem na "Armadilha de Tucídides". Para analisar a realidade, é necessário formular teorias que exliquem essas leis, não somente mostrar sua correlação. Por fim, para Waltz, a guerra - independentemente dos Estados envolvidos - sempre poderá ocorrer uma vez que a anarquia é a característica fundamental no cenário internacional e tais variáveis envolvidas - a anarquia e a guerra - constituem uma lei absoluta.
Já no Realismo Neoclássico, como explicita Rose, a convergência entre China e EUA para a guerra não estaria restrita somente a ascensão de uma potência no SI. Isso porque esta corrente teórica leva em consideração as percepções domésticas dos Estados, tendo os interesses da elite política e de seus líderes extrema influência. A força do Estado estaria atrelada a sua política interna, o que a curto e médio prazo impediria uma análise clara do SI. Certamente, há múltiplas variáveis que intervém nas ações dos Estados e elas devem ser consideradas: o status quo dos Estados, seu poder material, seus líderes. Além disso, o impacto das capacidades de poder de um Estado na política externa, devido a estas variáveis intervenientes, tornam o cálculo racional incerto e complexo. Destarte, não seria possível afirmar assertivamente que EUA e China entrarão em conflito, com base em dados correspodentes do passado (Guerra do Peloponeso), que desmerecem a passagem do tempo e o histórico destes países.
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