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O Queijo e os vermes: O Cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição

Por:   •  21/4/2018  •  Resenha  •  1.855 Palavras (8 Páginas)  •  472 Visualizações

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GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. 8ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 309p. [tradução: Maria Betânia Amoroso; revisão técnica: Hilário Franco Jr.].

PLASTICIDADE HISTÓRICA[1]

Willians Alves da Silva[2]

Grande Historiador, o italiano Carlo Ginzburg é também Antropólogo e um dos pioneiros no estudo da micro-história. Ginzburg formou-se em História e já lecionou nas universidades de Harvard, Yale, Princeton e da Califórnia. Está entre os intelectuais mais notáveis da Itália e seus livros já foram traduzidos para 15 línguas. Algumas de suas principais obras são: O Queijo e os Vermes (1976), História Noturna (1991), Mitos, Emblemas e Sinais (1989) e Olhos de Madeira (2001).

O livro O Queijo e os Vermes (Il formaggio e i vermi), publicado pela primeira vez em 1976, foi um marco para a historiografia moderna, contribuindo decisivamente para os fundamentos da micro-história e para a “desestruturação do Estruturalismo”. A obra é um verdadeiro colossal para quem procura uma História vista de baixo, encontrando na vida conturbada de Menocchio tal apoio. É importante, antes de tudo, lembrar que essa perspectiva histórica (tendo  E. P. Thompson e Christopher Hill como principais expoentes) procura produzir o conhecimento histórico a partir do ponto de vista dos “esquecidos” ou dos “sem história”, como mulheres, camponeses e outras pessoas que formavam a base da pirâmide hierárquica das sociedades. Também, é preciso deixar claro que o Estruturalismo já não funciona mais para explicar alguns fatos dentro da própria história, e que a ênfase nas experiências, “uma categoria que, por mais imperfeita que seja, é indispensável ao historiador” (THOMPSON, 1981, p.15) se torna profícua para acessar as abscônditas nuances da História:

        


 “O que queremos dizer é que ocorrem mudanças no ser social que dão origem a experiência modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados” (THOMPSON, E.P. A miséria da teoria. p.16).

Com isso, Ginzburg usa espetacularmente suas habilidades de historiador para narrar a incomum história de Domenico Scandella, também conhecido como Menocchio. A proposta arriscada do autor consiste em primeiro, através da narrativa histórica, facilitar a compreensão do próprio método de fazer história, ampliando o conhecimento da área, tal como transformando a erudição em níveis mais acessíveis; e segundo, sem desviar de sua proposta mestra, quebrar os velhos paradigmas estruturais, provando, em Menocchio, que nem sempre há “escassez de testemunhos sobre o comportamento e atitudes das classes subalternas do passado” (GINZBURG, 1996, p.16). A proposta é arriscada, mas o seu acerto é quase palpável; a obra é “terrível e majestosa”. Antagonizando a famosa frase de E.P. Thompson, poucos espetáculos seriam mais aplaudíveis do que este.

GINZBURG começa, logo nas primeiras páginas, com uma profunda crítica à “história dos titãs”, depois, há lacônicas explicações sobre o emprego do termo cultura. Ginzburg (1996) diz que “Cultura, para definir o conjunto de atitudes, códigos de comportamentos próprios das classes subalternas num certo período histórico é relativamente tardio e foi emprestado da antropologia cultural” (p.16) e que só através da cultura primitiva é que de fato se chega a reconhecer que os “indivíduos outrora definidos de forma paternalista como camadas inferiores dos povos civilizados possuíam cultura” (GINZBURG, 1996, p.17). Outrossim, os problemas quanto à cultura entre os dois níveis de classes, dominantes e subalternas, é dissecado de forma esclarecedora:

“Com muita frequência ideias ou crenças originais são consideradas, por definição, produto das classes superiores, e sua difusão entre as classes subalternas um fato mecânico de escasso ou mesmo de nenhum interesse; como se não bastasse, enfatizar-se presunçosamente a “deterioração”, a “deformação” que tais ideias ou crenças sofreram durante o processo de transmissão” (GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes, p.17).

Ginzburg vai dizer que os termos desse problema mudam radicalmente ante a proposta de se estudar “não a cultura produzida pelas classes populares e sim a cultura imposta às classes populares” (GINZBURG, 1996, p.18). Todas essas explicitações de cultura e classes, explicadas nos prefácios às edições inglesa e italiana, tornam-se o grande plano de fundo para a construção da narrativa de Ginzburg, a história de Menocchio.

Narrada no profuso século XVI, a história contará como um simples moleiro conseguiu desconfigurar toda uma ideia de estruturalismo, e que, através de suas “dantescas heresias” e confissões, acabou sendo alvo do tribunal e da atenção dos inquisidores. Menocchio nascera em 1532, era casado e tinha sete filhos; possuía algumas profissões como a de carpinteiro, mercenário, pedreiro e outras coisas; “mas era principalmente moleiro; usava as vestimentas tradicionais de moleiro – veste, capa e capuz de lã branca. E foi assim, vestido de branco, que se apresentou para o julgamento” (GINZBURG, 1996, p.39-40). Foi denunciado em 28 de outubro de 1583 ao Santo Ofício, acusado de ter pronunciado palavras “heréticas e totalmente profanas” sobre Cristo:

“Não se tratava de uma blasfêmia ocasional: Menocchio chegara a tentar difundir suas opiniões, discutindo-as (“praedicare et dogmatizare non erubescit”; ele se envergonhava de pregar e dogmatizar). Este fato agravava muito a sua situação” (GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes, p.41).

Essas tentativas prosélitas foram amplamente confirmadas pelas investigações que se abriram, onde se atestou que Menocchio discutia sua fé até mesmo com o pároco; dizia acreditar que o Espírito Santo não governava a Igreja e que conhecia a Deus melhor que os padres; não respeitava a hierarquia clerical, opinando que as missas para os mortos seriam inúteis (p.49). Comparou padres e frades com demônios (p.52) e confessou que “blasfemar não era pecado” (GINZBURG, 1996, p.44). Menocchio questionará até mesmo a virgindade de Maria: “Não é possível que ela tenha dado à luz e tenha continuado virgem” (GINZBURG, 1996, p.44). Outra abordagem bem discutida é a capacidade de Menocchio para falar de teorias cósmicas, onde para ele, “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, de todo aquele volume em movimento se forma uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes e se formam os anjos” (GINZBURG, 1996, p.46); e biológicas, como a abiogênese, ou teoria da Geração Espontânea (p.125). Em outras palavras, a cosmogonia de Menocchio era substancialmente materialista e tendencialmente científica.

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