A HISTORICIDADE DO DIREITO A POSSE DE TERRAS PELOS POVOS ORIGINÁRIOS
Por: joelf24 • 6/12/2022 • Trabalho acadêmico • 4.799 Palavras (20 Páginas) • 89 Visualizações
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LICENCIATURA EM HISTÓRIA
JOEL FOGAÇA
HISTORICIDADE DO DIREITO A POSSE DE TERRAS PELOS POVOS ORIGINÁRIOS
JOINVILLE
2022
JOEL FOGAÇA
HISTORICIDADE DO DIREITO A POSSE DE TERRAS PELOS POVOS ORIGINÁRIOS.
Trabalho de História apresentado como requisito parcial para a obtenção da média semestral nas disciplinas de Licenciatura em História.
Orientador professora Janaina dos Santos
JOINVILLE
2022
1) INTRODUÇÃO
Existe uma grande diferença entre os milhões de povos nativos que habitavam essas terras que hoje chamamos de Brasil até a chegada dos portugueses, e as poucas centenas de povos denominados indígenas que atualmente compõem os 0,4% da população brasileira. A diferença não é só de tempo nem de população, mas principalmente de cultura, de espírito e de visão do mundo sobre o passado, o presente e o futuro. Estudos dizem que no atual território brasileiro habitavam pelo menos 5 milhões de pessoas, quando chegou por aqui Pedro Álvares Cabral, no ano de 1500. Mas hoje, esse contingente populacional está reduzido a pouco mais de 700.000 pessoas, pois muitas coisas ruins as atingiram. É fato que, a história afirma que várias tragédias ocasionadas pelos colonizadores aconteceram na vida dos povos originários dessas terras: escravidão, guerras, doenças, massacres, genocídios, e outros males que por pouco não eliminaram por completo os seus habitantes. Não que esses povos não conhecessem guerra, doença e outros males. A diferença é que nos anos da colonização, os portugueses tinham um projeto ambicioso de dominação cultural, econômica, política e militar do mundo, ou seja, um projeto político dos europeus, que os povos indígenas não conheciam. Eles não eram capazes de entender a lógica das disputas territoriais como parte de um projeto político civilizatório, de caráter mundial e centralizador, uma vez que só conheciam as experiências dos conflitos territoriais intertribais e interlocais. A partir do contato com os europeus, as culturas dos povos indígenas sofreram profundas modificações, uma vez que dentro das etnias se operaram importantes processos de mudança sociocultural, enfraquecendo sobremaneira todo o entendimento em torno das quais girava toda a dinâmica da vida tradicional. No início do contato, apesar de serem uma maioria local adaptada culturalmente ao meio em que habitavam, não contavam com uma experiência prévia de intensas relações e com os impactos provocados pela violência dos portugueses, que foram por demais severos. Foram 506 anos de dominação e, em que pesem as profecias de extinção definitiva dos povos indígenas no território brasileiro, previstas ainda no milênio passado, os índios estão mais do que nunca vivos: para lembrar e viver a memória histórica e, mais do que isso, para resgatar e dar continuidade aos seus projetos coletivos de vida, orientados pelos conhecimentos e pelos valores herdados dos seus ancestrais, expressos e vividos por meio de rituais e crenças. São projetos de vida de 222 povos que resistiram a toda essa história de opressão e repressão. Viver a memória dos ancestrais significa projetar o futuro a partir das riquezas, dos valores, dos conhecimentos e das experiências do passado e do presente, para garantir uma vida melhor e mais abundante para todos os povos. Mas essa abundância de vida, buscada por todos os povos do mundo, para os povos indígenas passa necessariamente pela manutenção dos seus modos próprios de viver, o que significa formas de organizar trabalhos, de dividir bens, de educar filhos, de contar histórias de vida, de praticar rituais e de tomar decisões sobre a vida coletiva. Dessa maneira, os povos indígenas não são seres ou sociedades do passado. São povos de hoje, que representam uma parcela significativa da população brasileira e que por sua diversidade cultural, territórios, conhecimentos e valores ajudaram a construir o Brasil. É certo que no Brasil de hoje ainda muitos brasileiros veem os índios como preguiçosos, improdutivos, empecilhos para o desenvolvimento. Outros os veem como valiosos protetores das florestas, dos rios, e possíveis salvadores do planeta doente em função da ambição de alguns homens brancos que estão devastando tudo o que encontram pela frente. A conquista histórica dos direitos na Constituição promulgada em 1988 mudou substancialmente o destino dos povos indígenas do Brasil. De transitórios e incapazes passaram a ser protagonistas, sujeitos coletivos e sujeitos de direitos e de cidadania brasileira.
2- IDENTIDADE INDÍGENA
Reconhecer a cidadania indígena brasileira e valorizar suas culturas, possibilitaram uma nova consciência étnica dos povos indígenas no Brasil. Ser índio transformou-se em sinônimo de orgulho pessoal. Ser índio passou de uma generalidade social para uma expressão sociocultural importante para o país. Ser índio não está mais associado a um estágio de vida, mas à qualidade, à riqueza e à espiritualidade de vida. Ser tratado como sujeito de direito na sociedade é um marco na história indígena brasileira, através de muitas conquistas políticas, culturais, econômicas e sociais.
Os povos indígenas do Brasil vivem atualmente um momento especial de sua história no período pós-colonização. Após 500 anos de massacre, escravidão, dominação e repressão cultural, hoje respiram um ar menos repressivo, o suficiente para que, de norte a sul do país, eles possam reiniciar e retomar seus projetos sociais étnicos e identitários. Culturas e tradições estão sendo resgatadas, revalorizadas e revividas. Terras tradicionais estão sendo reivindicadas, reapropriadas ou reocupadas pelos verdadeiros donos originários. Línguas vêm sendo reaprendidas e praticadas na aldeia, na escola e nas cidades. Rituais e cerimônias tradicionais há muito tempo não praticados estão voltando a fazer parte da vida cotidiana dos povos indígenas nas aldeias ou nas grandes cidades brasileiras. (GERSEM DOS SANTOS,2006, p.39).
Isto se chama identidade indígena e orgulho de ser índio. É ser o que é, como acontece com todas as sociedades humanas em condições normais de vida. Passado um longo período institucionalizado de repressão (pois ainda é forte no Brasil a repressão cultural não-institucionalizada, não oficial, percebida, por exemplo, na implementação das políticas públicas e no reconhecimento pleno dos direitos garantidos, como o direito à terra, à educação e à saúde adequada), as novas gerações de jovens indígenas parecem carentes de uma identidade que os identifique e lhes garanta um espaço social e identitário em um mundo cada vez mais global e, ao mesmo tempo, profundamente segmentário no que diz respeito à cultura, à ancestralidade, à origem étnica, a partir das quais os direitos econômicos, sociais, culturais contemporâneos se articulam e se fundamentam. É perceptível o interesse das novas gerações indígenas, pela recuperação do valor e do significado da identidade indígena. Fazer parte da modernidade não significa abdicar de sua origem nem de suas tradições e modos de vida próprios, mas de uma interação consciente com outras culturas que leve à valorização de si mesmo. Para os jovens indígenas, não é possível viver a modernidade sem uma referência identitária, já que permaneceria o vazio interior diante da vida frenética globalizada, mas na qual fazem profundas contradições, como a das identidades individuais e coletivas. As gerações indígenas mais antigas parecem oferecer maior resistência à reafirmação das identidades étnicas, em grande medida ainda influenciadas pelas sequelas do período colonial repressivo. E não é por menos. Eles foram forçados a abdicar de suas culturas, tradições, de seus valores e saberes porque eram considerados inferiores, satânicos e bárbaros (ou seja, eram considerados como sinônimo de atraso, o que os impedia de entrar no mundo civilizado, moderno e desenvolvido) e para poderem se tornar gente civilizada, moderna e desenvolvida. Eles foram obrigados a acreditar que a única saída possível para o futuro de seus filhos era esquecer suas tradições e mergulhar no mundo não-indígena sem olhar para trás. Mas mesmo assim, muitos velhos sábios e anciãos indígenas estão superando esse trauma psicológico, e andando pelo caminho que está sendo traçado e construído pelas novas gerações, onde prevalece a recuperação da autoestima, da autonomia e da dignidade histórica, tendo como base a reafirmação da identidade étnica e do orgulho de ser índio.
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