O Engenheiro dos novos tempos e as novas pautas educacionais
Por: Luciana Viana Lopes • 17/5/2017 • Resenha • 4.601 Palavras (19 Páginas) • 409 Visualizações
Quais são as qualificações técnicas e os atuais atributos culturais do engenheiro recém-formado que estão sendo requeridos pela comunidade empresarial? Qual é o perfil profissional ideal do engenheiro do ano 2002? Como formar este novo engenheiro que vem sendo requerido pela sociedade atual? Como educá-lo para uma sociedade em transformação, para um mundo globalizado que, ao mesmo tempo, exige a preparação para o mundo do trabalho mutante e, acima de tudo, requer a sua preparação para dialogar com o mundo e com a vida? Será possível preparar o indivíduo para a instrumentalização, a humanização e a transcendência? Com que paradigma educacional? Com que ferramentas? Qual é o papel da educação na capacitação deste novo engenheiro para o século XXI? Inúmeras são as questões que nos afligem às portas do século XXI quando se trata da capacitação do profissional para atuar no novo século independentemente de sua área profissional. Tradicionalmente, sabemos que a educação vem tentando ser um instrumento de preparação do futuro profissional para o mundo do trabalho, oferecendo informações armazenadas pela cultura e ajudando no processo de construção dos conhecimentos técnicos para que possa “vencer na vida” e realizar-se como pessoa e como profissional em sua área de atuação. Mas, independentemente da área do conhecimento humano, percebemos que a educação está cada vez mais distanciada do mundo e da vida e não oferece os instrumentos técnicos para que o indivíduo possa ser competente na linha profissional escolhida, continuando frágil e incompetente demais para ser uma educação transformadora, mantendo-se isolada dos processos de transformação política, econômica e social. É uma educação dissociada do mundo e da vida, centrada na transmissão de conhecimentos, privilegiando sua função reprodutora, incapaz de desencadear uma prática renovadora, o que nos leva a ter que rever, com a máxima urgência, a questão da formação dos professores e os currículos adotados pelas nossas universidades. Novos Cenários Mundiais O mundo que hoje se apresenta aos nossos olhos constitui um desafio ao mundo mal pago da educação, ao mesmo tempo em que se revela como uma grande oportunidade para catalisar a construção de mudanças educacionais. É um desafio quando nos deparamos com os novos cenários mundiais caracterizados, simultaneamente, pelos grandes avanços científicos e tecnológicos, pelas grandes conquistas da humanidade e por um incrível processo de desumanização de nossa história, em função da crescente concentração de renda, recursos e riqueza entre pessoas, empresas e países. Caracteriza-se como oportunidade quando observamos o potencial que as novas tecnologias da informação e da comunicação estão oferecendo no sentido de possibilitar um grande salto nas formas de organização, de armazenamento e de busca de informações necessárias ao processo de construção de conhecimento. Com a ajuda da tecnologia, podemos trazer o mundo para dentro da sala de aula, simular experimentos caros e perigosos, demonstrar processos, interações, colectar dados e informações e trabalhar de forma cooperativa. Todo este potencial latente, ainda muito pouco explorado pela maioria das universidades brasileiras, possibilita mecanismos cada vez mais dinâmicos nos processos de geração de conhecimento e de desenvolvimento de currículos, processos esses jamais imaginados. Por outro lado, dados mundiais publicados pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 1999 nos mostram que continua existindo uma grande defasagem na qualidade de vida e no nível de informações entre os países do Norte e os do Sul, especialmente no que se refere à capacidade de assimilar e aplicar a ciência e a tecnologia voltadas para o desenvolvimento em geral. Os países do Norte ainda dispõem de um maior acervo de informações científicas e de melhores condições para realizarem suas próprias aspirações de desenvolvimento, bem como para intervirem no processo de interdependência mundial. Este relatório confirma que os países da OCDE, com 19 % da população mundial, têm 71% do comércio mundial de bens e serviços, 58% do investimento direto estrangeiro e 91% do total de usuários da Internet. Destaca que os ativos dos três maiores multimilionários do mundo são superiores ao PNB conjunto de todos os países menos desenvolvidos e dos seus 600 milhões de habitantes. Informa que o quinto da população mundial que vive nos países de renda mais elevada tem 86% do PIB mundial e 74% das linhas telefônicas mundiais, enquanto que o quinto de menor renda, apenas 1% do PIB e 1,5% das linhas telefônicas. Esses dados nos colocam diante de uma dura realidade, demonstrando que os países, de um modo geral, não deram a devida prioridade à dimensão humana do desenvolvimento, deixando de oferecer condições de vida e educação adequadas e necessárias às suas populações. Como conseqüência, não podemos obter progressos mais permanentes em relação à paz, aos direitos humanos e à democratização se os investimentos em educação não forem considerados cruciais. É fácil verificar que ao lado de toda esta situação crítica mundial existem também sociedades onde a modernidade está cada dia mais presente nos países de renda mais elevada, com cenários sociais cada vez mais distanciados daqueles carentes de maior bemestar. No momento em que estamos interessados em esboçar o perfil do novo engenheiro para que possamos planejar a formação desse novo profissional, é preciso não apenas visualizar corretamente os novos cenários mundiais, mas também procurar compreender suas evoluções no panorama mundial. Os países da América Latina e do Caribe estão cada vez mais tendo que enfrentar os desafios provocados pelas questões relacionadas à globalização da economia, à distribuição do conhecimento e à degradação ambiental. Hoje, a competição ultrapassa fronteiras nacionais e deixa a economia do país muito vulnerável às mudanças econômicas internacionais. O conhecimento científico vem sendo gerado muito rapidamente e crescendo de maneira extraordinária. Ao mesmo tempo, crescem e se diversificam os meios para distribuição dessas informações, embora a maioria dos países latino-americanos e caribenhos continue defasada em relação a esses aspectos. Essas questões têm influências dramáticas no planejamento e na administração da educação, bem como na estruturação dos currículos e nas práticas pedagógicas. Este novo engenheiro, cujo perfil discutiremos um pouco mais adiante, estará vivendo nesse cenário cibernético, informático e informacional que vem marcando, cada vez mais, o nosso cotidiano, mediante mudanças socioeconômicas e culturais, como também a maneira como pensamos, conhecemos e apreendemos o mundo. Essas ferramentas computacionais estão alterando nossa maneira de ser, de viver e de aprender. Isto porque as novas ferramentas e os novos instrumentos alteram a cultura ao oferecer novos formas de fazer e de pensar este fazer. A nova cidadania da cultura informatizada vem requerendo a aquisição de hábitos intelectuais de simbolização, de formalização do conhecimento, o manejo de signos e a representação do conhecimento utilizando equipamentos computacionais. Com a informatização está surgindo um novo tipo de gestão social do conhecimento, à medida que usamos um modelo digital que não é apenas lido e interpretado, mas explorado de forma interativa. Hoje, já não se trabalha apenas com livros, textos e teorias escritas no papel, mas também com modelos computacionais corrigidos e aperfeiçoados ao longo do processo. Tal fato vem desestabilizando as formas de representação do conhecimento, bem como as formas de conceber, armazenar e transmitir o saber. Estará o nosso futuro engenheiro preparado para utilizar essas novas tecnologias, se os responsáveis pela sua formação ainda relutam em utilizá-las em sua potencialidade máxima? Estará ele preparado para trabalhar com modelos de representação de objetos, para fazer simulações, para desenvolver a imaginação, a intuição, a exploração de modelos cada vez mais complexos? Poderá ele gerar projetos com imagens, simulações, gráficos, desenhos, animações, que permitam maximizar a resistência de materiais, a segurança e a durabilidade de seus componentes, otimizando custos, tempo e materiais? O que se percebe é que, diante das transformações tecnológicas que varrem o planeta de ponta a ponta, o mundo educacional parece estar meio distante de tudo isto. Paralelamente, estão ocorrendo mudanças rápidas e aceleradas no mercado de trabalho e especialistas afirmam que a maioria dos empregos que existirá nos próximos 10 anos ainda não existe hoje. Isso não mais permite que os indivíduos possam ser formados e treinados apenas uma vez durante toda a sua vida profissional, pois o conhecimento especializado está tendo uma duração média cada vez menor e será, possivelmente, substituído ou complementado por outro, o que exigirá novos e constantes aperfeiçoamentos, impondo, assim, novas qualificações e novas necessidades. Por outro lado, apesar desses desafios tão grandes que temos pela frente, surge também a oportunidade de a educação rever os processos de construção do conhecimento, repensar seriamente os modelos educacionais vigentes e tentar compreender melhor o que seja o processo de construção da aprendizagem. É necessário examinar seriamente o paradigma subjacente às práticas pedagógicas e, ao mesmo tempo, utilizar adequadamente os recursos tecnológicos disponíveis, no sentido de provocar uma revolução tecnológica em favor de uma base mais ampla de conhecimento científico e cultural, reorganizando, assim, novos espaços culturais, científicos e tecnológicos. Será possível criar uma nova sinergia entre comunicação, informação e educação, em especial envolvendo os processos de formação, no sentido de criar novos espaços do conhecimento capazes de viabilizar novos projetos educacionais que possam contribuir para a formação de um novo perfil do engenheiro para o século XXI? O Engenheiro dos Novos Tempos E qual seria o perfil deste cidadão que a sociedade vem requerendo com uma certa urgência? Em janeiro de 1998, a Escola Politécnica de Engenharia da USP (POLI/USP) encomendou uma pesquisa junto às empresas do estado de São Paulo, financiada pela Federação das Empresas do Estado de São Paulo (FIESP), visando conhecer o perfil profissional ideal do novo engenheiro que estaria sendo requerido pelo mercado de trabalho do ano 2002. O universo pesquisado foi constituído de 17.518 estabelecimentos comerciais do estado de São Paulo, e a pesquisa foi realizada de dezembro de 1997 a janeiro de 1998. Cumpre esclarecer que as questões foram respondidas por diretores e gerentes de empresas de pequeno, médio e grande porte; 53% dos questionários foram respondidos pelos gerentes e supervisores; 31%, pelos diretores; e os demais, por analistas, consultores, presidentes e vice-presidentes das empresas. Nas conclusões do referido relatório solicitado pela POLI/USP, observou-se que, de um conjunto de 72 características, os 10 atributos2 mais valorizados pelo mercado de trabalho obtiveram o seguinte destaque: 1º - indivíduo comprometido com a qualidade no que faz 1º - com habilidade para trabalhar em equipe 2º - com habilidade para conviver com mudanças 3º - com visão clara do papel cliente consumidor 3º - com iniciativa para tomadas de decisões 3º - usuário das ferramentas básicas de informática 4º - com domínio do inglês 5º - fiel para a organização em que trabalha 6º - que valoriza a ética profissional 6º - com ambição profissional/vontade de crescer 7º - capacitado para o planejamento 7º - com visão das necessidades do mercado 8º - que valoriza a dignidade/tem honra pessoal 9º - com visão do conjunto da profissão 9º - com habilidade para economizar recursos 2 Alguns atributos obtiveram a mesma pontuação e foram classificados de acordo com os dados apresentados acima. 10º - preocupado com a segurança no trabalho 10º - com habilidade para conduzir homens O que se observou foi que a quase totalidade dessas características estavam relacionadas com as qualidades do SER e muito menos com o SABER técnico. É um ser que procura compreender a qualidade como uma obrigação constante em busca da perfeição no exercício de sua atividade profissional. É um ser que sabe viver e conviver, que valoriza a ética, a dignidade pessoal, um indivíduo que tem honra pessoal, que sabe conviver com as mudanças e que possui uma inteligência pessoal bem desenvolvida, o que significa ser capaz de autoconhecer-se e de reconhecer e valorizar o outro. É um ser autônomo, com boa capacidade decisória e crítica para poder avaliar e confiar em suas fontes de informações e ser capaz de produzir conhecimentos. É um indivíduo com o domínio das instrumentações eletrônicas e do inglês, com visão sistêmica, competente para desenvolver planejamentos estratégicos e que entenda das etapas de produção na empresa. Na pesquisa desenvolvida, observamos, também, que as características relacionadas com as qualidades do SER são muito mais valorizadas que os atributos referentes aos cursos de pós-graduação realizados tanto no país como no exterior, ou mesmo em relação à necessidade de formação em faculdades consideradas de primeira linha. Como exemplo, observamos que “formação em cursos em faculdades de primeira grandeza” foi posicionado em 23º lugar, e os atributos referentes aos cursos de pós-graduação em engenharia e em administração obtiveram o 40º e o 43º lugar, respectivamente. Acrescenta-se, ainda, que o atributo relacionado ao interesse do indivíduo pela pesquisa científica posicionou-se em 46º e a importância de cursos de especialização feitos no exterior ficou em 47º lugar. O engenheiro modesto, com noção de sua incompetência (50º), obediente, disciplinado e cumpridor de regras (35º) é menos valorizado que o profissional que tem ambição e vontade de crescer (6º), mas que, simultaneamente, é pautado pela ética (6º), dignidade e honra (8º) e é fiel com a organização. Observou-se, também, que a comunicação verbal foi mais destacada em relação à comunicação escrita, ressaltando-se a importância de o indivíduo ser capaz de expor idéias de forma organizada (11º) e saber transmitir o que deseja. Estes atributos estão melhor posicionados se comparados à facilidade para escrever bem que ficou em 26º lugar. Em resumo, percebe-se que, hoje, os educadores têm como horizonte a ser alcançado a construção de um cidadão que saiba conviver com as mudanças, um sujeito analítico, reflexivo, crítico, capaz de viver e conviver no mundo atual. O mercado de trabalho está exigindo um profissional capaz de continuar aprendendo, participando e interagindo com os outros e, principalmente, um indivíduo capaz de sentir-se feliz como pessoa e como profissional, vivendo num mundo em permanente mobilidade e evolução. É um cidadão com um potencial cognitivo ampliado, versátil, autônomo, capaz de transitar, emocional e intelectualmente, pelos diversos caminhos da sociedade do conhecimento, que possui visão de totalidade, associada à formação de competências básicas, com os pré- requisitos necessários para que seja membro de uma cultura pós-moderna, capaz de integrar um sistema produtivo, ser consumidor consciente, tomar posse de informações presentes no mundo que afetam sua vida como cidadão ou cidadã. Uma Educação Voltada para o Desenvolvimento Humano Todos esses aspectos requerem um reposicionamento imediato da educação, exigindo que esta se volte para a formação integral do aprendiz, para o desenvolvimento de suas inteligências, de seu pensamento, de sua consciência e de seu espírito. Requerem uma educação que o capacite a viver numa sociedade pluralista, em permanente processo de transformação. Isto implica um novo paradigma educacional para que possamos trabalhar melhor as condições do ser que estão sendo requeridas pela sociedade atual. Pressupõe uma educação baseada em novos valores, onde prevaleça a solidariedade, a cooperação, a parceria, o pensamento ecológico, ou seja, o pensamento relacional e dialógico que recoloca a vida no centro, pois aquele que ama a vida, que reverencia a vida, não a destrói, não a mutila, não a tortura e não a violenta. Buscamos um paradigma voltado para o desenvolvimento humano que facilite a ocorrência de processos reflexivos, que conceba o conhecimento como um processo de vira-ser, diferente do modelo de racionalidade técnica que está mais atento ao resultado obtido do que à forma de estruturar o problema e ao processo de raciocínio desenvolvido. A pedagogia reflexiva está mais voltada para o desenvolvimento do pensamento de grau superior que está sendo gerado e, em decorrência, para a qualidade do conhecimento que está sendo produzido, transformado e aplicado no pensamento. Pensamento superior significa o desenvolvimento de competências de grau superior relacionadas à compreensão, ao pensamento analítico e abstrato, ao desenvolvimento dos pensamentos crítico e criativo, à flexibilidade do raciocínio. Todos esses aspectos são fundamentais para a construção de conhecimentos mais elaborados, para o desenvolvimento da autonomia, para que os indivíduos sejam capazes de solucionar problemas, de apresentar um melhor desempenho profissional no sentido de atender aos novos padrões tecnológicos, às novas exigências do mercado de trabalho e à participação no mundo atual. Estamos realmente preocupados em assegurar a capacidade de sobrevivência do indivíduo num mundo de incertezas, imprevistos, mudanças bruscas, que impõem a necessidade de desenvolver novos estilos de comportamento, novos valores, novas capacidades de criar, criticar, questionar e aprender de forma mais significativa, bem como novas maneiras de viver e conviver. A capacidade de abstração reflexiva é fundamental para o desenvolvimento humano. De acordo com Teilhard de Chardin (1989), desenvolvimento humano depende de nossa capacidade de reflexão, do aprimoramento da capacidade de pensar e saber, o que significa saber que se sabe. Através de sua capacidade de reflexão o indivíduo constrói a sua identidade com base na liberdade e na autonomia para tornar-se sujeito. Para Chardin, a capacidade reflexiva indicaria “o poder da consciência de se dobrar sobre si mesma, e de tomar posse de si mesma como um objeto dotado de sua própria consistência e de seu próprio valor: não apenas para conhecer, mas para conhecer-se, não apenas para saber, mas saber que se sabe” (1989:186 ). Reflexão significa a tomada de consciência de seu próprio pensamento em vista de uma ação livre e mais bem adaptada (Chardin, 1989). É meditação examinadora e comparativa. É a capacidade que permite ao ser humano, e somente a ele, perceber a si próprio como chave para a compreensão, como centro de perspectiva do real, onde ele ocupa um lugar decisivo e estruturante, com base em seu saber e em seu fazer, chegando assim a conhecer mediante sua ação sobre o mundo. Da mesma maneira, Freire (1987) reconhece a hominização baseada na ação-reflexão, solidárias entre si, que não se faz no silêncio, mas no puro fazer, no que fazer de cada um, no diálogo do homem e da mulher com o mundo. Morin (1987) pensa da mesma forma ao compreender que o pleno desenvolvimento do espírito depende de sua capacidade reflexiva, ou seja, da consciência, sendo esta produto e produtora da reflexão. Para ele, é a reflexibilidade do espírito que produz a consciência de si, a consciência dos objetos do seu conhecimento, a consciência do seu pensamento, enfim, a consciência de sua consciência. Assim, como Chardin, Freire, Piaget e Schön, Morin afirma que “o conhecimento humano é, na sua origem e no seu desenvolvimento, inseparável da ação” (1987:192). É um saber operativo que permite assimilar as relações existentes na sociedade. É o desenvolvimento de uma prática reflexiva que permite ao aprendiz dar significado às coisas, interpretar, nomear e identificar sua própria relação com elas. Dessa forma, uma nova educação pressupõe um investimento intensivo no desenvolvimento da inteligência, da consciência e do pensamento, atividades cerebrais consideradas interdependentes, pois a existência de uma supõe e determina o grau de evolução da outra. Essa interdependência é explicada por Morin (1987) com base na compreensão de que o pensamento necessita da arte e da estratégia cognitiva que caracterizam a inteligência, e esta precisa do pensamento, do diálogo que ele estabelece e de sua aptidão para conceber. O pensamento, para Morin, necessita da reflexão (consciência) e a consciência do pensamento, pois aquela necessita ser controlada pela inteligência que, por sua vez, requer tomadas de consciência. Uma pedagogia reflexiva envolve, portanto, o desenvolvimento de um pensamento mais complexo, que respeita a multidimensionalidade do real, que abarca os aspectos culturais, sócio-históricos, ecológicos, além dos cerebrais. Segundo Morin (1996), é um pensamento capaz de considerar todas as influências internas e externas recebidas, que já não pode ser linear, reducionista, fragmentado e que abrange muitos elementos, várias partes, o conjunto de circunstâncias ou coisas interdependentes. É um pensamento que busca a totalidade, as interações, que não significa a soma das partes, mas a sua integração. Leva em consideração a metodologia, os procedimentos utilizados, as diferentes perspectivas e diversos pontos de vista na busca de soluções aos problemas e ao aperfeiçoamento constante da prática. Por outro lado, é através da capacidade de reflexão que o indivíduo evolui. Para Ken Wilber (1996:74), um dos maiores estudiosos sobre a questão da consciência, “quanto maior é a profundidade de um hólon3 tanto maior será o seu nível de consciência” . No caso de o hólon ser um indivíduo, então podemos inferir que o espectro da evolução é também um espectro de sua consciência. Quanto mais refletimos, mais nos aprofundamos. Quanto mais nos interiorizamos, mais nos desenvolvemos. E cada novo desenvolvimento, segundo Wilber apud Piaget, pressupõe o aparecimento de algo novo e criativo, uma nova transcendência, uma nova profundidade, uma nova interioridade, uma nova diferenciação/integração. Quanto maior for o nível de consciência, maior o grau de autonomia relativa. É a partir de nossa capacidade de interiorização que transcendemos, que nos transformamos interiormente e reconhecemos o mundo que nos cerca. A partir de nossas possibilidades de transformação, criamos e recriamos um novo mundo e, assim, sucessivamente. Quanto maior o grau de reflexão, maior possibilidade de interiorização e, conseqüentemente, melhor capacidade decisória e melhores serão as nossas escolhas. Estas 3 Hólon, de acordo com Wilber, “é aquilo que sendo uma totalidade em um contexto é, simultaneamente, parte em outro contexto” (1996:30). revelam as nossas intenções que se manifestam através de nossos pensamentos e de nossas ações. Revelam, também, a qualidade da consciência e as nossas possibilidades de evolução. A capacidade de escolha caracteriza o centro do processo evolutivo humano e revela o grau de evolução individual. Daí a importância de ajudarmos a catalisar os processos reflexivos de nossos estudantes para que se transformem em indivíduos conscientes de suas responsabilidades e potencialidades, de seus sentimentos, emoções e afetos. Um indivíduo inconsciente de si mesmo possui uma personalidade fragmentada, já que tem uma consciência limitada em relação às suas próprias escolhas. E, por sua vez, estas ocorrem de maneiras opostas. Na verdade, sabemos o quanto é difícil para uma personalidade fragmentada tornar-se íntegra, aspecto este crucial para o desenvolvimento da humanidade. Na verdade, sabemos que não se muda a qualidade da educação colocando uma nova roupagem, camuflando velhas teorias, pintando as paredes da escola, colocando telões nas salas de aula e antenas parabólicas nas universidades, se o aluno continua um mero espectador, um simples receptor, copiador, um pensador separado do objeto de seu próprio pensar. Nada disto adianta se os recursos educacionais pouco contribuem para a ampliação da cognição humana. Novas Pautas Educacionais Como fazer? Por onde podemos começar? Qual o modelo da ciência, hoje? Que referencial teórico será capaz de conciliar o que está acontecendo no mundo da ciência, com os avanços científicos e tecnológicos, e com a necessidade premente de construção e reconstrução do homem e do mundo? Na realidade, necessitamos de um paradigma educacional que vá além da pedagogia tradicional, da pedagogia tecnicista, derivada do behaviorismo e do positivismo tão seriamente criticados por renomados educadores da atualidade. A conjuntura atual exige que possamos ir além desse tipo de proposta, que fujamos do modelo cartesianonewtoniano na educação, um modelo fragmentado, desconetado da realidade e do contexto cultural, que continua seguindo um enfoque gerencial de produção do conhecimento para consumo por parte de uma população amorfa, apática, absolutamente indiferenciada. Uma proposta arcaica, desatualizada no que se refere aos parâmetros da ciência atual, uma proposta que define comportamentos de entrada e de saída como verdadeiras linhas de montagem, seqüencial e hierárquica, previamente estruturada pelos professores ou pelo planejador, alienados do contexto sociocultural dos indivíduos. É um paradigma tradicional que tem compromisso com o passado, com as coisas que não podem ser esquecidas, que dá maior ênfase ao conformismo, que não percebe o lado construtivo do erro, que elimina as tentativas de liberdade e de expressão. Necessitamos, mais do que nunca, de um novo modelo educacional que, além de colaborar para a formação do ser, também reconheça a aprendizagem como um processo em construção que depende das ações e da atuação daquele que conhece, um paradigma capaz de aproximar a educação da vida e trazer um pouco mais de vida para dentro de nossas salas de aula. É preciso repensar o currículo, transformá-lo em algo com um pouco mais de sentido e com maior compromisso com as necessidades humanas. Um currículo onde tudo esteja relacionado, recursivamente interconectado, em processo de transformação mediante diálogos reflexivos que o aprendiz/aprendente estabelece a partir de sua atuação sobre o mundo e deste sobre aquele onde ambos se transformam e se reinventam. É uma educação que precisa compreender a força e a riqueza existentes no diálogo com o outro, na polifonia social, na busca de soluções satisfatórias e transformadoras das relações intra e interpessoais. É uma educação que precisa reconhecer a diversidade de pontos de vista, de perspectivas culturais, de idéias e de ideais, de idiomas e experiências. Uma proposta educacional que necessita perceber a existência de um interjogo entre sujeito e objeto, indivíduo e contexto, o ser humano e a natureza, deixando de lado o monitoramento hegemônico de um sobre o outro. Uma educação que compreenda a existência de diferentes usuários, a riqueza das diversas alternativas, as flutuações do pensamento nos processos de auto-organização do indivíduo, ao se deparar com a incerteza, o novo e o inesperado. Buscamos uma educação que nos ensine a aprender a viver e a conviver com a desordem e o caos, que contenha a “sabedoria da espera”, que valorize os caminhos alternativos e interesses diversificados, que reconheça o papel construtivo do “erro”, a existência de outros possíveis e que desenvolva a capacidade de imaginar, de criar e de construir o que não existe. Um paradigma educacional que não destrua os sonhos, a utopia, a fé e a esperança, reconhecendo-os como mola propulsora, construtora e modificadora do presente, catalisadora de “idéias-farol”, de idéias iluminadoras de novos rumos, de novos caminhos que nos ajudem a sobreviver às flutuações, ao surgimento do inesperado e à presença do novo em nossas vidas. Procuramos uma proposta educacional que reconheça que o mundo é relacional, que a força da vida está no enlace, na relação onda/partícula, nas conexões entre sujeito/objeto, indivíduo/contexto, educador/educando, homem/natureza, consciente/inconsciente e em todas as conexões que constituem a grande teia da vida. Uma educação capaz de reconhecer a imanência existente entre as estruturas do conhecimento, do pensamento, e o mundo em que se vive, que compreenda que a ação de conhecer está presente, simultaneamente, em todas as ações que desenvolvemos, sejam biológicas, espirituais, cerebrais, lingüísticas, políticas ou culturais. Necessitamos de uma proposta que perceba que o desenvolvimento humano é um processo integrado que abrange todos os aspectos da vida. Isso faz com que o ser condicione o conhecer, o que, por sua vez, condiciona o ser, a partir de sua interação com o mundo. Na verdade, não existe uma aprendizagem formal circunscrita a um determinado momento da vida e a um lugar específico. O processo de desenvolvimento é integrado, amplo e muito mais rico do que se supunha até então. Essas novas pautas em educação e o novo perfil do engenheiro que está sendo requerido nesta transição de milênio exigem mudanças urgentes no paradigma educacional vigente, no sentido de focalizar o indivíduo, mas um sujeito contextualizado, dotado de inteligências múltiplas, que constrói o conhecimento em função de sua bagagem genética, cultural e social. Um paradigma que valorize o processo de aprendizagem, a atualização constante dos conteúdos, a adoção de currículos flexíveis e adaptados às condições dos alunos, que respeite o ritmo individual e grupal nos processos de assimilação e de acomodação do conhecimento. Um paradigma que reconheça a interatividade e a interdependência entre sujeito e objeto, onde o mais importante é o como você sabe e não mais o quanto você sabe ou apenas o que você sabe. Somente a partir de um novo paradigma educacional que estimule a inteligência, o desenvolvimento do pensamento e da consciência de nossos estudantes, é que estaremos colaborando para o desenvolvimento de novas gerações constituídas de sujeitos éticos, criativos, autônomos, cooperativos, solidários e fraternos, capazes de lidarem com a incerteza, com a complexidade na tomada de decisão e de serem mais responsáveis pelas decisões tomadas.
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