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A Solução de Conflitos

Por:   •  15/9/2021  •  Artigo  •  11.681 Palavras (47 Páginas)  •  240 Visualizações

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Resolução de disputas: métodos adequados para resultados possíveis e métodos possíveis para resultados adequados1

Paulo Eduardo Alves da Silva

Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP/USP). Advogado e Mediador. Mestre e Doutor em Direito pela USP. Pesquisador visitante junto à Universidade da California/Berkeley, EUA (2016) e Universidade de Wisconsin/Madison, EUA (2012).

Membro fundador da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (REED).

Sumário:

  1. Sociedade, justiça e resolução de disputas
  2. Justiça formal e informal – o que são e por que diversificar os métodos para solução das disputas?
  3. Institucionalização dos MASCs no Brasil: da arbitragem privada à mediação judicial
  1. Funções e desafios dos MASCs no Brasil– tipos de disputa e qualidade do acesso à justiça
  2. MASCS e formação jurídica – dimensões da jurisdição e dos processos de solução de disputas
  1. Formas e procedimentos dos MASCs: variações a partir do acordo ou da decisão
  2. A disputa como ponto de partida e apontamentos conclusivos

[pic 1]

1 Este texto é resultado da revisão e atualização da versão que compôs a primeira edição desta obra e foi reescrito em sua quase totalidade. Agradeço à leitura e aos comentários feitos, sobre a primeira versão, por Daniela Monteiro Gabbay e, à esta nova versão, por Felipe Reolon, Elisa Vanzella Lucena e Aline Lemos Reis.

  1. Sociedade, justiça e resolução de disputas

A ocorrência de disputas de interesses na sociedade civil, entre indivíduos, grupos, ou com o Estado, é inevitável. Por conta da configuração social contemporânea, esses conflitos tornam-se mais frequentes e mais complexos. Os dados sobre o volume e a movimentação processual da Justiça brasileira, em progressivo aumento nos últimos anos, são um indicativo claro da tendência de aumento da mobilização por direitos. Relatórios similares de outros países sinalizam no mesmo sentido.

Desde a consolidação dos Estados modernos, generalizou-se a crença de que o método mais adequado para a solução justa desses conflitos seria aquele oferecido pelo próprio Estado, por meio da jurisdição e do processo judicial. O mecanismo estatal possui princípios próprios e um conjunto farto de regras, o que constitui o próprio “direito processual”. A jurisdição, que deve ser imparcial, só atua mediante solicitação dos conflitantes (princípio da inércia), que são compulsoriamente sujeitos a esse poder (princípio da inevitabilidade). A resolução dos conflitos é obtida através de um procedimento de investigação racional da verdade fundado no debate entre as partes conflitantes (garantias do contraditório e da ampla defesa). O julgador tem liberdade para formar seu convencimento, que deve ser racional e motivado, e suas decisões devem ser públicas (princípios do livre convencimento motivado, da fundamentação e da publicidade).

Nas últimas décadas, a hegemonia do método estatal tradicional tem sido todavia questionada: o processo judicial é sempre o método mais adequado para se produzir justiça? A jurisdição estatal é a única competente para tanto? Poderia a própria sociedade promover, de forma autônoma e difusa, soluções para as disputas de interesse mais justas do que a provinda do Estado? Determinadas disputas seriam resolvidas com mais justiça mediante outros tipos de mecanismos? Deve a sociedade ter seus próprios mecanismos de solução de disputas?

Questões como essas, usualmente presentes nos estudos sobre o direito e a organização social, atualmente são feitas com mais frequência pela própria sociedade, insatisfeita com os serviços de justiça estatal. Os índices de confiança nos órgãos do sistema de justiça são mais baixos do que os de outras instituições sócio estatais, afetada por fatores ligados à confiança, rapidez, custos, restrito acesso, independência, honestidade e capacidade

para desempenhar sua atividade (FGV, 2016, pp. 03 e 10)2.   E a insatisfação da população com a Justiça estatal sugere existir espaço para um tipo direto e imediato de acesso à justiça, sem a intermediação de um agente estatal e regras formais que mais parecem distanciar a justiça da sociedade do que aproximá-las e isso se traduz na busca por técnicas para resolver por si os conflitos.

A ciência jurídica, embora fundada na primazia da lei, nunca deixou de admitir a solução de controvérsias pela própria sociedade. A teoria geral do processo, por exemplo, sempre acomodou a jurisdição entre outros métodos de solução de conflitos. Os cursos básicos de teoria do Estado e teoria geral do Processo ensinam, que, ao menos no plano teórico, a jurisdição convive com outros métodos heterocompositivos de resolução de conflitos, com os métodos autocompositivos e, inclusive, com a heresia da autotutela. O trecho abaixo, do clássico “Teoria Geral do Processo” é ilustrativo deste ponto:

“a eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade pode-se verificar por obra de um ou de ambos os sujeitos dos interesses conflitantes, ou por ato de terceiro. Na primeira hipótese, um dos sujeitos (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse (autocomposição) ou impõe o sacrifício do interesse alheio (autodefesa ou autotutela). Na segunda hipótese, enquadram-se a defesa de terceiro, a mediação e o processo” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 1998, p. 20).

Na verdade, a resolução consensual de disputas é historicamente mais antiga do que o processo judicial.  Mecanismos privados e informais de justiça já eram praticados quando o Estado e a jurisdição oficial ainda ganhavam corpo e é presumível que nunca deixaram de ser praticados e que sempre estiveram em desenvolvimento. A jurisdição e o[pic 2]

2 O sistema oficial de justiça do Brasil não conta com boa avaliação. Segundo o “Sistema de Indicadores de Percepção Social” (SIPS), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de maio de 2011, a nota média atribuída à Justiça foi de 4.55, numa escala de 0 a 10. É também baixa a credibilidade do sistema junto à população: nota de confiança em 4,9 em 10 e taxa relativa de confiança de 29% (FGV 2016). O índice de 4,9/10 é puxado para baixo principalmente por conta da opinião ruim que a população tem sobre como o Judiciário presta seu serviço – atribuindo-lhe a nota 3,4/10, composta pelos fatores confiança, rapidez, custos, acesso, independência, honestidade e capacidade para desempenhar sua atividade (FGV, 2016, pp. 03 e 10). Já o percentual de confiança no órgão poder Judiciário, em 29%, é apurado em relação à confiança depositada em outras instituições, como as Forças Armadas (59%), a Igreja (58%), a imprensa (37%), as redes sociais (23%), a Presidência da República (11%), o Congresso Nacional (10%) e os partidos políticos (7%). Os dados são referentes a 2016 e costuma sofrer alterações pontuais a cada ano. O “Índice de Percepção da Confiança na Justiça” (ICJ) é realizado periodicamente pela FGV, sendo que os dados aqui apresentados são do relatório do 1o semestre de 2016 (FGV, 2016) e, em alguns casos indicados no texto, do relatório do 2o semestre de 2015 (FGV, 2015). E o “Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) - Justiça” foi publicado pelo IPEA em 2010 e 2011.

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