CONFLITOS ENTRE AS TERCEIRIZAÇÕES
Por: Milena Rabello • 20/1/2017 • Trabalho acadêmico • 1.674 Palavras (7 Páginas) • 210 Visualizações
4 CONFLITOS ENTRE AS TERCEIRIZAÇÕES TRABALHISTAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRABALHO
A terceirização é mecanismo facilitador da atividade empresarial, e sua disseminação internacional se deu sob o impulso do neoliberalismo, doutrina que prega a intervenção limitada do Estado na economia. Alguns países desenvolvidos, como França e Alemanha, que possuem compromisso com o desenvolvimento humanístico e social do seu povo, criaram mecanismos constitucionais e jurídicos com o intuito de frear a generalização das atividades terceirizadas em seus países.
A terceirização é amplamente utilizada no modelo empresarial de gestão toyotista, sistema este criado no Japão após a segunda guerra mundial pelo engenheiro Taiichi Ohno, com foco na produção de bens de consumo. Tal sistema foi utilizado na fábrica da Toyota, espalhando-se no início dos anos 60 por diversas regiões do mundo, e sendo ainda hoje utilizado em diversas empresas em todo o mundo.
Na administração pública, o modelo de terceirização de serviços de apoio administrativo obteve autorização legal com o Decreto Lei nº 200/1967, conjuntamente com a Lei nº 5.645/70, mas intensificou suas atividades na década de 90. Em função da licença legal para contratar empregados terceirizados na atividade-meio, o Estado promoveu assim todo um negócio de serviços de suporte administrativo (limpeza, conservação e telefonia, dentre outros) como um novo segmento econômico para atender às suas demandas.
Com base nesse novo cenário trabalhista, na década de 90 o mercado se apropriou então do modelo terceirizador de trabalho, mas o fez de forma mais aprofundada do que na administração pública, espalhando assim estes novos moldes em todos os setores da atividade empresarial.
Essa “superterceirização” entrou em choque com o Enunciado 256 do TST [1], e em dezembro de 93 o TST cancelou este enunciado, editando então a súmula de nº 331. Foi através dela, em seu item III, que se passou a dar nova interpretação do ordenamento jurídico trabalhista acerca da terceirização, aprovando a sua prática, como já dito antes nesse artigo, nas atividades-meio das empresas.
Diante desta nova realidade, cabe ao Estado a normatização, regulamentação e também fiscalização das atividades econômicas do país, a fim de que mesmo em meio a tais práticas ainda tenhamos preservado o modelo de sociedade justa, solidária e livre prevista em nossa Carta Magna (art. 3º, I).
Sendo a atividade econômica expressão da autonomia individual (art. 5º II), articulada com o direito à propriedade dos meios de produção (art. 5º, XXII), cabe ao Estado preservar assim a livre-iniciativa e a livre concorrência (art. 170, IV), sempre em composição com o valor social do trabalho (art. 1º, IV) e em harmonia ao conjunto constitucional circundante: Estado Democrático de Direito; princípios da valorização do trabalho e do emprego, da justiça social, da segurança, do bem-estar individual e social e da subordinação da propriedade à sua função socioambiental.
Está claro, de todo modo, que é também função primordial do Estado, em sua dimensão socioeconômica, intervir no domínio econômico, na medida necessária para preservar a função social da propriedade (art. 5º, XXIII), inclusive restringindo a autonomia da vontade contratual do empreendedor para impor-lhe a observância de direitos sociais fundamentais dos trabalhadores (arts. 7º a 9º), promovendo, assim, de forma articulada, os “valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa” (art. 1º, IV) como instrumentos de redução de desigualdades sociais (art. 3º, III, e art. 170, VII), de afirmação da cidadania (art. 1º, I) e de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). (DELGADO, AMORIM, 2014, p.127)
Como antes dito, a nossa Constituição delimita a prática terceirizatória às suas atividades-meio, através do seu art. 37, XXI[2], mantendo assim o centro de competência dos órgãos e entes públicos em sua atividade-fim, exigindo ainda admissão direta e concursada de pessoal, em acordo com a jurisprudência do STF, apoiada no ajuizamento da ADIN de nº 890/DF.
A triangulação da relação de trabalho, tanto na esfera pública quanto na privada, acaba por promover o regime de emprego rarefeito e com menor proteção ao trabalhador. Ademais, ocasiona a diminuição da sua remuneração, a inviabilização da participação deste nos lucros da empresa para que trabalha, o aumento da jornada de trabalho, da dificuldade em desfrutar das suas férias, reduzindo também as garantias de saúde e segurança. Tudo isso em decorrência de uma alta pressão em busca do rebaixamento de custos dos serviços.
O trabalhador terceirizado, apesar de ser detentor de todos os direitos fundamentais previstos nos arts. 7º ao 11º da nossa Carta Magna, acaba por sofrer análoga diminuição do seu padrão de proteção, àquela padecida pelo trabalhador terceirizado das empresas privadas, já que ele não é favorecido pelo modelo de emprego ou cargo público, nem do regime bilateral defendido pelas normas constitucionais.
Quando a Constituição autoriza de forma excepcional a administração pública e as estatais que exploram atividades econômicas (Petrobrás, por exemplo), a fazer uso da terceirização em suas atividades de apoio administrativo, apenas o faz sob a condição de que o trabalhador terceirizado possua e desfrute dos mesmos direitos sociais desfrutados por aqueles que estão numa relação bilateral com as suas empresas.
Desta forma a Constituição estipula um padrão relacional de trabalho também para a iniciativa privada, demandando dela a máxima adaptação do mecanismo terceirizador ao padrão de proteção dos direitos fundamentais dos seus trabalhadores. Estando o regime consitucional de emprego resguardado, ainda que sofrendo forte pressão para o esvaziamento de seu teor por parte dos empregadores, apenas cede espaço para a realização da terceirização na atividade-meio, caso sejam preservadas os seus intuitos constitucionais.
Diante das proteções trabalhistas garantidas pela nossa Constituição, há que se ter, por consequência, um fortalecimento das relações diretas de emprego, com foco no aprimoramento das atividades finalísticas da empresa. Deverá o empregador desenvolver relações de trabalho com máxima proteção social, integrando o trabalhador ao ambiente da empresa, e dando máxima continuidade ao vínculo empregatício entre eles, em obediência aos arts. 7º a 11 da nossa Constituição.
Define-se, assim, o âmbito de proteção do direito fundamental dos empreendedores, tanto o que fornece quanto o que contrata o serviço, consistente na liberdade de contratar a terceirização de serviços excepcionalmente e exclusivamente na atividade-meio do tomador, com o máximo respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores terceirizados, na máxima medida possível.
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