CONSTANÇA URBANO DE SOUSA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DOS ESTRANGEIROS
Por: Paulo Rainho • 10/6/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 33.346 Palavras (134 Páginas) • 224 Visualizações
CONSTANÇA URBANO DE SOUSA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DOS ESTRANGEIROS Versão provisória e não revista
“Partir de casa é muito difícil (...). Deixar a família é doloroso. E porque é que o fazemos? Porque é preciso, para viver melhor, para dar uma melhor educação aos nossos filhos. Eu disse-lhes que era muito duro. (...) Que todos os dias andamos sem saber para onde; só os passadores sabem para onde vamos. Os clandestinos e os passadores é como os carneiros e o pastor. (...) Todos os dias arriscamo-nos a ser controlados, presos durante meses e depois reenviados para o nosso país. O que é que eu lhes posso dizer mais? Digo a verdade: a imigração não é uma coisa boa. Partir é uma prova; a ruptura não é vida (...)”
(Depoimento de um imigrante curdo, 36 anos, três filhos, engenheiro de telecomunicações, citado no estudo de Smain Laacher, “Des étrangers en situation de “transit” au Centre d’Hébergement et d’Accueil d’Urgence Humanitaire de Sangatte)
NOTA PRÉVIA
Este manual foi elaborado com base nos sumários desenvolvidos das aulas da disciplina de Direito da Igualdade Social (Direito dos Estrangeiros), dadas no 1.º semestre do ano lectivo 2003/2004 aos alunos da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Procuramos, assim, dar uma resposta às dificuldades sentidas pelos alunos da disciplina, devido à inexistência de elementos de estudo que abrangessem as matérias leccionadas naquela disciplina.
Embora este livro se dirija em primeira linha aos alunos, não são só eles os seus destinatários, mas igualmente advogados, magistrados e todos aqueles que se interessam pela temática dos estrangeiros em geral e dos imigrantes em particular.
Com efeito, a recente transformação de Portugal em País de Imigração, e portanto, destino de milhares de estrangeiros que procuram aqui melhores condições de vida, colocou no centro da agenda política nacional a questão da gestão dos fluxos migratórios e do estatuto jurídico do estrangeiro no nosso território. Não sendo embora um fenómeno propriamente “novo”, assistiu-se na última década uma mudança quantitativa e qualitativa dos fluxos migratórios para Portugal. De uma imigração predominantemente africana – oriunda das ex- colónias – passaram a chegar ao nosso País um cada vez maior número de imigrantes oriundos sobretudo do Leste Europeu, em especial da Ucrânia.
A imigração, não é apenas um fenómeno conjuntural, mas um fenómeno estrutural inevitável. Para lá das vantagens óbvias (além de contribuírem para o desenvolvimento económico e serem um importante factor de enriquecimento cultural, os fluxos imigratórios são um importante meio de fazer face ao envelhecimento demográfico e, assim, garantir a médio prazo a sustentabilidade do mercado de trabalho e do sistema de segurança social) a imigração também traz consigo alguns aspectos negativos, como as tensões sociais (muitas vezes originadas pela forte incidência de exclusão social nas comunidades imigrantes), os conflitos culturais e o surgimento de racismo e xenofobia.
Os fluxos migratórios têm um enorme impacto na nossa sociedade, transformando o paradigma de uma sociedade homogénea em sociedade multicultural ou cosmopolita, o que coloca uma série de problemas – desde a regulação dos fluxos migratórios ao combate à imigração clandestina, passando por uma integração destes estrangeiros na nossa sociedade –, que, não raras vezes, põem em evidência a inexistência de instrumentos adequados para os solucionar.
A importância social, económica e cultural da imigração só por si justifica o estudo do seu enquadramento jurídico, o qual constitui o núcleo duro do Direito dos Estrangeiros.
Para delimitarmos o âmbito da nossa disciplina é necessário, no entanto, definir quem é estrangeiro, o que pressupõe o estudo do Direito da Nacionalidade, bem como fazer uma concretização de vários conceitos que surgem nesta domínio, como o de imigrante/imigração, asilo, etc. (Introdução). De seguida, e como uma pessoa só estará submetida ao Direito dos Estrangeiros quando entra e permanece no território de um Estado de que não é nacional, é necessário estudar o regime jurídico da entrada e permanência de um estrangeiro em Portugal (Parte I). Embora o conceito de imigração em sentido amplo, abranja também a entrada de refugiados e de pessoas necessitadas de protecção internacional ao abrigo do direito de asilo, a Parte I será dedicada ao direito de imigração stricto sensu, que regula a entrada e permanência assente numa opção voluntária do estrangeiro, motivada por considerações de ordem económica, social ou familiar, de forma a diferenciá-la da imigração (em sentido amplo) ao abrigo do direito de asilo e do regime jurídico de entrada e permanência de estrangeiros carecidos de protecção internacional (refugiados de facto), a qual será objecto da Parte II. A Parte III será dedicada ao afastamento de estrangeiros do território nacional, com especial destaque para a figura jurídica da expulsão.
Enquanto permanece em território nacional o estrangeiro está submetido a um especial estatuto jurídico-constitucional, que será desenvolvido na Parte IV desta obra.
INTRODUÇÃO
O Direito dos Estrangeiros, como “conjunto de normas e princípios que definem a situação jurídica dos estrangeiros”1, é um ramo da ciência jurídica que não tem suscitado muita atenção na doutrina portuguesa. É sobretudo no domínio do Direito Internacional Privado que é tratada esta temática, com um cunho fundamentalmente privatístico, embora encontremos na doutrina constitucional alguns afloramentos da matéria2.
Como ponto de partida importa, antes demais, fazer algumas clarificações conceituais, começando pela definição e caracterização do “Direito dos Estrangeiros” (capítulo I), bem como de “estrangeiro”, distinguindo estes conceitos de outras realidades que se encontram conexas com o objecto do nosso estudo ou mesmo, por ele abrangidas (capítulo II). Por fim, será dada alguma atenção ao Direito da Nacionalidade, pois a determinação da nacionalidade de uma determinada pessoa é pressuposto e ao mesmo
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