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CONSTANÇA URBANO DE SOUSA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DOS ESTRANGEIROS

Por:   •  10/6/2019  •  Pesquisas Acadêmicas  •  33.346 Palavras (134 Páginas)  •  227 Visualizações

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CONSTANÇA URBANO DE SOUSA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO DOS ESTRANGEIROS Versão provisória e não revista


“Partir de casa é   muito difícil (...). Deixar a família é doloroso. E porque é que o fazemos? Porque é preciso, para viver melhor, para dar uma melhor educação aos nossos filhos. Eu disse-lhes que era muito duro. (...) Que todos os dias andamos sem saber para onde; só os passadores sabem para onde vamos. Os clandestinos e os passadores é como os carneiros e o pastor. (...) Todos os dias arriscamo-nos a ser controlados, presos durante meses e depois reenviados para o nosso país. O que é que eu lhes  posso dizer mais? Digo a verdade: a imigração não é uma coisa boa. Partir é uma prova; a ruptura não é vida (...)”

(Depoimento de um imigrante curdo, 36 anos, três filhos, engenheiro de telecomunicações, citado no estudo   de   Smain   Laacher,   “Des   étrangers   en situation de “transit” au Centre d’Hébergement et d’Accueil d’Urgence Humanitaire de Sangatte)


NOTA PRÉVIA

Este manual foi elaborado com base nos sumários desenvolvidos das aulas da disciplina  de  Direito  da  Igualdade  Social  (Direito  dos  Estrangeiros),  dadas  no  1.º semestre do ano lectivo 2003/2004 aos alunos da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Procuramos, assim, dar uma resposta às dificuldades sentidas pelos alunos da disciplina, devido à inexistência de elementos de estudo que abrangessem as matérias leccionadas naquela disciplina.

Embora este livro se dirija em primeira linha aos alunos, não são só eles os seus destinatários, mas igualmente advogados, magistrados e todos aqueles que se interessam pela temática dos estrangeiros em geral e dos imigrantes em particular.

Com efeito, a recente transformação de Portugal em País de Imigração, e portanto, destino de milhares de estrangeiros que procuram aqui melhores condições de vida, colocou no centro da agenda política nacional a questão da gestão dos fluxos migratórios e do estatuto jurídico do estrangeiro no nosso território. Não sendo embora um fenómeno propriamente  “novo”,     assistiu-se  na  última  década  uma  mudança  quantitativa  e qualitativa dos fluxos migratórios para Portugal. De uma imigração predominantemente africana – oriunda das ex- colónias – passaram a chegar ao nosso País   um cada vez maior número de imigrantes oriundos sobretudo do Leste Europeu, em especial da Ucrânia.

A  imigração,  não  é  apenas  um  fenómeno  conjuntural,  mas  um  fenómeno estrutural inevitável. Para lá das vantagens óbvias (além de contribuírem para o desenvolvimento económico e serem um importante factor de enriquecimento cultural, os fluxos   imigratórios   são   um   importante   meio   de   fazer   face   ao   envelhecimento demográfico e, assim, garantir a médio prazo a sustentabilidade do mercado de trabalho e do sistema de segurança social) a imigração também traz consigo alguns aspectos negativos, como as tensões sociais (muitas vezes originadas pela forte incidência de exclusão social nas comunidades imigrantes), os conflitos culturais e o surgimento de racismo e xenofobia.


Os fluxos migratórios têm um enorme impacto na nossa sociedade, transformando o paradigma de uma sociedade homogénea em sociedade multicultural ou cosmopolita, o que  coloca  uma  série  de  problemas  –  desde  a  regulação  dos  fluxos  migratórios  ao combate à imigração clandestina, passando por uma integração destes estrangeiros na nossa  sociedade  –,  que,  não  raras  vezes,  põem  em  evidência  a  inexistência  de instrumentos adequados para os solucionar.

A importância social, económica e cultural da imigração só por si justifica o estudo do seu enquadramento jurídico, o qual constitui o núcleo duro do Direito dos Estrangeiros.

Para delimitarmos o âmbito da nossa disciplina é necessário, no entanto, definir quem é estrangeiro, o que pressupõe o estudo do Direito da Nacionalidade, bem como fazer uma concretização de vários conceitos que surgem nesta domínio, como o de imigrante/imigração, asilo, etc. (Introdução). De seguida, e como uma pessoa só estará submetida ao Direito dos Estrangeiros quando entra e permanece no território de um Estado de que não é nacional, é necessário estudar o regime jurídico da entrada e permanência de um estrangeiro em Portugal (Parte I). Embora o conceito de imigração em sentido amplo, abranja também a entrada de refugiados e de pessoas necessitadas de protecção internacional ao abrigo do direito de asilo, a Parte I será dedicada ao direito de imigração  stricto  sensu,  que  regula  a  entrada  e  permanência  assente  numa  opção voluntária do estrangeiro, motivada por considerações de ordem económica, social ou familiar, de forma a diferenciá-la da imigração (em sentido amplo) ao abrigo do direito de asilo e do regime jurídico de entrada e permanência de estrangeiros carecidos de protecção internacional (refugiados de facto), a qual será objecto da Parte II. A Parte III será  dedicada  ao  afastamento  de  estrangeiros  do  território  nacional,  com  especial destaque para a figura jurídica da expulsão.

Enquanto permanece em território nacional o estrangeiro está submetido a um especial estatuto jurídico-constitucional, que será desenvolvido na Parte IV desta obra.


INTRODUÇÃO

O Direito dos Estrangeiros, como “conjunto de normas e princípios que definem a situação jurídica dos estrangeiros1, é um ramo da ciência jurídica que não tem suscitado muita atenção na doutrina portuguesa.  É  sobretudo no domínio do Direito Internacional Privado  que  é  tratada  esta  temática,  com  um  cunho  fundamentalmente  privatístico, embora encontremos na doutrina constitucional alguns afloramentos da matéria2.

Como   ponto   de   partida   importa,   antes   demais,   fazer   algumas   clarificações conceituais, começando pela definição e caracterização do “Direito dos Estrangeiros” (capítulo I), bem como de “estrangeiro”, distinguindo estes conceitos de outras realidades que se encontram conexas  com o objecto do nosso estudo ou mesmo, por ele abrangidas (capítulo II). Por fim, será dada alguma atenção ao Direito da Nacionalidade, pois a determinação da nacionalidade de uma determinada pessoa é pressuposto e ao mesmo

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