OS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO FACE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Por: Valdir Junior Alves • 31/8/2018 • Artigo • 5.088 Palavras (21 Páginas) • 284 Visualizações
OS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO FACE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 |
Leandro dos Anjos Batista[1]
Anderson Lincoln Vital da Silva[2]
RESUMO
O objetivo deste estudo é propor uma análise dos crimes de perigo abstrato face a Constituição Federal, demonstrando a compatibilidade destes com a nossa Lei Maior. Com o crescente uso dos delitos de perigo abstrato no ordenamento jurídico, surgem dúvidas quanto a constitucionalidade destes crimes, dessa forma, para elucidar melhor a questão, será necessário descrever os diferentes tipos de crimes de perigo, analisando os princípios constitucionais penais pertinentes ao tema. Este tema é de grande relevância uma vez que existe uma divisão entre os doutrinadores quanto a legalidade dos crimes destes crimes. Por fim, pode-se concluir pela inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.
Palavras-chaves: Crimes de Perigo Abstrato; Princípios Constitucionais Penais; (In)constitucionalidade dos Crimes de Perigo Abstrato.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar os tipos penais denominados como crimes de perigo abstrato e as suas implicações constitucionais, uma vez que se trata de tema bastante controvertido no Direito Penal, por serem de crimes de mera conduta, que não ferem nenhum bem jurídico.
O Direito Penal, segundo o princípio da intervenção mínima, só deve tutelar bens juridicamente relevantes para a sociedade, sendo, portanto, a ultima ratio, devido à gravidade de suas sanções. Contudo, com a evolução tecnológica que a sociedade experimentou nos últimos anos, o conceito do que é juridicamente importante acabou mudando consideravelmente.
Portanto, vivemos atualmente em uma sociedade altamente tecnológica e globalizada e, por conta disso, criaram-se novos contextos de riscos, em que se buscam evitar a ocorrência de um evento danoso, tornando-se uma “sociedade de riscos ou de perigo”, que manifesta a clara intenção de penalizar a mera conduta do agente e, em resposta, o legislador, no anseio de responder ao clamor social, acabou criando a tipificação de crimes chamados de perigo abstrato.
Tais crimes, contudo, vão de encontro a vários princípios constitucionais, uma vez que não obedecem uma estrutura típica formal, impondo ao agente que os praticam restrições a direitos fundamentais, com o simples objetivo de anteder às expectativas sociais através da antecipação da tutela estatal com a flexibilização de princípios e garantias constitucionais.
Dessa forma, primeiro serão conceituados os crimes de perigo e de perigo abstrato, diferenciando um do outro, passando-se, a seguir, a tratar dos princípios constitucionais pertinentes ao tema proposto, conceituando-os, a fim de que sejam eliminadas quaisquer confusões terminológicas, para que, enfim, seja indicada a compatibilidade dos crimes de perigo abstrato com a Constituição Federal.
1. CRIMES DE PERIGO
Importante destacar que os crimes de perigo são classificados em de perigo concreto ou de perigo abstrato, sendo necessário primeiramente fazer a distinção entre o dolo de perigo e o dolo de dano.
O dolo de dano se caracteriza quando o agente quer ou assume o risco produzir efetivamente lesão a um bem jurídico tutelado pela lei, correspondendo ao dolo direto e dolo eventual de dano, respectivamente. Tal dolo é exigido para os crimes de dano, onde há uma efetiva lesão do bem jurídico.
O dolo de perigo por sua vez, é quando o agente quer ou assume o risco de expor a perigo bens ou interesses jurídicos tutelados pela lei, ou seja, o agente não assume o risco de produzir uma lesão efetiva ao bem jurídico. Portanto, no dolo de perigo há apenas a vontade de expor o bem jurídico a possibilidade de dano.
Assim, conclui-se que os crimes de perigo se consuma com a simples criação de perigo ao bem juridicamente protegido, sem de fato produzir qualquer dano. Enquanto nos crimes de ano para a sua configuração, há a necessidade do bem jurídico sofre um dano efetivo, não basta apenas a situação de perigo.
- CRIMES DE PERIGO CONCRETO
Os crimes de perigo concreto necessitam da comprovação de situação de perigo criado pelo agente ao bem juridicamente tutelado. Segundo nos ensina Rogério Greco, que diz o seguinte:
A sua visão, ao contrário daquela realizada nos crimes de perigo abstrato, é sempre ex post, ou seja, analisa-se o comportamento praticado pelo agente, depois da sua realização, a fim de concluir-se, no caso concreto, trouxe ou não perigo ao bem juridicamente protegido pelo tipo. Como exemplo de crime de perigo concreto podemos destacar o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem, previsto pelo art. 132 do Código Penal. [1]
Outro exemplo de crime de perigo concentro é o de maus tratos, que se encontra capitulado no artigo 136 do Código Penal:
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.
O crime de maus tratos exige a comprovação da efetiva situação de perigo para a vida ou saúde de outrem, a qual deverá ser feita através de laudo pericial de exame de corpo de delito, por ser um crime que deixa vestígios, o referido laudo deverá atestar o concreto dano ao bem jurídico tutelado para fins de consumação do delito, caso não haja o dano, o delito não resta configurado.
Portanto, além de praticar o verbo do tipo penal, o agente tem que realizar uma conduta apta a gerar um efetivo dano, o qual deverá ser comprovado para efeitos de consumação típica.
- CRIMES DE PERIGO ABSTRATO
Os crimes de perigo abstrato são aqueles em que basta a simples presunção de perigo ao bem jurídico para que a conduta do agente seja penalizada. Conforme leciona Cézar Roberto Bitencourt[2], no que diz respeito aos crimes de perigo abstrato, “a lei contenta-se com a simples prática da ação que pressupõe perigosa”.
Não há risco concreto nos crimes de perigo abstrato, não se fazendo necessário a prova de dano, uma vez que tal ocorrência é presumida, “o legislador tipifica a conduta por jogá-la perigosa em si, independentemente de qualquer risco efetivo, isto é, a lei o presume jure et de jure”[3].
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